terça-feira, 16 de janeiro de 2018

DOING BUSINESS SOB FOGO





(No ponto da carreira em que se encontra, no qual academicamente não tem nada a perder, antecipei que a chegada de Paul Romer a economista-chefe do Banco Mundial iria trazer alguma agitação. Não me enganei. Depois de se envolver internamente com os quadros do Banco Mundial numa disputa sobre rigor de comunicação de ideias e resultados económicos, Romer aparece no Wall Street Journal a dar a cara sobre a necessidade de revisão externa das últimas publicações do ranking de países no quadro do Doing Business.)

Nos últimos anos, Paul Romer tem sido protagonista controverso de uma cruzada contra: (i) a falta de rigor na comunicação económica, (ii) a falta de transparência na publicação de resultados nem sempre assegurando a replicabilidade dos cálculos por outras equipas; (iii) o uso indevido e manhoso da matemática, cunhando o conceito de “mathiness”. Um bom indicador da pertinácia da cruzada está no facto de Romer ter transportado essa lógica implacável de rigor de comunicação para o interior do Banco Mundial, assumindo-se como um economista-chefe interventivo e não de deixa andar. Essa teimosia e embate com as equipas internas, com análises curiosas de quantos “and” (e) um dado relatório publicado pelo Banco Mundial continha, valeu-lhe ter mantido o cargo de economista-chefe mas sem as funções de gestão de recursos humanos associados. Essa função foi ocupada, ironia das ironias, por uma senhora búlgara ex-Comissão Europeia que concorreu com António Guterres para a ONU à última hora.

Pois, depois de um curto interregno, Romer volta a estar no foco da controvérsia na transmissão de dados económicos. Em 12 de janeiro, numa entrevista ao Wall Street Journal (link aqui), infelizmente não acessível para não assinantes eletrónicos do jornal, Romer assume publicamente a sua vontade de rever para os últimos quatro anos os resultados da aplicação dos diferentes indicadores de competitividade e de ambientes propícios aos negócios que fundamentam a conhecidíssima publicação do Banco Mundial DOING BUSINESS (link aqui).

Tudo isto porque entre 2014 e 2017, o índice compósito utilizado pela publicação sofreu várias alterações metodológicas. Entretanto, nesse período, o indicador aplicado ao Chile experimenta uma descida com algum significado, o que acabou por ter algum efeito na eleição presidencial. O tal período atingiu em cheio o mandato de Bachelet, favorecendo o de Piñera, que como se sabe ganhou a última eleição. Surpreendentemente ou talvez não, Romer na entrevista ao WSJ declara que procederá a uma revisão dos cálculos, republicando os cálculos sem alterações metodológicas na construção do índice. Mas mais do que isso afirma que não põe as mãos no fogo por possíveis motivações politicas para a introdução das referidas alterações. Fez mesmo na entrevista uma espécie de apologia do Chile, apresentando desculpas ao país pelo sucedido.

Imagina-se o ambiente quente que existirá no interior da instituição para Romer dar voz como economista-chefe a desconfianças que circulavam sobre a consistência dos dados do DOING BUSINESS e dos seus rankings. As alterações introduzidas respeitam a variáveis como o licenciamento de nova construção, a qualidade e preço da energia elétrica, a qualidade dos processos judiciais e questões relativas a preenchimento de declarações de impostos. Essas variáveis terão penalizado a situação do Chile e por influência do ranking o México saltou para o lugar de país latino-americano mais amigável para os negócios.

Rankings, rankings, sempre o mesmo problema e a mesma obsessão. Por exemplo, se valorássemos mais incisivamente o ambiente de segurança ou de insegurança, seguramente que o México não emergiria como mais amigável para os negócios, talvez para os negócios escuros, quem sabe. Tenho de confessar que sou um devoto leitor de Roberto Bolaño e que o México profundo me assusta e causa insónias depois de longos períodos de leitura da obra fascinante do precocemente desaparecido escritor e enfant terrible chileno.

A batalha de Romer é corajosa e a questão do rigor da comunicação da informação económica é cada vez mais vital em tempos em que as notícias nos jornais económicos se pagam com um prato de lentilhas ou talvez com um copo. A firmeza da batalha é típica de alguém que se cansou do ambiente académico falso e de reprodução de cumplicidades, de alguém que terá perdido a esperança de chegar a um Nobel, sobretudo quando comparado com o seu rival de mainstream, Robert Lucas Jr, seu alvo preferencial, juntamente com Prescott, na batalha da “mathiness”. É isto que mais me incomoda nesta e nas controvérsias anteriores. Paul Romer é provavelmente um economista sob fogo, isolado, preparado para disparar sobre os seus alvos ao mínimo sinal de controvérsia por falta de rigor. Só espero que tal isolamento não lhe retire acutilância e rigor.

Tendo sido com a equipa de Desenvolvimento e Crescimento Económico da FEP responsável pela introdução da obra e pensamento de Romer na formação graduada e pós graduada em Economia em Portugal, tenho uma relação muito especial com a sua obra e com as suas cruzadas. Ou, como dizia o outro, quem bate nos nossos leva.

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