sexta-feira, 28 de agosto de 2015

POIS É, A REALIDADE SUBSTITUI-SE FREQUENTEMENTE ÀS PREVISÕES




(Nunca como hoje os Bancos Centrais têm de ser diligentes e competentes nas suas previsões)

As duas últimas semanas têm sido tenebrosas para os bancos centrais. A interpenetração aguda em que os mercados financeiros estão hoje mergulhados a nível mundial tem certamente determinado mais alguns cabelos brancos aos governadores, incluindo os que possam estar a relaxar, refletindo, nos últimos dias desta semana no recato das montanhas de Wyoming – USA no já célebre simpósio anual de Jackson Hole (como o tempo passa, ainda há pouco discutíamos o do passado), sob organização do Federal Reserve Bank de Kansas City.

Em escalas diferentes e ambos com cabelos brancos, Janet Yellen no FED-USA e Carlos Costa no Banco de Portugal estão na berlinda. Ambos os governadores e respetivas equipas enfrentam hoje angústias sérias no âmbito das previsões ou estimativas que suportaram estratégias de decisão que deveriam produzir resultados no futuro próximo. Em ambas as angústias, a turbulência da economia chinesa e do seu mercado de capitais contribuiu para o estado de indeterminação em que estão envolvidos, não necessariamente como fator único do derrube de estimativas anteriores, mas contribuindo decisivamente para esse facto.

Analisemos em separado os dois casos.

O FED-USA vinha preparando ao longo das suas últimas declarações públicas, que são rigorosamente escrutinadas pelos analistas, ao ponto destes por vezes pressentirem divergências entre o texto da declaração e o tom em que ela é lida à comunicação social, uma trajetória de transição suave para uma subida das taxas de juro de referência do FED. O comportamento da economia americana em fase de recuperação e sobretudo a evolução do mercado de trabalho para zonas mais próximas da taxa de desempego natural suportavam essa estratégia de subida a prazo das taxas de referência. O assunto era tratado com pinças, pois um conjunto de fatores advertia o FED para que tal estratégia podia comprometer a recuperação da economia americana. Entre esses fatores, vale a pena referir os seguintes:

  • Em primeiro lugar, o comportamento descendente da taxa de desemprego a partir de 2009 foi essencialmente explicado pela descida da taxa de participação da força de trabalho (parte da qual deixou de procurar ativamente trabalho) e não pelo comportamento decisivo do emprego;

  • Em segundo lugar, a decisão anunciada pelos governadores Alan Greenspan e Bem Bernanke de manter como meta de inflação média os 2%, posteriormente transformados em teto da subida de preços e não como referencial médio, teve sempre economistas (Bradford DeLong e Lawrence Summers à cabeça) a alertar para que essa meta era demasiado baixa para a saúde da economia;

  • Em terceiro lugar, as perspetivas deflacionárias levaram a uma formação de expectativas entre os investidores, segundo as quais os mercados passam a incorporar a ideia de que o FED não atingirá essa meta de inflação na próxima década;

  • Em quarto e último lugar, a crise de 2007-2008 e talvez mais a recuperação agónica que se lhe seguiu “talvez desta vez seja diferente” e estejamos perante uma mudança de contexto estrutural em que a política monetária é exercida, como aliás as reflexões em torno do conceito de “estagnação secular” e a hipótese de estarmos na transição sempre complexa para um novo ciclo longo de evolução das economias de mercado mais maduras têm alertado que pode estar de facto a acontecer.

Gavyn Davies um analista bastante subtil veio ontem no Financial Times chamar a atenção para as dificuldades de coordenação que o governo chinês irá experimentar em estabilizar de novo a economia chinesa. Segundo ele, o que se exige às autoridades chinesas em matéria de política monetária facilitadora e injetora de liquidez, de política cambial fixando uma relação entre a moeda chinesa e o dólar que se aguente por si no mercado, de relaxamento da política fiscal para compensar a perda de ânimo do investimento locomotiva tradicional do crescimento chinês e desendividamento dos poderes locais e do sistema bancário por transferência de dívida para o banco central e governo central pode ser coisa grossa para o pragmatismo chinês. Assim sendo, o FED não contaria talvez que os investidores mudassem tão rapidamente de agulha focando-se nas expectativas centradas na economia americana. No meio disto tudo, o fortíssimo trambolhão dos preços das commodities no mercado mundial, que isoladamente poderia talvez ser visto como uma correção de excessos de oferta, arrisca-se a ser percecionado de modo mais profundo e implicitamente revelador de um abrandamento estrutural de procura.

Assim sendo, o FED esperaria que a trajetória de expectativas gradualmente conducentes a uma incorporação de que as taxas de referência iriam subir se desenrolasse sem perturbações. Pois! Mas neste momento os mercados parecem mais incorporar os alertas de Lawrence Summers de que estamos perante um futuro diferente. Podem por isso estimar que o FED nunca mais irá atingir a sua ideia de teto de inflação a 2%. E deste modo se vê como é que curtas crónicas de alguém como Summers podem ter um impacto devastador na formação de expectativas. Até assusta o poder sobre os mercados que pode ler a prosa sóbria e pesada de Summers. Se é verdade que Summers esperaria assumir o lugar que Yellen agora ocupa não podemos deixar de registar que há aqui algo de picante nesta matéria. Os mercados a incorporarem os alertas de Summers e a não jogarem na forward guidance que o FED quis imprimir às expectativas. Fascinante.

À nossa escala e talvez mais por oportunismo negocial dos chineses da Angbang do que propriamente por efeito direto do trambolhão da bolsa chinesa e da perda de valor associada, Carlos Costa tem a sua estratégia de resolução do BES e venda do Novo Banco ameaçada pela turbulência da economia chinesa. Rezam as más-línguas da imprensa económica que os chineses estarão a fazer-se caros e a não chegar-se à frente na fixação de um valor de compra para o NB que não atropele a argumentação do Banco de Portugal para a defesa da solução resolução. Continuo a achar que à época a decisão foi a mais acertada e não tenho dúvidas de que os três dias em torno dessa decisão terão sido os mais alucinantes da vida de Carlos Costa. Mas sempre questionei a rapidez com que Maria Luís veio a terreiro sossegar os contribuintes portugueses de que a solução iria impedir que um desastre mais se abatesse sobre o ónus fiscal dos portugueses. Veremos se a banca encaixa o desvio entre venda e contributo para o Fundo de Resolução. Na altura recomendar-se-ia uma apresentação mais rigorosa dos riscos para o contribuinte da resolução. Até porque a superioridade da solução de resolução se impõe às alternativas mesmo que o desvio seja mais elevado do que o esperado.Também aqui houve previsões, na altura o mais fundamentadas possível. Mas há sempre a questão do poder negocial. E nestas coisas de venda para salvar a face de uma solução não é preciso ser adivinho para imaginar de que lado está o poder negocial. Não estará por certo do lado do Banco de Portugal por mais que Carlos Costa o desejasse

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