terça-feira, 31 de janeiro de 2012

GESTÃO DANOSA?


A sessão inaugural do ano judicial no Supremo Tribunal de Justiça confirmou, como era esperado, a crispação entre as principais dimensões corporativas do sistema. Alguém terá dito ao longo dia em modo de antecipação, penso que o juiz Rui Rangel, que a sessão se assemelhava a uma série de discursos de gladiadores, voltando depois tudo à mesma situação, cada qual no seu canto e cada vez mais crispado. Para alguém de dentro do sistema a metáfora não está mal, deve saber do que fala. Neste contexto, o discurso apaziguador do Presidente da República não terá passado disso, não se conhecendo nenhuma iniciativa presidencial, visível, de criação de espaços de aproximação. Mas, pelo que ressalta da reunião, também este governo não está a conseguir avançar nessa concertação para uma reforma do sistema.
Mas a matéria do dia não é a crispação da abertura do ano judicial. Essa já não é novidade. O que pode espantar é a sua permanência ano a ano, governo a governo. Na sua contundência, o discurso do Bastonário suscita alguma necessidade de discussão tal a gravidade do diagnóstico aí apresentado em matéria de defesa e proteção do cidadão comum.
A novidade está na acusação velada feita pela Ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, com envio de matéria para a Procuradoria da República, sobre a alegada gestão danosa do governo anterior em matéria de negócios de arrendamento de infraestruturas para o Ministério. Ora, aqui está uma matéria que exige esclarecimento cabal e rápido para uma correta avaliação do processo. E não é indiferente o resultado do inquérito ou que quer que seja o que o Ministério Público vai levar a cabo nos próximos dias. Uma de duas: (i) ou a prática política de Alberto Martins fica manchada por uma gestão pouco cuidada de recursos públicos em função da eventual demonstração de evidências de gestão danosa, embora haja nessa possibilidade muitas e diferentes gradações que importará apurar; (ii) ou a Ministra Paula Teixeira de Cruz fica mal na fotografia, dando mostra de uma leviandade que não fica bem à responsável política pela Justiça. Aqui temos mais um exemplo de como um qualquer e eventual prolongamento pantanoso desta situação, sem esclarecimento cabal e rápido do que foi suscitado, gerará danos não apenas colaterais e dirimíveis em tribunal, mas centrais do ponto de vista da saúde do sistema. Veremos.

VÁ LÁ ENTENDER OS DESÍGNIOS OCULTOS DOS MERCADOS





Via Joe Weisenthal no Business Insider, dois gráficos quentinhos da Bloomberg, descrevendo a evolução diametralmente oposta das taxas (yields) de títulos da dívida pública a 2 anos (sim a dois anos e não a 5 ou 10 anos) de Portugal e de Espanha. Dada a forte proximidade política dos governos de Rajoy e de Passos Coelho, daqui ressalta o isolamento preocupante da situação portuguesa, mas paradoxalmente contágio nem vê-lo entre Espanha e Portugal, já que é a banca espanhola aquela que está mais imbricada com a situação portuguesa.
O artigo de Carlos Moedas no Wall Street Journal parece não ter produzido efeitos de dissuasão dos desígnios mais obscuros dos mercados.

EUROPA ILUSTRADA 2012 (I)

Com a devida vénia aos autores e aos jornais de publicação [respetivamente, Tom Janssen em “Trouw”, Amsterdão (http://www.trouw.nl), Bernardo Erlich em “El País”, Madrid (http://www.elpais.com), Ingram Pinn em “Financial Times”, Londres (http://www.ft.com), Manos Symeonakis em “Kathimerini”, Atenas (http://www.kathimerini.gr),
Vali Ivan em “Adevărul”, Bucareste (
http://www.adevarul.ro) e “The Economist”, Londres (http://www.economist.com)], aqui fica uma síntese ilustrada deste Janeiro europeu que inaugurou o “round 2012” do pouco emocionante “combate de boxe” em curso (Euro vs. mercados financeiros). Passando por um retorno perverso das agências de notação, uma continuada expectativa no possível contributo dos “super-Marios”, uma negociação de perdão parcial da dívida grega junto dos investidores privados (“private sector involvement”, PSI) e uma ideia de tutelar o orçamento de Atenas por um comissário europeu, o mês termina em Cimeira numa Bruxelas em greve e dominada por uma “buzzword” enigmática e improvável: crescimento.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

VÊM OS PONTOS NOS IIS?


Jornal de Notícias de hoje, página 16, título “Porto faz-de-conta em revista global”, assinatura P.O.S., reprodução integral:


“Para a revista “Monocle”, a fotografia de Rui Rio tem o tamanho de uma moeda de dois cêntimos. Já a cidade do Porto é mostrada com uma imagem de Vila Nova de Gaia. Na mais recente edição deste magazine internacional sediado em Londres, que se propõe ser mostra de assuntos globais, negócios, cultura e design, Rio, que responde a quatro perguntas, é o homem que levou o Porto das trevas à pujança em tempo de crise.
Syma Tariq – jornalista freelancer que tem escrito coisas sobre Portugal, a avaliar por uma busca na Internet – apresenta Rui Rio como o grande impulsionador do metro do Porto ou o homem cujos mandatos representam o período em que, com financiamento da União Europeia, a cidade se renovou e o optimismo cresceu.
Enfim, um mundo de faz-de-conta alheio ao despovoamento crescente, à fuga de empresas para a capital, ao desemprego… Antes de Rio, lê-se nesse canto de página, o Porto era uma cidade com pobres infra-estruturas, criminalidade ligada à droga e marasmo económico crónico.
Não obstante, é mais um sinal de que o mundo está especialmente atento ao Porto.”

Considerando o rigor germânico que se diz caracterizar o edil do Porto (acima caricaturado em http://ruvasa2a.blogspot.com), ficam-se a aguardar os desmentidos ou correções a esta historieta mal contada. Mais não fora porque nem o Porto é Gaia (credo!) nem o seu presidente de Câmara quererá correr o risco de ser responsabilizado pela dívida acumulada pela Metro do Porto – mesmo que a contrapartida seja a de o coroarem como o príncipe que emergiu das trevas…

COMÉRCIO EXTERNO E PODER


No dia de hoje, na antecâmara de mais uma cimeira do desconcerto europeu, o destino que terá na negociação o tratado fiscal de origem alemã sobre a limitação dos défices públicos marca decisivamente a intensidade do desvario atual. Penso mesmo que a ideia, também de origem alemã, de consagrar um Comissário com poderes de veto sobre as opções orçamentais gregas (tão liminarmente rejeitada por Jean Claude Juncker, Presidente do Eurogrupo, é uma manobra de diversão para amainar eventuais reações ao tratado fiscal.
No Diário de Notícias de hoje, Viriato Soromenho Marques falava da cegueira como tratado e terminava com esta afirmação: “A Europa vai correr para uma catástrofe. O Tratado de Merkel é um copo de cicuta. Um Tratado, verdadeiramente? Já li declarações de guerra com mais educação e elegância”.
Nesta vertigem de acontecimentos e impressões, fui direito a uma das obras mais ignoradas e esquecidas de Albert O. Hirschman, cujo pensamento influenciou o aparecimento deste blogue. A obra chama-se “National Power and the Structure of Foreign Trade”. Inicialmente escrito nos primeiros anos da década de 40 e editado em 1945 pela Universidade da Califórnia (Berkeley), com uma reedição e pequena extensão em 1980, o texto é visto como o estudo pioneiro do modo como o comércio internacional pode representar um instrumento de dominação. Na antologia do subdesenvolvimento que publiquei já há alguns anos com o atual Governador do Banco de Portugal Carlos Costa (Afrontamento, 1986), dediquei-lhe um lugar muito especial como uma das mais profundas e pioneiras visões estruturais do comércio internacional.
A curiosidade é que a base empírica de referência da obra de Hirschman é nada mais nada menos do que a gestão nazi do seu comércio internacional durante a década de 30, designadamente no âmbito das suas relações com o leste e sudoeste europeus. Escrevíamos então: “Hirschman teoriza o modo como o nazismo capitalizou as potencialidades das relações comerciais como meio de exercício do poder nacional, abordando a problemática das assimetrias inter-países sob o seu ponto de vista ativo – adominação”. É a base empírica de referência que explica que, inicialmente publicada em 1945, tenha permanecido esquecida durante largo tempo, sendo posteriormente reabilitada como uma abordagem pioneira das relações de poder que podem ocultar-se por detrás de uma lógica de mercado de livre-câmbio indiscriminado.
Não se trata de uma analogia fácil ou incendiária. Mas é impossível não pensar nesta referência quando se analisa a génese do tratado fiscal e sobretudo quando se contextualiza o mesmo à luz da situação política alemã atual. Opiniões desalinhadas como Munchau no Financial Times afirmam que o tratado fiscal gerará paradoxalmente uma explosão de dívida, aumentando os riscos de uma quase permanente depressão na Europa do sul. Também no Financial Times, Quentin Peel referia há dias a potencial revolta do grupo conservador do Parlamento alemão impondo uma posição mais dura de Merkel relativamente não só à Grécia mas também em relação ao pacto fiscal, posição não seguida seja pelos sociais-democratas, seja pelos Verdes. O que dirá Hirschman, envelhecido e distante em Princeton, sobre mais esta gestão alemã?
A imagem sobre o efeito Merkosy que tem passado pela NET prenuncia algo:

REDE PORTUGUESA PARA O DESENVOLVIMENTO DO TERRITÓRIO


Estive no evento público de apresentação da Rede Científica para o Desenvolvimento do Território. Fiquei perplexa. Entretanto recebi o discurso proferido pelo primeiro-ministro na ocasião. Extraio apenas os 3 primeiros parágrafos para vossa reflexão:


“Durante anos, entre nós como em muito outros países, as questões relacionadas com o território foram vistas como questões menores, triviais, relacionadas com problemas do foro administrativo, ou devolvidas para o plano das rivalidades locais. Já não é assim. O território constitui hoje um modo estratégico de pensar sobre o desenvolvimento. O Lugar, o território, a sua organização, são determinantes no modo como os fenómenos sociais, políticos e económicos se desenvolvem, e na determinação das melhores soluções politicas e económicas.
É fundamental que a sociedade civil assuma de modo dinâmico a sua prerrogativa de pensar sobre esta questão de maior e de apresentar propostas concretas. São propostas que o poder político tem o dever de ouvir e de considerar, sobretudo quando provêm de quem faz seu o propósito de as estudar em profundidade e de um modo estratégico. Temos razões para esperar muito das redes de cooperação entre a administração pública e os atores da sociedade civil, como as Universidades e os Politécnicos.
Sei que o Instituto do Território, a cuja apresentação tenho o enorme orgulho de me associar, está já a trabalhar em vários projetos, como a salvaguarda do nosso património frutícola, a dinamização dos desportos do mar ou o desenvolvimento de uma estratégia específica para os territórios de baixa densidade populacional, onde é preciso criar condições para a fixação dos jovens e para a promoção de novos circuitos comerciais e novos negócios. São ideias criativas e atentas às nossas necessidades mais urgentes”.

CAPITAIS



Não deixa de ser irónico que na penúria em que o país se encontra, alvo de um programa de assistência financeira que impõe condições duras e é portador de dolorosas consequências, condição necessária para que nos mantenhamos na Europa da moeda única, tenhamos neste ano em Portugal, no Norte, no Minho, a duas dezenas de quilómetros, duas Capitais Europeias: Guimarães Capital Europeia da Cultura e Braga Capital Europeia da Juventude. Esta não é, de todo, uma situação vulgar, sobretudo num país como o nosso, periférico dos centros de decisão europeus.
Nós somos mestres a desvalorizar o que alcançamos com esforço, competência e saber e às vezes génio: quem diz aos quatro ventos que o Porto tem dois prémios Pritzker, Álvaro Siza e Eduardo Souto Moura, coisa inédita na mesma cidade, invulgar no mesmo país?
Este zoom europeu é feito em 2012 sobre Braga e Guimarães. E isso coloca acrescidas responsabilidades às organizações destes eventos. Porque eles contêm na sua matriz e nos seus propósitos as mais generosas e representativas intuições do Projecto Europeu. E a Europa necessita, como pão prá boca, destes momentos de síntese dos seus valores, de revisão da matéria dada.
Num tempo em que os valores e as práticas da democracia voltam a estar seriamente ameaçados…
•    a Europa e os estados europeus estão debaixo de fogo: da perseguição à presa a abater destacada do grupo evoluiu-se para a fase 2 que corresponde ao fogo de varrimento do campo do inimigo. As políticas e as agendas passaram inexoravelmente a ser comandadas por poderes não escrutináveis que se sobrepõem aos legítimos poderes sufragados pelos povos;
•    a União Europeia debate-se com a maior crise da sua história, que fere a sua própria legitimidade, quando os Tratados são repetidamente torpedeados pelo surgimento de Directórios que condicionam e tornam dispensáveis os órgãos de decisão europeus porque se teme aprofundar a via federal .
Lembro Santo Agostinho, bispo de Hipona, no séc. IV, quando se viam as hordas dos povos então chamados bárbaros (são sempre bárbaros os que estão do outro lado) que cercavam a cidade e o Império Romano estava preste a ruir, que dizia “Não é o mundo que acaba, é um mundo novo que começa.”
“Construir uma Europa de Culturas, de Diálogo, de Cidadania. Dar a conhecer e aproximar os povos e as culturas da Europa. Reforçar a consciência dos cidadãos sobre a riqueza da multiculturalidade e do multilinguismo europeu. Facilitar o diálogo cultural entre a Europa e o resto do mundo.”
 (da candidatura ao título de Guimarães Capital Europeia da Cultura, da responsabilidade do Grupo de Missão em que participou a Administradora da Quaternaire Portugal, Elisa Babo, como representante do Ministério da Cultura).
“Fortalecer as relações entre as instituições europeias e as populações locais. Fomentar a participação dos jovens nas iniciativas tanto ao nível local como europeu. Capacitar os mais jovens a todos os níveis, encorajando-os a ser actores mais proactivos na sociedade.” (da candidatura de Braga Capital Europeia da Juventude).
Este desafio para todos nós cidadãos europeus e cidadãos do mundo começa pelo reconhecimento de que a nossa riqueza provém da nossa disponibilidade para efectuarmos trocas culturais com os outros. Essa magia de trocarmos cultura e produzirmos mestiçagens. Nasce da capacidade de sermos nós, sendo outros. Como escreve um dos grandes escritores contemporâneos de língua portuguesa, o escritor moçambicano Mia Couto, “a grande possibilidade de sermos felizes é poder construir e reconstruir identidades múltiplas ao longo da nossa vida”.
Promover o diálogo entre as culturas da Europa e as outras culturas do mundo e, nesse espírito, valorizar a abertura e a compreensão dos outros, são universais de cultura que não são novos mas que nunca foi tão necessário proclamar.
As duas Capitais percorrem caminhos diferentes, bem se vê, com diferentes agendas programáticas, diferentes estratégias de envolvimento das populações e de atracção de públicos, mas as afinidades quanto às temáticas centrais são evidentes e constituintes dos próprios conceitos.
Seria impensável ignorar as sinergias, as pontes, as articulações e complementaridades e não se gerasse um vai e vem contínuo que partilhasse públicos e iniciativas em que a reflexão, o debate, as boas práticas e a festa pudessem ser contagiantes.
Por isso seria criminoso, por pedantismo centralista ou miopia bairrista, que se desvalorizasse o significado e a oportunidade que se oferece a um território tão rico em ressonâncias da cultura portuguesa que também tem a Marca de Património Europeu (Sé de Braga) e a classificação como Património da Humanidade (Centro Histórico de Guimarães).
“Animados por um imperativo de mudança e qualificação que exige cidadãos competentes, preparados, educados, criativos, qualificados, inovadores, numa cidade que se pretende espaço de convergência, de oportunidades, de vitalidade, desenvolvimento de aprendizagem de sentimentos de identidade e de pertença.” (Guimarães CEC)
“Uma praça pública “Youth Think Tank” dedicada à discussão de temas como a participação e cidadania, criatividade, cultura e inovação, juventude e o mundo, emprego e empreendedorismo, ambiente e desenvolvimento sustentável, igualdade e inclusão social, saúde e bem-estar” (Braga CEJ)
O país deve dar atenção a estes dois acontecimentos e aproveitá-los na sua capacidade de amplificação para fazer ouvir I have a dream, Europa.
A Europa ou é um projecto de povos com as suas idiossincrasias e patrimónios que reflectem o seu percurso histórico e a enriquecem ou não será.

domingo, 29 de janeiro de 2012

DEUTSCHLAND

Li neste fim de semana uma notícia segundo a qual, apenas 67 anos passados sobre o 27 de Janeiro de 1945 (data da libertação do campo de concentração nazi de Auschwitz pelas tropas russas), uma sondagem publicada pela revista “Stern” indica que 21% (mais de um em cada cinco) dos jovens alemães entre 18 e 29 anos desconhece o significado exterminador de Auschwitz (10% para o conjunto da população). E que quase dois terços do povo germânico considera não ter responsabilidade particular em relação a outros povos pelos crimes nazis. Dados a que o presidente do “Bundestag” somou os resultantes de um estudo independente sublinhando que 20% da população revela um “antissemitismo latente”.

Confrontado com este panorama, veio-me à cabeça a ideia de sugerir aos nossos parceiros e amigos alemães que, em lugar de polemizarem cinicamente sobre “o livro ilegível” (“Mein Kampf”, 1924) e a (não) exigência de que ele caia no domínio público (2015), promoverem a divulgação e leitura de uma obra que seguramente não deixará de os ajudar a contextualizar. Trata-se de “As Benevolentes”, um perturbador e magnífico romance épico do norte-americano Jonathan Littell e que, embora inicialmente escrito em francês (Prémio Goncourt 2006), está disponível em tradução para a língua nativa de Merkel.

Não será, a meu ver, muito relevante discutir a justeza da aproximação que alguns fizeram a este livro como o “Guerra e Paz” deste século (ou do século XX se nos reportarmos ao tempo histórico de uma narrativa que coincide com a segunda guerra mundial) mas antes, e sobretudo, sublinhar a sua força intrínseca – tortura e barbárie, miséria e baixeza, desumanidade e horror, sexo e repulsa, erotismo e incesto, intimismo e desespero, descrição e culpa, crueza e confissão, em suma, uma reflexão quase “arendtiana” em torno do mal.

Tal surge desde logo claro no postulado de abertura de Maximilien Aue, o ex-oficial nazi que relata em jeito de memórias o seu testemunho e participação em execuções de judeus, organização de campos de concentração, batalhas na frente russa e vivências numa Berlim à beira da derrota: “Os que me leem nunca poderão dizer: Não matarei, é impossível; poderão dizer quando muito: Espero não matar.” Ou, de outro modo: “Penso que me é permitido concluir
como um facto estabelecido pela história moderna que toda a gente, ou quase, num conjunto de circunstâncias dadas, faz o que se lhe diz que faça: e, peço, desculpa, há poucas probabilidades de ser o leitor a exceção, tal como eu não a fui.”

Magistral e obrigatório!

COCKTAIL (ESTIMULANTE) DE FIM DE SEMANA



O post de hoje reflete sobre um conjunto de estímulos noticiosos que foram chegando ao longo do fim de semana, aparentemente sem uma coerência visível entre si, mas que podem ser lidos na perspetiva do fio condutor que tem atravessado este espaço de reflexão. Destaco alguns elementos dessa amálgama de estímulos noticiosos para que possa compreender-se a ambição de estabelecer um nexo entre eles: (i) Trapalhadas em torno da execução orçamental com alertas de derrapagem de despesa em alguns ministérios e indícios de sobreorçamentação de despesa em torno do colossal equívoco sobre o desvio colossal; (ii) incomodidade expressa por ramos da família social-democrata sobre o modo como está a ser aplicada a terapia de austeridade, focadas na personalidade de Vítor Gaspar; (iii) entrevista de João Lobo Antunes à SIC Notícias (Portugal 2012); (iv) entrevista de Manuel Sobrinho Simões ao Público de hoje; (v) entrevista de Maria Fátima Bonifácio a Anabela Ribeiro na Pública de hoje. Intrigante, não é?
Comecemos pelas primeiras fissuras, visíveis entenda-se, na família social-democrata quanto à (in) consistência e in (equidade) da estratégia orçamental em curso, leia-se da aplicação em concreto dos ditames do resgate financeiro.
Temos aqui falado de período de nojo relativamente à família socialista, sobretudo do ponto de vista do confronto e catarse com os desvarios da governação anterior, que a tem colocado em situação global de inação, salvo pequenos fogachos, embora erráticos e sem uma linha de rumo. Mas há também um período de nojo no interior da família social-democrata, o esperar para ver o que dá a atual tendência de governação, sobretudo do ponto de vista do seu embate com a dimensão corporativa dos interesses. E o que parece é que este período de nojo está também a chegar ao fim. É discutível se o que está a emergir resulta das figuras chegadas ao chamado cavaquismo, como a notícia do Público de hoje sugere. A eleição de Passos Coelho não apagou definitivamente a conflitualidade doutrinária no interior da família social-democrata. Tal qual num rescaldo de incêndio, as raízes das árvores ardidas permanecem durante algum tempo incandescentes, também aqui as diferenças não desapareceram. Até porque as tendências alternativas à atual governação, apesar de heterogéneas, acolhem gente de convicções, bem mais arreigadas a meu ver do que a vaga liberal que suporta a tendência no poder. Em mandato não renovável, o que é que moverá Cavaco Silva a interferir nas bases doutrinárias a não ser pela defesa de convicções doutrinárias, que poderíamos situar numa social-democracia económica.
É neste limbo de expectativas que devemos situar a trapalhada da execução orçamental. O que parece cada vez mais evidente é que o Ministério das Finanças, apesar do seu alinhamento doutrinário, não controla, tal como o Ministro das Finanças anterior, a máquina da despesa. E isso deve-se a uma combinatória explosiva: debilidade dos sistemas de informação e reporte à gestão da execução orçamental e complexidade insondável introduzida pelo desvario do centralismo que se reproduz a si próprio. A meu ver, o Ministério das Finanças joga a sua última cartada na mobilização dos instrumentos de financiamento do QREN para introduzir alguma componente de apoio ao crescimento. Estou curioso para ver como funciona nesse contexto a articulação entre o MF e o da Economia. A consagração de uma task-force externa, com participação plena de personalidades fortemente articuladas com a Comissão Europeia inaugura uma prática totalmente nova de geração de credibilidade para se impor a todo o Executivo. Veremos o resultado e sobretudo o modo como o Ministério da Economia acolherá um processo do qual, tudo indica, está afastado.
No seio de toda esta trapalhada, as entrevistas de João Lobo Antunes (JLA) e de Manuel Sobrinho Simões (MSS) acabam por ser um bálsamo. Curiosamente, mas só na aparência, a palavra racionamento volta a ser proferida por ambos os entrevistados. Mas aqui há uma diferença abissal: uma coisa é o racionamento na saúde ser discutido e avaliado por personalidades com a dimensão humanista, profundamente ética e elevada consciência social como JLA e MSS; outra coisa radicalmente diferente é ele ser acionado por um burocrata de serviço ou por um qualquer apparatchik partidário que tem o seu momento de glória no poder dos cortes de despesa. Aliás, uma nova família de apparatchiks vai emergir: por via dos cortes de despesa e não pela bondade dos gastos. O plano das novas escolhas públicas que tanto tem marcado a minha reflexão neste blogue tem aqui uma clara explicitação. Os exemplos de racionamento mencionados pelos dois cientistas nas respetivas entrevistas são bem explícitos do peso da sua dimensão ética e humanista. Tenham em conta, só a título de exemplo, a resposta de MSS a uma pergunta do jornalista sobre a controversa afirmação na SIC de Manuela Ferreira Leite que invocou o pagamento da hemodiálise pelos doentes com mais de 70 anos: “É um disparate. Não existe em nenhuma parte do mundo. Vamos ter que decidir outras coisas, como por exemplo quando interrompemos tratamentos. A nossa civilização acha que a morte é opcional e não é. Se calhar é mesmo melhor morrer em paz, com a família, não podemos continuar a prolongar tratamentos indefinidamente, fica caríssimo”. Imaginem estes temas sem escrutínio democrático e ético nas mãos de apparatchicks partidários de última geração ou de gestores sem capacidade de diálogo com os médicos, defensores em última instância dos direitos dos doentes. Um terror potencial.
Na entrevista de JLA a António José Teixeira (SIC Notícias), há uma passagem deliciosa quando o cientista e neurocirurgião é interpelado sobre as divergências entre os economistas acerca da política de austeridade (mais propriamente na designação que este blogue lhe tem dado o mito da austeridade expansionista). Com o rigor que o caracteriza de não falar sobre mundos que não domina, JLA expressa porém a sua incomodidade de não compreender como é possível essa divergência em função de um tema concreto. O que está aqui em causa é que não estamos a falar de ciências similares, mas de campos muito diferentes de experimentação e prova. Mas certamente todos concordamos que submeter um significativo conjunto de grupos sociais a uma experiência laboratorial ao vivo sobre os pretensos benefícios da austeridade expansionista seria nas ciências da vida objeto de uma profunda rejeição. Ao que parece também nas dimensões éticas das duas ciências há profundas diferenças.
Finalmente, a entrevista de Maria de Fátima Bonifácio (MFB) a Anabela Mota Ribeiro constitui mais um precioso elemento documental de história portuguesa contemporânea. A entrevista reúne elementos de história de vida muito sugestivos para contextualizar a transferência de uma prática radical de esquerda a um individualismo não utópico como MFB se autointitula. É claro que uma centelha social permanece mas algo abatida: “Não gostaria de sair à rua, como já me aconteceu em Londres, nos princípios da senhora Thatcher e ver hordas de pessoas a dormir em cartões no meio da rua. Não pode haver fome, as pessoas têm de ter o mínimo de condições materiais de vida, um tecto”. Tudo indica que haverá matéria para se incomodar de novo. O desencanto de gente desta geração que navegou na extrema esquerda radical é algo que me intriga. E se associarmos a esta história de vida o casamento de MFB com João Martins Pereira então abre-se um novo documento de história contemporânea.



TRANSCENDÊNCIAS


Ao contrário dos chamados desportos coletivos, como o futebol que aqui foi falado na semana passada, há competições em que tudo parece resultar do talento e da capacidade física de um indivíduo. De entre os casos internacionalmente mais populares, recordo as 8 medalhas de ouro de Michael Phelps nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008 (suplantando as 7 de Mark Spitz em Munique 1972) ou o record mundial de 9,58 segundos estabelecido para os 100 metros planos pelo jamaicano Usain Bolt em 2009 (destronando os míticos 9,95 de Jim Hines em 1968 e 9,86 de Carl Lewis em 1991).

Também o ténis parece apontar neste mesmo sentido. E refiro-o porque assisti hoje, na “Eurosport”, a mais um momento histórico comparável aos acima citados: dois homens frente-a-frente num court de Melbourne, após duas semanas de disputas intensas, jogam uma final de 5h 53m, a mais longa de todos os tempos de um torneio do Grand Slam (ultrapassando as 4h 54m da final do US Open de 1988 em que o sueco Mats Wilander derrotara Ivan Lendl). O sérvio Novak Djokovic venceu o espanhol Rafael Nadal por 3-2, mas ambos (acima retratados por Junior Lopes em
http://www.toonpool.com/cartoons) repartiram entre si o protagonismo de um feito que qualquer deles sublinhou só ser viável pela conjunção de uma multiplicidade de razões, da organização ao público, do treinador aos fisioterapeutas, dos próximos à namorada. Afinal, as competências individuais como expressão de coletivos que as enquadram e fazem transcender…

sábado, 28 de janeiro de 2012

PAROLE, PAROLE

“A minha visão é a União política” é talvez a frase que mais marca (e surpreende) na entrevista de Angela Merkel (acima retratada por Sciammarella no “El País”) ao suplemento Europa, realizado em comum por seis jornais europeus (“Suddeutsche Zeitung”, “Le Monde”, “The Guardian”, “La Stampa”, “El País” e “Gazeta Wyborcza”). A chanceler alemã vai mesmo a algum detalhe de arquitetura institucional: “Ao longo de um longo processo, nós transferiremos mais competências para a Comissão, que funcionará então como um governo europeu para as competências europeias. Isso implica um parlamento forte. O Conselho que reúne os chefes de governo formará, por assim dizer, a segunda câmara. Para terminar, nós temos o Tribunal Europeu de Justiça como tribunal supremo. Essa poderia ser a configuração futura da União Política europeia, dentro de um certo tempo, como eu dizia, e após numerosas etapas.”

A entrevista é notável ao conseguir a proeza de sugerir simultaneamente uma Merkel que arrisca uma ideia de futuro e uma Merkel que não deixa evidência de qualquer comprometimento efetivo de mudança. Sublinho este aspeto de uma entrevista claramente calculista e calculada: nada de reforço do papel do BCE, nada de “eurobonds”, nada de solidariedade ativa, pouco de FEEF, pouco de fundos estruturais, pouco de crescimento, muito de disciplina, muito de austeridade e contenção reformadora, muito de “chacun pour soi”.

Atentas as declarações, atitudes e ações dos últimos dois anos, entre gaffes e frases infelizes, hesitações e navegações à vista, teimosias e prepotências – e atento, ainda, o exemplo potencialmente prenunciador de Sarkozy –, tendo a acreditar que Merkel mudou de assessoria de imprensa. E nada me leva a alterar a versão, simultaneamente estratégica (para uns) e estreita (para outros), de uma “Europa alemã” (post de 14 de Outubro de 2011)…

GUIMARÃES MARCA PONTOS


A aposta cosmopolita da Capital Europeia em Guimarães começa a dar frutos. O Wall Street Journal, sim esse que nos anda a agourar com a probabilidade de um segundo resgate financeiro, dedica à sessão inaugural um descontraído artigo, muito sensorial e coloca a cidade decididamente na rota dos “short-breaks” marcados pela procura de ambiência e atmosferas distendidas, genuínas. Até da Pastelaria Clarinha, da Casa Costinhas e de papas de sarrabulho se fala, o que vai no sentido da componente sensorial que nos diferencia.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

RESTA-NOS QUE AS APARÊNCIAS ILUDAM…

Rumores crescentes sobre a necessidade de um segundo resgate, coberturas do risco de incumprimento da dívida (CDS’s) a refletirem uma probabilidade de “default” próxima de 70%, agravamento dos juros da dívida pública com ultrapassagem de novos máximos históricos (valores de negociação próximos dos exigidos à Grécia há meio ano, i.e., quase 20 e 15% para 5 e 10 anos), Carlos Moedas a publicar hoje um artigo de opinião no mesmo “Wall Street Journal” que esta semana escrevera que Portugal dificilmente regressará aos mercados no prazo previsto e que será assim obrigado a pedir um reforço do programa de assistência internacional. Eis onde estamos, por estes dias.

Com efeito, mesmo sabendo-se que a economia portuguesa possui melhores “fundamentais” do que a grega e está numa posição significativamente diferente em relação aos mercados, a maioria dos analistas apontam o dedo às “desanimadoras” perspetivas de crescimento (o ING, p. e., antevê uma recessão de 3,2% em 2012 e uma situação inalterada no ano seguinte) como fazendo perigar a meta de redução do défice e tendendo a colocar Portugal “looking more and more like it will follow Greece” e “running out of time”, ou seja, perante o fantasma de um perdão da dívida.

Sublinhe-se ainda que, com toda a sua auréola, o “Financial Times” veio também “ajudar à missa” sob o sugestivo título “Lisbon next?”, chamando a atenção para o dado acima de que “o mercado de obrigações português foi o único da periferia da Zona Euro que não conseguiu recuperar desde que o Banco Central Europeu anunciou a 8 de Dezembro uma oferta de empréstimos a três anos aos bancos da Zona Euro, movimento que afastou uma crise de contração de crédito”.

E o artigo em causa (http://www.ft.com/intl/cms/s/0/49916f7a-468a-11e1-89a8 00144feabdc0.html#axzz1kfbD02sx) termina com um aviso: “Portugal é um ‘diddy, diddy country’, mas estes pequenos países podem causar contágio e aumentar o risco de ‘default’ de economias maiores. Em tal cenário, as inquietações quanto à rutura do Euro regressarão rapidamente a primeiro plano.” A oeste nada de novo?

“AUSTERIDAD”?

Sigo o António Figueiredo deixando mais dois gráficos - retirados de um muito recente Relatório do McKinsey Global Institute “Debt and deleveraging: Uneven progress on the path to growth” (http://www.mckinsey.com/Insights/MGI/Research/Financial_Markets/Uneven_progress_on_the_path_to_growth), - que dão que pensar e novamente interrogam o “austeritarismo” (clicar sobre eles para melhor leitura). No caso, e com recurso à situação espanhola, uma nova forma de evidenciar a proeminência assumida pela dívida privada (versus pública) até ao advento da crise de 2008. Suspeito que o caso português não andou longe…

MAIS EVIDÊNCIAS DO MITO DA AUSTERIDADE EXPANSIONISTA


O National Institut of Economic and Social Research (NIESR) (UK) é um dos mais respeitados centros de investigação independentes em matéria económica, ocupando no Reino Unido uma posição similar à do National Bureau of Economic Research dos Estados Unidos. No registo de trazermos para este blogue elementos credíveis de investigação que nos permitam seguir as diferentes manifestações do já aqui mencionado mito da austeridade expansionista, vale a pena destacar a análise que o NIESR tem dedicado à atual recessão internacional. Fá-lo naturalmente seguindo a evolução da economia britânica.


O gráfico perturbador que o NIESR lança para o debate compara, a partir do início da recessão e para diferentes períodos, o número de meses que a economia demora a recuperar o nível mais alto de atividade que precedeu o referido início da recessão. Embora esta análise deva ser completada com números respeitantes à intensidade (e não duração) do processo recessivo (por exemplo, o custo social global do desemprego), o método utilizado e a sua visualização permitem uma primeira aproximação comparativa aos diferentes períodos recessivos considerados. Sobretudo, porque a análise não integra apenas as recessões mais modernas, isto é, em tempos de uma aparente maior capacidade de domesticação interna do ciclo económico, abrangendo também a Grande Depressão de 1920-30.
Vários economistas que têm seguido de perto esta questão, Bradford DeLong e P. Krugman, por exemplo, dedicaram esta semana reflexão à evidência de mais um gráfico que nos interpela. É que os números respeitantes à economia britânica anunciam que o número de meses de recuperação do nível de atividade imediatamente antes do início da recessão ultrapassou já o que podemos associar à Grande Depressão de 1929-30. Os 48 meses estão aí e a economia britânica está longe ainda de se aproximar do já mencionado pico anterior. Incisivo como sempre, Bradford DeLong avança que: “Em menos de um ano, se as previsões correntes estiverem corretas, a depressão Cameron-Osborne não será apenas a pior depressão na Grã-Bretanha desde a Grande Depressão, mas provavelmente a pior depressão de sempre”.
Esta evidência dá que pensar sobretudo porque o Reino Unido tem autonomia monetária e uma taxa de câmbio flexível. Não sofre por isso do síndroma da zona euro e disso tem feito um cavalo de batalha político, arriscando mesmo a sua marginalização face ao centro da decisão na União Europeia. A sua taxa nominal de juro a dez anos, apenas ligeiramente superior a 2%, apontaria para um aparente clima ideal para testar o já referido mito da austeridade expansionista. Como DeLong assinala, o investimento privado e as exportações deveriam, segundo o mito, produzir uma recuperação muito mais efetiva do ritmo de crescimento.
Porque será?
A opção seguida pelo governo de Cameron-Osborne de usar a banca como o grande mecanismo de injeção de liquidez na economia pode estar a revelar-se um flop e a não impactar a economia real.
Mas seguramente que a política de busca do crescimento por via da austeridade, glosando até à exaustão o velho argumento de que os recursos públicos tendem a destruir ou a inibir investimento privado (o chamado crowding-out) parece não estar, nem num ambiente aparentemente favorável, a produzir efeitos. A chamada austeridade parece não ser a chave da confiança que os mercados necessitam para que o investimento privado possa recuperar.
Duas hipóteses de explicação são possíveis:
•    A abordagem da austeridade está a prolongar uma grande recessão que poderia ter sido melhor controlada se melhor e mais cedo compreendida e que exigiria uma política económica de raiz contrária;
•    A economia mundial estará num momento de viragem do seu tempo longo e por isso tarda em encontrar o seu rumo de crescimento.
E podem não ser mutuamente exclusivas.

(UM POUCO) PERDIDOS NAS SUAS CONVICÇÕES


O Quadratura do Círculo é praticamente um dos únicos, senão o único, programa de debate político que vale a pena ouvir. Sobretudo pela sua honestidade e porque o debate se estabelece mais entre tipos e modelos de pensamento do que entre representantes partidários. Na verdade, a regra seguida pela maior parte dos programas deste tipo de recorrer ao critério da equidade política por quotas de representação partidária faz entrar nas nossas casas a estupidez, a imbecilidade, o vazio de pensamento, a flexibilidade de rins transformada em oratória fácil dos papagaios partidários e muito, mesmo muito lixo. Fazer de conta que essa cacofonia é debate político é um mau serviço à educação cívica, mas é o que temos.
No caso da Quadratura do Círculo, o debate existe porque estão bem definidos três corpos de pensamento, os conflitos de interesses são conhecidos e, apesar da sua filiação partidária, a sua não identificação plena com a lógica dos respetivos aparelhos assegura aos intervenientes não propriamente uma total liberdade de pensamento mas pelo menos um debate efetivo.
É por isso interessante seguir a evolução do debate em torno da situação atual da economia portuguesa e dos seus efeitos na performance do atual governo. O debate de ontem marca senão uma viragem na dinâmica do programa, pelo menos uma alteração qualitativa não despicienda de considerar neste espaço de reflexão. O que parece ressaltar do debate de ontem é a posição menos acossada e mais distendida de António Costa. Há que convir que o homem passou um mau bocado no rescaldo do desvario da governação Sócrates e só de facto muita habilidade lhe permitiu minorar os danos colaterais. Identificado mas non troppo com o último estádio da governação Sócrates e não propriamente um entusiasta do inseguro consolado de Seguro, António Costa tem centrado o seu posicionamento em torno da questão europeia e da inábil teimosia de Merkel e Sarkosy. E parece-me que não se tem dado mal.
Ontem, perante a eventualidade de um segundo resgate financeiro para a economia portuguesa, com ou sem novo programa de austeridade, já aqui abundantemente comentado na hora, o debate pôs a claro algum sabor amargo dos posicionamentos de José Pacheco Pereira e de Lobo Xavier. JPP, convergindo com a perceção do agravamento dos efeitos da terapia de austeridade mas não alinhado com abordagens alternativas da superação da crise, surge um pouco perdido nas suas convicções. O seu pessimismo realista, que o conduz a uma antecipação por uma década dos padrões de austeridade para a sociedade portuguesa, oculta a meu ver o desencanto de quem não vê solução no seu corpo de pensamento e alinhamento político. A sua total insensibilidade aos temas económicos, que o leva a limitar perigosamente referências, inibe-o de considerar outros cenários de intervenção. Os economistas costumam ser acusados de arrogância disciplinar. Neste caso, a arrogância disciplinar está do lado de JPP, pois a sua incapacidade de fertilizar cruzadamente o seu pensamento com o debate económico, afunila-o numa sem esperança que não é bom para a alma, dele entenda-se. LX, pelo contrário, mais dado a um piscar de olho ao debate económico, sobretudo pela sua inserção profissional, evidencia também uma forte incomodidade com a desastrada condução política da abordagem à crise europeia e com o seu bom senso está numa situação muito defensiva. Isso transparece por exemplo na sua confissão de que no plano conceptual a esquerda socialista tem hoje perspetivas para a crise que lhe soam mais consistentes do que a protagonizada pelos seus companheiros de opção ideológica. Tudo isto provoca que António Costa apareça menos acossado e provavelmente já liberto do período de nojo a que os resultados da governação Sócrates o conduziram.
E até do “truísmo” “ as causas externas atuam por via de causas internas”, proveniente da memória maoista de JPP, se falou. Pena foi que não se reconhecesse que outros cientistas políticos, bem mais relevantes que a vulgata maoista (dá que pensar como é que uma inteligência como a de JPP já andou por aquelas águas), trabalharam esse truismo em termos bem mais promissores. Por exemplo, Fernando Henrique Cardoso, na sua “análise concreta de situações concretas de dependência”, tem um contributo crucial para entender a interação entre causas externas e internas no contexto da dependência latino-americana.
E, para finalizar, no debate sobre a incapacidade interna da governação atual estimular o crescimento económico, a posição de LX segundo a qual a via mais relevante (política fiscal) está irremediavelmente condicionada pelas condições de resgate financeiro, soa a muito pouco. O problema é antes o de não haver uma política económica consequente e clara nos seus objetivos. Apostar todos os estímulos ao crescimento no cesto dos resultados da concertação social, sem Proença ou com o mesmo, parece muito débil. E o crédito interno? E, como António Costa bem o assinalou, onde está um programa consistente de apoio às exportações?
O problema continua a ser outro. A abordagem ao resgate financeiro com a qual implicitamente nos comprometemos baseia-se numa simples retórica do crescimento. Não tem implícita, por incompatibilidade de princípios, uma abordagem estrutural ao crescimento e isso projeta-se no próprio acordo de concertação social. Experimentem retirar as páginas de “wishful thinking” (blá-blá-blá) do acordo e vejam o que fica. Deprimente, não é?

É HOJE!



Hoje, pelas 18 horas, esteja atento: Jardim explica aos madeirenses (e, já agora, também aos “cubanos”) o resgate de 2 mil milhões que negociou com o Governo da República. Espera-se algo mais do que em Setembro, quando recusou o “buraco” (Rodrigo de Matos em http://aeiou.expresso.pt/a-jardimensao-da-divida=f676793), louvou a sua obra e dívida (Fernão Campos em http://ositiodosdesenhos.blogspot.com/search?q=Jardim) e disparou em várias direções (http://www.antoniojorgegoncalves.com/archives/2734). Sempre é de ação pública que se trata…

PODE ACONTECER

Rio de Janeiro, Avenida 13 de Maio, Centro. Um acidente absurdo, impressionante nas marcas de destruição deixadas e nas vidas perdidas. A ter sido um imponderável inexplicável, foi mais uma vez a pequenez humana a ficar à vista. A ter sido incúria ou erro humano, foram os interesses do indivíduo (o privado) a impor-se aos esforços do coletivo (o público).

Pessoalmente, vi-me a recordar aquele recente dia de Dezembro em que caminhei pelo coração do Rio, circulando entre os dois magníficos símbolos da “Belle Époque” carioca que são a Confeitaria Colombo e o Theatro Municipal. E a revisitar uma leitura recente (“Um quarto desconhecido”, do sul-africano Damon Galgut): “Não há tema nenhum, nenhuma moral a retirar, à exceção da ideia de que numa manhã de céu limpo podem cair relâmpagos, arrasando tudo aquilo que construimos, tudo aquilo com que contávamos, deixando atrás de si destroços e a ausência de sentido. Pode acontecer a qualquer pessoa, pode acontecer-nos a nós.”…

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

ALARGAMENTOS A LESTE

Há semanas que a austeridade e a corrupção estão sob o fogo de milhares de pessoas na Praça da Universidade em Bucareste e em outras praças de cidades romenas. Apenas novas manifestações de “indignados”? Talvez sim, se considerarmos a mescla de participantes e a diversidade de reivindicações – como referiu o sociólogo Mircea Kivu: “é, muito provavelmente, a manifestação menos homogénea a que alguma vez assisti na Roménia”. E, também, porque delas emergiu mais um herói acidental, no caso Raed Arafat, um palestiniano de Damasco que cursou Medicina em Bucareste, por lá fundou o Serviço Móvel de Urgência, Reanimação e Desencarceramento (SMURD) e foi em 2009 chamado a desempenhar o cargo de subsecretário de Estado da Saúde.
Os factos. Primeiro, cinco dias vertiginosos: a 12 de Janeiro, Raed criticava num programa televisivo a entrada de capital público em unidades de intervenção privadas e
privatização da saúde pública, o Presidente da República Traian Băsescu entra telefonicamente em direto e defende o projeto de reforma da Saúde, Raed demite-se de imediato e também em direto, despoletam-se protestos na rua, Băsescu pede a retirada do projeto e a volta de Raed, este aceita. Não obstante, o rastilho já estava aceso e os confrontos sucederam-se. Entretanto, e já esta semana, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Teodor Baconschi, é demitido por sms pelo primeiro-ministro Emil Boc quando participava, em Bruxelas, no Conselho de Ministros da UE; tinha escrito no seu blogue, a propósito dos manifestantes, serem “originários de bairros podres, pessoas violentas e estúpidas, semelhantes aos mineiros de outros tempos que apoiavam os herdeiros da Sécuritaté”!

Mas, peripécias à parte, o verdadeiramente significante está bem para além desta “espuma dos dias”. Refiro-me à evidência de um outro falhanço político e estratégico da construção europeia, aquela mesma que se proclamava desejavelmente calibrada entre processos de alargamento e de aprofundamento. É que, a somar a uma deficiente avaliação das condições concretas em presença e às consequências concorrenciais devastadoras internamente provocadas, os alargamentos da década passada – e, em especial, o último (Roménia e Bulgária) – autorizaram uma sua associação pelos cidadãos à esperança nascida em 1989 que assaca à Europa as culpas maiores por um desfazer de ilusões de progresso – “a Revolução nunca existiu” – que teria sido, afinal, perfeitamente antecipável.

Hoje, em face da conjuntura conturbada que atravessamos, o grave está na reincidência: veja-se o irresponsável patrocínio – tão bem ilustrado no “on en fera…” de Nicolas Vadot em “Le Vif/L’Express”, Bruxelas – do referendo que tornará a Croácia o 28º membro do “clube” em 2013; mesmo que, menos ingénuos, os croatas possam ter já tido o cuidado prévio de molhar os pés para sentirem a temperatura da água (como o sérvio Corax ilustrou em http://www.tportal.hr) e assim refrearem entusiasmos injustificados...

A MIOPIA DO MADRIDISMO


Ainda no registo do último post, dediquei alguns minutos a percorrer a imprensa espanhola para encontrar ecos do Barcelona-Real Madrid visto na perspetiva do confronto entre dois modelos de abordagem ao jogo – o da estratégia e o da intuição ao serviço da competência coletiva, afinal uma metáfora sobre os processos de planeamento.
Encontrei no El PAÍS um artigo à medida, “Mourinho sí escucha al madridismo”, sobre o qual posso construir uma tese simples: afinal não entenderam nada.
O artigo parte de uma das controversas afirmações de Mourinho a semana passada, quando ele responde a um jornalista dizendo que compreende o madridismo mas não o escuta. Sublinho um excerto, em tradução mais ou menos livre: “Só o interrutor de Mourinho nos últimos tempos fez com que o jogo parecesse extraordinário. Na realidade, com a história na mão, descontado este período, o Real foi o Real. Um conjunto valente, decidido, carregado de fé e talento, sempre com os olhos na frente. Sem amarras, com as linhas juntas e Pinto (guarda redes do Barça) no ponto de mira, a equipa de branco tomou o pulso ao seu adversário como nunca o havia feito”.
Repito, não compreenderam nada. O que teria acontecido então seria uma espécie de regresso a uma mística dos velhos tempos, ao velho Real, de ataque avassalador, um hino madrileno: “Mourinho não tomou nota até ontem à noite e a equipa perdeu demasiado tempo na busca de estratégias, dentro e fora do campo, impróprias do seu símbolo e da hierarquia da sua equipa”. Um confronto crucial entre um velho paradigma de abordagem ao jogo (o da mística, da memória, dos símbolos, da superioridade, muito típico de um centralismo como o de Madrid) e um novo paradigma, de estratégia, meticuloso, diria mesmo científico, da preparação exaustiva, que pode integrar a mística mas não é por ela dominado. Mourinho anuncia este novo paradigma. E o que é fascinante não é o confronto com a glória do madridismo. É, pelo contrário, o confronto com o modelo que o Barça representa, que é apaixonante e que terá seguramente cenas de próximos capítulos. E o velho madridismo continuará à margem do que está aqui realmente em jogo. Bastará isto para motivar José Mourinho?

ESTRATÉGIA VERSUS INTUIÇÃO: UM EMPATE 2-2


Ontem, enquanto concebia o post sobre os memos de Obama, fui ficando preso ao écran e ao ritmo avassalador do Barcelona-Real Madrid que, aparentemente, decidia a continuidade/eliminação na Taça do Rei, mas onde estava muito mais em jogo.
Porquê falar de futebol neste espaço? Que relação oculta haverá com o Interesse Privado, Ação Pública?
O assunto interessa-me sobretudo do ponto de vista da metáfora do confronto entre a estratégia (neste caso ofensiva) e a intuição ao serviço da competência coletiva. Como se situam os protagonistas nesta metáfora. O Real Madrid (pela cabeça de Mourinho) representa a estratégia. O Barcelona (pela cabeça de Guardiola) a intuição colocada ao serviço de uma competência coletiva.
Há aqui uma química estranha. Pela ordem natural das coisas deveria pender para o lado do Barcelona. Projeto de Região em oposição ao centralismo madrileno, agrada-me. Espontaneidade ao serviço de uma máquina de perfeição, seduz-me. Por que razão então a afetividade pendia para o Real Madrid? Pura reação de proteção e identificação lusa? Não. Porque face à situação criada (passivo desequilibrado de resultados face ao Barça) qualquer português entraria em campo atavicamente derrotado. Mas de facto Mourinho tem um outro código genético e não está aqui em causa a empatia ou a rejeição espontânea da sua arrogância. Concebeu e pôs em prática uma estratégia desta vez ofensiva, através sobretudo de um meio campo mais avançado, fluido e agressivo e com uma definição ao milímetro do posicionamento de cada um dos jogadores no terreno. Que espetáculo teria sido com um campo de visão de estádio e não de um écran de televisão!
Perdendo a eliminatória, o 2=2 está muito para além do resultado a curto prazo. A estratégia ofensiva pode conter a máquina servida pela intuição. É impressionante como o ódio visceral que o Nou Camp tem a Mourinho foi petrificado por uma segunda parte de grande personalidade do Real e como os rostos apanhados pelas câmaras traduziam a vulnerabilidade do Barça face à evolução das circunstâncias do jogo. E não vou falar de arbitragem …
Um verdadeiro manual de liderança e estratégia.
Como precisamos de posturas desta natureza para projetar algo de consistente para o nosso futuro coletivo!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

OBAMA NA NEW YORKER


A New Yorker é uma revista mal amada em Portugal, considerada por alguns snob, elitista, diletante, excessivamente nova iorquina. Espero vivamente que estes selos não se colem necessariamente aos seus assinantes, mesmo que à distância, porque sou um deles. Para mim é uma grande revista, de cultura marcadamente urbana e isso basta-me.
Mas também é uma revista crucial para compreender o debate político nos Estados Unidos e, no caso do tema que trago hoje para este blogue, um debate fundamental para compreender as alternativas de política económica de abordagem à crise e direi mesmo para mergulhar no insondável da intervenção política.
No número de 30.01.2012, vale a pena dedicar algum tempo de leitura e de estudo a uma das melhores peças de jornalismo político alguma vez escritas sobre o mandato do Presidente Obama. O jornalista é Ryan Lizza e a peça chama-se “The Obama Memos: The Making of a post-post-partisan Presidency”.
Destaco por hoje dois temas cruciais para o debate.
Lizza desmonta com uma inesgotável análise de memorandos trocados entre o corpo de assessores do Presidente e as notas escritas pelo punho deste último como a ideia de campanha de uma Presidência acima do confronto partidário Democratas versus Republicanos foi sendo sistemática e progressivamente posta em causa. A transformação operada na composição do sistema político americano e nas suas duas Câmaras, Congresso e Senado, evoluiu antes pelo contrário no sentido de uma radicalização do confronto: “A retórica de Obama sobre uma nação com objetivos e valores comuns já não se ajusta a este país – há uma América vermelha e uma América azul”. O radicalismo progressivo dos Republicanos suplanta a radicalização democrata e esse posicionamento acaba por polarizar a própria figura de Obama, conduzindo a um mandato mais tático do que galvanizador. Esta matéria merece alguma visita posterior e evidencia bem os limites da intervenção presidencial no contexto político americano.
O segundo tema prende-se com a política económica de abordagem à crise da economia americana. No artigo há material precioso que merece uma visita mais profunda. Disponibiliza, por exemplo, em documento autónomo, o célebre texto inicial de autoria de Larry Summers sobre a dimensão da crise sobre a qual a governação de Obama teria de produzir decisão. Há também elementos preciosos de história económica contemporânea sobre a luta surda que acabou por ser travada entre Christina Romer, Presidente do Conselho de Assessores Económicos e o próprio Summers sobre o montante do estímulo fiscal que deveria ter sido avançado, com vitória para este último que acabou por impor um estímulo de menor dimensão do que o sugerido por Christina Romer. Já neste período inicial se cavara o fosso entre os que cuidavam do estímulo fiscal e os que alertavam para a reduzida margem de manobra proporcionada pela acumulação do défice público, herdando Obama uma pesada herança do Governo Bush – guerras do Afeganistão e Iraque, resgate financeiro da banca e já na Presidência de Obama o salvamento da General Motors e da Chrysler. Hoje, com alguma distância, há elementos para afirmar que Obama subestimou a gravidade da recessão e tudo indica que Christina Romer tinha razão em propor um estímulo de maior dimensão. E a persistência de uma política de conciliação com um muro Republicano intransponível e radical até à medula acabou por ampliar essa incompreensão inicial da verdadeira dimensão do problema a resolver.
Independentemente de saber se estes aspetos custarão ou não a não reeleição de Obama, temos nesta peça jornalística elementos de história económica contemporânea de grande alcance para compreender a Grande Recessão de 2008-09 e as suas atuais sequelas. Para além disso, o sabor amargo de quem acreditou numa viragem da intervenção política vinda da América tem neste artigo abundante material para contextualizar a deceção ou pelo menos o arrefecimento de expectativas.

REGULADORES EM DISPUTA?

Durante o dia de hoje, foram várias as vezes que me cruzei com a imagem junta, a capa do Diário Económico afixada nas habituais montras ou entradas de quiosques. E um quê de mistério foi crescendo em mim: porquê este destaque de uma primeira página, e com fotografia e tal dimensão?

Fui ler o que estava dentro (
http://economico.sapo.pt/noticias/resultados-da-banca-dividem-cmvm-e-banco-de-portugal_136640.html) e confesso que nenhuma luz se me fez – tudo parecia limitar-se a uma mera diferença de perspetiva quanto ao calendário de apresentação dos resultados de 2011 por parte dos bancos: Carlos Costa (BdP) teria dado indicações à banca para que tivesse cuidado quanto ao momento de divulgação das contas; Carlos Tavares (CMVM) veio defender que “era melhor ter-se a informação completa, já com os planos [de recapitalização] aprovados" e, por não esperar uma aprovação dos planos de capitalização antes de Março, uma apresentação simultânea nessa altura; o BdP não concordaria com essa posição, visto considerar que estar a mexer novamente nas datas iria causar demasiada perturbação no mercado. Ressalvando a minha possível ignorância/desinformação, nada de essencial ou dramático estaria em causa, portanto…

Já "googlava" em torno de outros temas quando me salta aos olhos um “Subsídios. CMVM e Banco de Portugal em choque” deste mesmo dia (
http://www.ionline.pt/dinheiro/subsidios-cmvm-banco-portugal-choque). Fui ver e a dissonância em título perpassava também as palavras citadas: “Nós cumprimos a lei. Não vejo razões para haver exceções”, assim teria Carlos Tavares manifestado o seu desagrado por o Banco de Portugal ter decidido pagar os subsídios de férias e de Natal aos seus colaboradores; tendo ainda acrescentado: “É importante que se mantenha o princípio de equivalência dos reguladores. A supervisão comportamental não é menos importante que a prudencial”.

Estará então aqui a chave para o entendimento da intrigante “caixa”? A despeito do objetivamente declarado, não o tenho por adquirido. Desde logo, porque o assunto é pequeno e de um foro que o direito terá de resolver; mas, sobretudo, porque o ego que muito justamente ostentam “os Carlos”, na sequência de carreiras exemplares e tão frequentemente entrecruzadas, não iria ao ponto de os obnubilar quanto ao posicionamento público que se exigem.

Fiquei assim hesitante quanto à existência de fundamento para colocar este post. Mas, na dúvida entre ele não mais ser do que o fruto de um dia parco em notícias ou de um momento mau de editor e jornalista – o que apenas o tornará, sem mais consequências, uma espécie de lixo de amanhã – ou poder significar um sinal de alerta ou vir a beneficiar de novos contornos de inteligibilidade…

“BOYS” NA CAIXA

O administrador da Caixa Geral de Depósitos, Nuno Fernandes Thomaz, declara hoje em entrevista ao “Jornal de Negócios”: “Dá-me vontade de rir quando ouço falar de ‘boys’, sobre mim e sobre Nogueira Leite, e depois olho para os vários administradores que esta casa teve
no passado…”.

Injusto a muitos títulos, estou certo. Mas não ao ponto de fazer esquecer o “pecado original” que mais subjacente estará à insinuação feita. Aquele que deu lugar à carreira que o cartoonista António consagrou no Expresso (19 de Janeiro de 2008, http://aeiou.expresso.pt/triplo-salto-com-vara=f219867) sob a designação de “Triplo-Salto com Vara”. À atenção do PS…

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O RESPONSÁVEL

Andrés Rábago García é um cartoonista espanhol de que aprendi a gostar nas minhas passagens irregulares, mas frequentes, pelo excelente “El País”. Assina sob o pseudónimo “El Roto” e pontua a sua obra por uma simplicidade quase despojada, por uma calma quase desconcertante, por uma opacidade quase expressiva, por uma sátira quase austera, por um pessimismo quase esperançoso.

Em permanência, um diálogo entre o indivíduo e a sociedade ou, se nos ativermos a termos mais consonantes com os princípios norteadores deste espaço de reflexão, entre o privado e o público. Como quando ilustra que "si no se puede devaluar a la moneda, habrá que devaluar a la gente", que “me estoy buscando en Internet para saber quien soy”, que "nadie se hace responsable de lo que pasa”, que “me han dicho que si salimos de la miseria perderemos el atractivo turístico y volveremos a caer en la miseria” ou que "oscurece, por lo tanto amanecerá".

Acedi há dias, quase por acaso, ao seu último livro – “Viñetas para una crisis”, Mondadori, 2011 –, uma denúncia sugestiva e intensa do atual descalabro económico mundial e dos seus protagonistas. Aqui quero prestar homenagem ao seu labor e lucidez e recorro, para tal, a escolhas que circunscrevo a este seu inspirado mês de Janeiro, não sem confessar a minha predileção pela genial eloquência de “O Responsável”.