sábado, 21 de junho de 2025

BARRY EICHENGREEN AVISA …

 

                                            (New York Times)

(A entrada em força de Trump no rodopio da instabilidade internacional tem-nos afastado do que está a acontecer a nível interno da sociedade e da economia norte-americana e talvez devamos prestar mais e melhor atenção a esse outro tipo de desenvolvimentos. É que continuamos a esquecer que qualquer perturbação séria no sistema económico e financeiro dos EUA terá obviamente consequências na economia mundial, seja diretamente, seja indiretamente através do que os bancos centrais de todo o mundo terão de assumir para ajustar o sistema financeiro a essa eventual perturbação. Despertei para esta ideia a partir da leitura de um artigo escrito pelo macroeconomista de Berkeley Barry Eichengreen na edição internacional do New York Times na edição desta última sexta-feira e publicado on line no dia 17 de junho. O meu respeito pela opinião de Eichengreen é conhecida, já que o considero a Voz mais autorizada na compreensão da história do sistema monetário e financeiro dos EUA e do dólar, a começar pela sua obra seminal sobre o privilégio do dólar ser moeda dominante a nível internacional. Hoje, já difícil de encontrar na sua versão original, “Exorbitant Privilege: The Rise and Fall of the Dollar and the Future of the International Monetary System” deve fazer parte, em meu entender, das leituras obrigatórias para compreender o sistema monetário internacional. Por isso, quando Eichengreen escreve alguma coisa sobre as ameaças que pesam sobre o sistema monetário internacional é das tais coisas que não podem ser colocadas na pilha de coisas a ler quando o tempo se proporcionar. É este o caso do artigo no NYT e relaciona-se com o que de potencialmente grave está para ser aprovado em matéria de criptomoedas.)

 


Nesta matéria já nada nos deve surpreender. Na transição da sua vitória na última eleição presidencial para a tomada de posse, as notícias revelaram que os Trump, com Melanie incluída, se envolveram lucrativamente com a constituição de um fundo de criptomoedas, anunciando entre outras coisas que a Presidência de Trump iria ser apenas uma outra plataforma para os seus negócios e essa coisa dos conflitos de interesses é coisa que não faz parte do léxico do novo Presidente. Aliás, face aos avanços do seu primeiro mandato nada nos deveria já espantar nestas matérias.

A matéria legislativa que está em discussão aponta para a possibilidade de ser concedida a possibilidade de muitas empresas americanas poderem emitir as suas próprias moedas (cripto), dispensando assim o recurso ao sistema bancário e à rede de cartões de crédito. Todas as análises sérias da crise financeira de 2007-2008 apontaram o dedo à chamada “banca sombra”, escapando à influência da regulação bancária e financeira e introduzindo, por essa via, uma dose gigantesca de instabilidade e descontrolo potencial. Na altura, os reguladores fizeram juras de que a banca sombra iria ser combatida e posta na ordem. Ora, a possibilidade da criação de criptomoedas por parte das empresas leva a ideia de banca sombra a um extremo então inimaginável.

Eichengreem mostra com rigor que, ao contrário da visão de futuro que a administração Trump anuncia com a liberalização da emissão de criptomeoeda, a economia americana viveu há 150 anos um ambiente dessa natureza , conhecido na história monetária americana por “Free Banking Era”, que o economista de Berkeley situa entre meados de 1830 e a Guerra Civil.

A designação com que a legislação em discussão é conhecida, The Genius Act, é assombrosa de simbolismo.

Tal como Eichengreen argumenta, a probabilidade dos balanços das empresas emissoras de criptomoedas serem conhecidos com rigor e transparência é duvidosa, disso dependendo a informação de quem compra a cripto saber ou não que a entidade emissora possui os ativos necessários para proteger o comprador. A crise da banca de Silicon Valley de 2023 mostrou com clareza que o ambiente digital em que vivemos acelera vertiginosamente as crises de pânico financeiro. O que significa que o cumprimento das condições que permitam considerar que um dólar cripto vale rigorosamente o que um dólar real vale estarão longe de estar cumpridas, o que numa economia obviamente mais interconectada do que no período da Free Banking Era cria as condições para a observação de tempestades perfeitas em termos de instabilização do sistema financeiro.

Regressando a reflexões de posts anteriores, mais uma vez se demonstra a contraditória relação da administração Trump com a liberalização absoluta e sem compromissos dos mercados. Se no plano da política comercial externa, a opção parece ser a do autoritarismo e ataque sistemático a esse princípio, a posição em relação às criptomoedas é de liberalização selvagem e, como é costume, sem qualquer integração dos ensinamentos da história.

E desta vez não é o modesto cronista a falar disso. É um economista de máxima reputação mundial a escrevê-lo com todas as letras. Se o Genius Act avançar, a estabilidade do sistema financeiro americano estará sentada em cima de um verdadeiro paiol.

O aviso de Eichengreen é claro e vem de quem sabe da matéria.

E quem avisa …

 

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