quarta-feira, 14 de maio de 2025

UMA PEQUENA MARAVILHA!

Já várias vezes dei conta neste espaço da minha admiração por Julian Barnes (JB). Admiração pelo seu enorme engenho literário – adoro todos os livros que lhe conheço! – mas agora, após ter acedido aos cinco pequenos ensaios e palestras que acaba de juntar em “Changing my Mind” (traduzido por cá como “Mudar de Ideias”), também uma marcante e reconfortante consonância de ideias. Com efeito, JB elabora a partir de cinco temas (memórias, palavras, política, livros, idade e tempo) sobre as implicações da mudança de ideias e sobre as razões por que pensamos que mudámos – destaco as suas múltiplas e interessantes reflexões em torno das suas e nossas mudanças na linguagem, nas opções políticas, nos livros de vida, na internalização do tempo.

 

Não pretendo tirar ao leitor o gozo de contactar ele próprio com tais reflexões, sempre plenas de lucidez. Ainda assim, não resisto a ilustrar com algumas relativas à memória: (i) “Acabamos por perceber que a cada vez que a recordação é retirada do cacifo e exposta estamos a fazer-lhe uma alteração minúscula”; (ii) “É salutar descobrir, de tempos a tempos, como as recordações das outras pessoas são frequentemente bastante diferentes das nossas – não apenas de acontecimentos, mas daquilo que nós éramos na altura”; (iii) “Agora concordo com a noção de que a memória, a memória de uma única pessoa, sem corroboração e sem fundamentação através de outras provas, é um fraco guia para o passado”.

 

O capítulo respeitante à política – onde JB confessa já ter votado em seis opções políticas diferentes (ponto em que dele me afasto claramente, mas como não seria assim perante uma situação tão fechada como a portuguesa?), explicitando de modo alternativo a verdade de Willy Brandt (“alguém com as minhas crenças deu por si a mover-se maís para a esquerda, à medida que o centro se afastava dele”) – contém máximas tão deliciosas como a de que uma das funções dos políticos é desiludir-nos ou a de que “alguns de nós temos convicções fortes fracamente sustentadas, outros têm opiniões fracas fortemente sustentadas”, reage à declaração da senhora Thatcher segundo a qual “não é possível fazer os pobres mais ricos tornando os ricos mais pobres” com um pensamento que lhe parece óbvio (“bem, parece-me uma ótima ideia, porque se não há de experimentar?”) e avança com uma muito válida tentativa de referenciar os princípios fundamentais do que qualifica de RBB (República Benigna de Barnes), o que deixo à descoberta do leitor.

 

Só mais cinco breves notas, igualmente luminosas: (i) “se ler é um dos prazeres – e necessidades – da juventude, reler é um dos prazeres – e necessidades – da velhice”; (ii) “essencialmente, vivemos como amadores trôpegos num universo profissional em grande parte incompreensível”; (iii) “’já chegámos?’ fica como o clamor simbólico da infância”; (iv) “no que diz respeito ao envelhecimento, os genes revelam-se bem mais importantes do que o mérito”; (v) “a idade adulta não é tão sólida nem imperturbável como parecia vista de fora”. Ficam por referenciar outros pontos, como os daquelas páginas finais em que JB discorre sobre a ocorrência de “frequentes solavancos e mudanças de velocidade” e o aplica ao amor, à dor e à morte ou como a introspeção de JB à volta da interrogativa “em relação a que posso eu dizer, com um grau mínimo de certeza, que não mudei de opinião ao longo da vida adulta?” – nove são os tópicos que aqui elege e tenho de admitir quão dificilmente seria capaz de recusar a aposição da minha assinatura por debaixo.

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