segunda-feira, 5 de maio de 2025

CAVALOS DE TROIA E DIVERSIDADE EUROPEIA

 

                                                                (Zurich)

(O mini-tour que acabámos de fazer por terras da Alsácia, cruzando num ápice território alemão, francês e suíço, deu para algumas reflexões enquanto seguia na medida do possível do wifi gratuito e alguns, poucos, jornais internacionais (cheguei à conclusão que a nossa Tabacaria Gomes em Caminha é bem mais cosmopolita nesta matéria). As reflexões concentraram-se sobretudo na diversidade de Europas que é possível encontrar e na importância do projeto Europeu para acomodar essa diversidade, a qual é hoje impactada pelo fenómeno dos Cavalos de Troia da extrema-direita, com o novo dado que a Roménia nos proporciona, com o primeiro lanço das eleições presidenciais a colocar em primeiro lugar um candidato populista, seduzido pelas práticas de Orbán e companhia. A Alsácia é um desses casos flagrantes em que a afirmação identitária não se coaduna com os limites da nacionalidade administrativa, hoje francesa, com cerca de 1200 anos integrada no sacro Império Romano-Germânico, depois francesa pelo ditame de Luís XIV, depois alemã e finalmente francesa após a Segunda Guerra Mundial. O que é intrigante é que a afirmação dessa identidade de matriz essencialmente germânica, não vale a pela ignorar esse facto, se materializa hoje numa deriva de direita mais extrema do que moderada, contrariando fortemente a ideia de que o projeto europeu dos primórdios integra melhor essa diversidade do que essa deriva.)

Por ironia do destino, o guia que nos acompanhou em Estrasburgo e em Colmar foi um português de Coruche, ironicamente António e Figueiredo também, que reside há cerca de 56 anos na Alsácia, e que emigrou para aquelas terras com pais e irmão, até ter atingido uma carreira de professor universitário, contrariando o enquadramento vocacional do sistema que o orientava para o que chamamos hoje o ensino profissional. Embora com memórias de uma difícil integração e adaptação à cultura alsaciana, em toda a visita, o António-Guia deixou sempre transparecer a animosidade alsaciana contra a presença francesa. É curioso que um emigrante português e imigrante na Alsácia, que percorreu a pulso a sua plena integração, assuma hoje as cores da autonomia alsaciana e se pronuncie convictamente contra o centralismo francês e contra a elite parisiense.

Aliás, basta percorrermos com atenção as autoestradas da Região e entendermos que todas as designações de aldeias, vilas e cidades respiram alemão, o que se prolonga para os lados da Suiça alemã, numa Zurique requintada e encantadora, que num domingo chuvoso deixou água na boca para uma visita futura.

Temos por isso uma cultura e uma identidade alsaciana que, com a exceção do município de Estrasburgo, liderada por uma personalidade política dos Verdes que segundo creio já foi do Partido Socialista Francês, se entrega progressivamente nas mãos da direita não moderada e que, por essa via, caminha para uma invetiva à Europa. O paradoxo disto tudo é que essa identidade alsaciana estaria melhor preservada acomodada no projeto Europeu original de Schuman e outros, do que propriamente na ululante direita extremada.

A deriva que está instalada permite concluir que os distintos Cavalos de Troia instalados na União Europeia, e também no Reino Unido, onde os resultados das eleições mostram também um Nick Farage reforçado e ameaçando o insípido Starmer, são a pior manifestação possível das diversidades identitárias europeias.

Este tipo de preocupações atinge o rubro da contradição, quando nos apercebemos que a imperiosa necessidade de reforçar a defesa e segurança, com muita coisa à mistura,. mas seguramente também rearmamento pode acontecer, entre outras coisas, com uma Alemanha em que a extrema-direita pode chegar ao poder.

Poderemos carpir mágoas, dizendo que o projeto europeu original nunca foi tão necessário, como o único projeto pacífico de integração das diversidades identitárias. Mas não é para aí que estamos a caminhar.

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