terça-feira, 31 de maio de 2016

À CHUVA ENTRE A FRANÇA DE HOLLANDE E O REAL DE ZIZOU


(Kak, http://www.lopinion.fr e Antoine Moreau-Dusault, http://lemonde.fr)


As notícias não cessavam de ser crescentemente dissuasoras (vejam-se, mais acima, excertos das duas capas do “Libération” de Quinta e Sexta) à medida que se ia aproximando a data aprazada para um fim de semana alargado em Paris visando a celebração do aniversário de uma amiga e uma simultânea oportunidade de passar uma tarde no “Grand Palais” vendo e sentindo Amadeo de Sousa-Cardoso. Afinal, as gasolineiras acabaram por ir sendo reabastecidas e as manifestações de rua por ir acalmando – isso sem prejuízo de Hollande, um taticista de competências políticas cada vez mais manifestamente duvidosas, estar em notória situação de isolamento social e em claro risco de vir a ser expulso da cena política nas próximas eleições – à medida que, naturalmente por mera coincidência, a chuva ia exibindo a sua extraordinária inclemência.

No meio disto tudo, a opção pelos interiores teve de se tornar dominante (obviamente com a visita a Amadeo no posto de comando). Mas ainda deu para o insólito de assistir às grandes penalidades da final da Champions em plena Saint-Germain, numa tela colocada num restaurante mesmo à beira do “sempre eterno triângulo” (Brasserie Lipp, Café de Fiore, Les Deux Magots – os três toldos da primeira imagem abaixo). Era um Real-Atlético e uma final inteiramente madrilena mas os media franceses, fieis a si próprios, valorizaram sobremaneira o facto de um francês assim ter conseguido ineditamente vencer a dita Liga como jogador e como treinador – sem qualquer culpa para Zinedine Zidane, que até tem mérito por isso, mérito esse que é contudo independente da sua abençoada nacionalidade. Por último, e confirmando que a sorte sorri frequentemente aos que se esforçam por ser os melhores, uma referência ao nosso Cristiano Ronaldo, que foi contemplado com o livre decisivo e a atribuição dos correspondentes louvores disseminados pelas televisões de todo o mundo.

Ah, e muito importante, está sol no Porto!



(Agustin Sciammarella, http://elpais.com)

(Omar Momani, http://www.goal.com)

O FMI RETRATA-SE?




(Já que estamos com a mão na massa do neoliberalismo, vale a pena percorrer algumas manifestações contraditórias que é possível encontrar entre o pensamento que se vai fazendo pela instituição FMI e o seu posicionamento efetivo na gestão da economia mundial)

O FMI está a transformar-se, de modo intrigante, numa das instituições mais contraditórias que exercem a sua influência sobre a gestão macroeconómica mundial.

Ainda muito recentemente o FMI protagonizou uma novela sobre mais um estádio da crise financeira grega que não se recomenda aos mais suscetíveis. De facto, o FMI aparece aos olhos de um observador inocente como a instituição de mente mais lúcida ao insistir na necessidade de um perdão de dívida à economia grega sob pena de não poder responsabilizar-se pela sustentabilidade da dita dívida. Ora, uma observação mais atenta e profunda do problema mostra que a magnitude da dívida grega ao FMI é bem mais pequena do que a que tem por credores instituições europeias, como o BCE e o Mecanismo de Estabilidade Europeia. Além disso, a dívida do FMI tem estatuto de dívida sénior, o que significa que tem de ser paga na sua totalidade e em primeira linha. Para além disso, as instituições europeias já concederam, à Grécia um corte de dívida e reduções com algum significado das taxas de juro envolvidas, o que tornou as taxas de juro a pagar ao FMI francamente mais elevadas. Resta dizer que, pelo menos, reconheceu publicamente os seus erros de estimação dos multiplicadores da despesa pública à luz dos quais mediu inicialmente o impacto recessivo dos programas de austeridade.

A posição do FMI é por isso nesta matéria suspeita e contraditória. Andrew Watt (ver link aqui), no Social Europe, sublinha curiosamente que o FMI parece querer o modelo de matar os pais e seguidamente solicitar apoios como órfão, ao passo que a posição das instituições europeias parece simultaneamente intransigente e leviana, mas menos contraditória do que a do FMI. Diria que a instituição se comporta ao estilo Lagarde e está tudo dito.

Mas as contradições têm emergido a um outro nível. Há de facto um fosso estranho entre algum pensamento que se vai construindo no interior e/ou com o apoio da instituição e as tomadas de posição da instituição sobre as matérias a que o referido pensamento poderia reportar-se. E é nesta matéria que continuaremos com a mão na massa do neoliberalismo objeto do meu último post.

Jonathan D. Ostry tem-se destacado entre as equipas de economistas e investigadores do FMI que estudam a alteração das relações observadas entre a desigualdade e o crescimento económico. Na edição de junho do Finance&Development, uma revista de divulgação para o grande público da investigação económica realizada pela instituição, Ostry e a sua equipa avançam com um título provocador, “Neoliberalism: Oversold?”, qualquer coisa como querendo dizer que o neoliberalismo poderá estar a ser vendido a preço de saldo.

Cito para marcar o tom do artigo duas chamadas que graficamente o artigo traz à atenção do leitor: 

  • 1ª chamada: “Em vez de proporcionar crescimento, algumas políticas neoliberais têm aumentado a desigualdade, penalizando por essa via uma expansão duradoura.”

  • 2º chamada: “Os governos com maior margem de manobra fiscal fariam melhor vivendo com a dívida”.

Já sabíamos que o FMI tinha mudado substancialmente a sua posição quanto a apregoar os benefícios da livre circulação de capitais, pelo menos em períodos de instabilidade financeira, já que ela tende a intensificar e a propagar essa mesma instabilidade. Mas se estas duas chamadas vierem a transformar-se em posicionamento institucional com impacto no financiamento internacional, então o caso muda de figura. Ambas as chamadas têm um interesse indireto para a economia portuguesa, na medida em que podem influenciar decisivamente a situação macroeconómica dos países que são o nosso mercado de exportação. A consideração do tema da desigualdade nos programas de ajustamento é crucial para controlar os danos colaterais de tais programas, que tendem a transformar-se em danos centrais e inibidores de resultados da própria estratégia de ajustamento. Por sua vez, a distinção entre economias com maior ou menor margem de manobra fiscal (Portugal é seguramente uma economia com muito fraca margem de manobra nessa matéria) é também crucial para um desanuviamento económico europeu, agora que a inflação da zona euro permanece encurralada em território negativo, não deixando que as nuvens da deflação se dissipem (veja-se o Financial Times on line de hoje).

Sabemos que o tempo que medeia nas instituições como o FMI entre o aparecimento de novas ideias, teoricamente fundamentadas e com evidência sólida de suporte, a transformar-se em posicionamentos da instituição pode equivaler a um processo muito longo, frequentemente sem resultados nessa matéria. É aliás um tema fascinante, frequentemente invocado neste blogue. Mas pelo menos é sinal de que a instituição não é monolítica nos seus programas de investigação. Já é alguma coisa e a blogosfera económica é hoje um palco de disseminação de ideias minoritárias que muda a raiz do problema e o campo possível para a sua superação.

DIA DA FEP E DE MIGUEL CADILHE



Passagem obrigatória, mas com o devido prazer, pela velha FEP (63 anos!) para a cerimónia comemorativa do respetivo dia. Marcando a diferença em relação a anos transatos, o Salão Nobre cedeu o lugar aos Passos Perdidos do primeiro andar e foi ali, entre vários amigos e ex-colegas (de facto, a dominante eram os cabelos brancos e os volumes generosos!), que Miguel Cadilhe recebeu o quinto “Prémio Carreira” entregue a um destacado antigo aluno da Instituição (antes já tivéramos Daniel Bessa, Rui Rio, Elisa Ferreira e Manuel Oliveira Marques). O método de escolha também mudou com a chegada à Direção de José Varejão e sua equipa, na medida em que a propositura de nomes é aberta a todos os “fepianos” mas a escolha final deixa de ficar submetida a uma votação aberta entre três designados que, sendo mais mediática e mobilizadora, tinha o seu lado negativo no desagradável facto de uma comunicação ao vivo da rejeição de duas personalidades (o que ocorreu com o próprio Miguel Cadilhe e Rui Rio em 2011, com Fernando Teixeira dos Santos e Ana Maria Fernandes em 2012, com Carlos Tavares e José Peneda em 2013 e com António Simões e José Roquette em 2014). Agora, é um júri de sete membros e largamente dependente do critério do Diretor quem faz a opção definitiva (júri este ano constituído, além das inerências dos presidentes do Conselho de Representantes e da Associação de Antigos Alunos, por Elisa Ferreira, Manuel Ferreira da Silva, Odete Patrício, Rui Lopes Ferreira e Sandra Santos).

Miguel Cadilhe é certamente uma das figuras mais notáveis e emblemáticas que passaram pela FEP. Dele fui sucessivamente aluno (por três vezes), subordinado (no Departamento de Estudos do BPA), consultor pontual, administrador executivo e administrador com reporte acionista à entidade a que presidia. Umas vezes por imaturidade minha, outras por teimosia dele e outras sabe-se lá porquê, nem sempre estivemos de acordo em tudo, mas tendo a considerar que o estivemos no essencial – porque, como o próprio no-lo recordou na palavra de seu pai “”a vida não é uma linha reta, é uma vida de retidão” – e hoje somos, sobretudo, amigos. Quanto à FEP, há muito que esta já lhe devia a reposição que esta homenagem de algum modo concretiza – penso, em especial, no modo indecente como alguns, então arvorados em donos da casa (e que por lá ainda se passeavam hoje, sorridentes e sem vergonha), trataram o seu possível regresso à mesma no início dos anos 90.

Quanto ao futuro desta iniciativa, gostaria que a mesma pudesse ainda vir a premiar alguma gente disso por demais merecedora. E que, de entre esses (e são muitos), pudesse conseguir distinguir simultaneamente carreiras indiscutíveis e dotadas de grande visibilidade pública (e lembro-me, assim de repente, de Carlos Costa) e carreiras menos visíveis mas não menos dignas de uma sinalização forte pela sua coerência e qualidade em termos académicos, letivos, profissionais e cívicos (e lembro-me, também assim de repente, do meu amigo e parceiro neste blogue, o António Manuel Figueiredo). À atenção de quem de direito...

SE MOROU, BOLÍVAR JÁ NÃO MORA ALI

(Matthew C. Klein, http://ftalphaville.ft.com)

Matthew C Klein publicou no “FTAlphaville” um gráfico estarrecedor mas completamente esclarecedor: o de uma comparação entre as exportações líquidas da Suíça para a Venezuela e uma medida dessas mesmas exportações líquidas excluindo o comércio de ouro. Explicando que a diferença observável indiciará certamente o esgotamento/liquidação em curso das reservas venezuelanas de ouro, seja por forma a conseguir amortizar dívidas externas contraídas quando o preço do petróleo estava muito alto ou a proteger a riqueza de apparatchiks preocupados com a perspectiva de um iminente colapso do Estado. Salvadoras habilidades de fim de linha!


Entretanto, a situação económica e social interna já atingiu limites impensáveis (parece que o salário médio, a taxas de câmbio de mercado, já é menos de metade do cubano!) e começa a revelar-se descontrolada e desesperada, tanto mais que o regime chavista (embora as loucuras de Maduro até já levem a duvidar dessa filiação – por muito mau que fosse o original, a cópia vem-se mostrando muitíssimo pior, quase absolutamente descaraterizadora) vai perdendo o apoio popular (vejam-se os gráficos acima) que o foi sustentando ao longo de anos. Na semana passada, realizou-se em Lisboa – à margem das reuniões das Comissões Permanentes da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana – uma conferência (“Falemos da Venezuela”) de que foi dada excelente cobertura pelo jornalista Nuno Escobar de Lima (“Sol” e “i”) – abaixo, dois excertos de uma entrevista que lhe foi concedida por Leopoldo López Gil (pai do líder oposicionista Leopoldo López, detido desde 2014 após condenação a 13 anos de prisão enquanto “culpado” pelas mortes provocadas pela repressão policial de manifestações de que fora convocante) e Mitzy Capriles (mulher de Antonio Ledezma, o autarca de Caracas detido em pleno exercício de funções).


Concluo juntando cinco vinhetas – a senhora da primeira é a primeira dama Cilia Flores, a conhecida Tía Cilia de quem se diz ser o verdadeiro poder por trás do ocupante formal e seu marido – que caricaturam com graça uma situação que dela por demais carece.

(Jorge Restrepo, http://elpais.com)

(Jeremy Banks, “Banx”, http://www.ft.com)

(Robert Weil, http://www.larazon.net)

(José Manuel Puebla – “Tú cara me suena, Nerón”, http://www.abc.es)

(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)