(in Brad DeLong)
(A costumeira bonomia de algum comentário político em Portugal fê-lo acreditar que Trump 2.0 seria mais robusto após a desventurada experiência do Trump 1.0. Fartei-me de ouvir coisas do tipo que desta vez tudo iria ser diferente, pois, embora errática e descuidada, a aprendizagem do primeiro mandato seria tão relevante e vinculativa que seriam de esperar intervenções mais consequentes. Creio que a bonomia dos que pensaram assim cedo começou a transformar-se em suspeição de que o Trump 2.0 seria ainda mais desestruturado do que o Trump 1.0, sobretudo a partir do momento em que a composição da administração Trump começou a clarificar-se. Hoje o número daqueles que vê na administração Trump uma alcova de instintos desordenados cresce a olhos vistos e no meio de tanta incompetência há quem faça as suas apostas de seguir com mais atenção os que podem ser considerados os menos maus de toda aquela tralha. Um dos nomes que tem estado em observação é o do Secretário do Tesouro, uma espécie de ministro das Finanças lá do sítio, Scott Bessent de sua graça. Pelo que tenho lido, Bessent destacou-se nos últimos dias pelo seu esforço de transmitir a Trump a ideia de que os EUA corriam o risco de entrar em colapso financeiro, sobretudo pela perigosa associação que os investidores começaram a elaborar entre a desmiolada política aduaneira e os sinais de que o dólar estaria a perder o seu estatuto de moeda de refúgio. Conheceram-se pormenores deliciosos de, segundo o modelo de uma verdadeira alcova de instintos desencontrados, Bessent aproveitar momentos em que Pete Navarro, o influenciador-mor da política aduaneira, estaria ausente para convencer Trump dos riscos que estava a correr. Imagina-se que nessa alcova de surpresas tudo dependa dos instintos momentâneos de Trump, não sendo impossível que um novo encontro com Navarro reponha as coisas no seu curso anterior.)
Um excelente indicador do atribulado choque de influências que se movimentam nos corredores do poder na Casa Branca está na proposta enunciada por Bessent de ressuscitar a chamada Parceria para o Trans-Pacífico. Não sei se se recordam do alarido que esta iniciativa de Barack Obama suscitou na Europa. Na altura, essa iniciativa foi entendida como um sinal evidente de que a administração americana apontava decisivamente ao Pacífico, evidenciando o seu mais que provável desinteresse por puxar pelo Atlântico e pela relação entre os EUA, Canadá, Reino Unido e União Europeia. Obama deu os primeiros passos, mas quando em janeiro de 2017 Trump chegou ao poder a PTP foi pelos ares, desmantelada e substituída por uma não menos inconsequente tentativa de afrontamento da superioridade manufatureira da China.
Ora, na sua vã tentativa de encontrar algum racional na ofensiva aduaneira de Trump, o Secretário do Tesouro veio a terreiro com a pretensão de utilizar a arma dos direitos aduaneiros para renegociar a PTP, procurando forjar uma negociação conjunta contra o “inimigo” China. Imagina-se a dificuldade de, nas condições atuais de desconfiança na administração Trump, reunir nesse propósito países como o Japão, a Coreia do Sul, a Índia, o Vietname e o Cambodja. As contradições da administração Trump são imensas e acumulam-se de modo significativo. Por exemplo, o encerramento da Agência Americana para a Ajuda Internacional abrandou a presença americana em alguns destes países, caso do Cambodja, o que tendeu a facilitar a tomada de posições por parte da China. O desmantelamento de 2017 da PTP obviamente que representou o início da perda de confiança nos propósitos da administração americana e, em meu entender, o propósito de introduzir algum racional estratégico no que é a manta de retalhos da política aduaneira, por agora limitada ao efeito receita desses impostos e sem qualquer efeito consistente na ambicionada reindustrialização americana, é tarefa impossível. Paradoxalmente, o efeito mais consistente dessa errática política aduaneira é a emergência da perceção de que os EUA irão sofrer uma recessão autoinfligida, o que não lembraria ao diabo.
Não terá sido também por acaso que Bessent declarou há dias algo do tipo: “a política monetária é uma caixa de joias que tem de ser preservada”. Ou seja, o Secretário do Tesouro evidencia preocupação pelo ataque que Trump está a desferir sobre o Presidente do Banco Central americano, Jay Powell. Como eu previa, era tudo uma questão de tempo e as coisas estão a confirmar a minha previsão.
Adivinha-se o intenso e febril movimento de entradas e saídas na alcova dos instintos de Trump. Quem influenciará mais e sobre que matérias?
A bonomia do comentário político que acreditou que o Trump 2.0 seria mais robusto do que o Trump 1.0 deve estar chocada, o mundo também, mas o que é mais importante é que o mundo dos negócios começa também a pensar que já chega de brincar com o fogo.
A resistência que uma grande parte da sociedade americana está a demonstrar é um facto importante. O mesmo se diga em relação aos Democratas não adormecidos, como é o caso da dupla Bernie Sanders - Ocasio Cortez que se tem multiplicado em aparecimentos públicos por todo o país. Mas apesar dessa importância, continuo a achar que o travão principal aos desmandos poderá vir dos investidores que pensem que chega de brincadeiras.

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