(Escreve quem sabe e o editor-chefe da Foreign Policy, Ravi Agarwal, não hesitou em escrever que o mais importante da cimeira da NATO em Haia não foi a patética glorificação de Trump, mas os temas que deliberadamente foram omitidos da discussão para não perturbar a bajulação perfeita do presidente norte-americano. Sobre a patética glorificação do imprevisível Trump, penso que qualquer cidadão europeu que preze a sua liberdade e tenha orgulho na construção europeia apesar dos seus sobressaltos e constantes interrogações sentir-se-á enxovalhado e envergonhado com a atuação do lambe-botas Mark Rutte, já amplamente zurzido pelo meu colega de blogue, que realizou as mais indecorosas piruetas para que o “papá” saísse de Haia encantado com os líderes europeus. Acossado por dentro e por fora, Pedro Sánchez foi a ovelha ranhosa, mas o furibundo “papá” já anunciou com estrondo que fará a Espanha pagar o dobro, com a chantagem de o conseguir em ardilosas e agressivas negociações comerciais. Mas temos de convir que quem tem de conduzir a vida política em Espanha sem orçamento e equilibrar o poder dos seus mais indecorosos “amigos” parlamentares e do sonso Feijoo, que continua com a impetuosa Ayuso à perna, o homem não tem pedalada para a dita cuja, achará que responder a Trump é tarefa menos exigente. Mas a foto de conjunto lá foi tirada, sem azedar o mau humor do “papá” e a presença da bela rainha holandesa deu o toque de requinte que a cerimónia exigia. Sobre o que se evitou discutir, depois se verá, embora entre essas matérias estejam dimensões que podem obviamente comprometer a longo prazo o aparente sucesso da cimeira.)
Como é óbvio ninguém questionou a autoelogiosa interpretação do golpe americano sobre o Irão, sobretudo no contexto em que Trump não se inibiu de contradizer em absoluto o pensamento dos seus serviços secretos, afirmando que destruiu o poder nuclear iraniano, quando estes últimos o contrariaram afirmando que o projeto iraniano fora apenas adiado por alguns meses. Mas a encenação do cessar-fogo e os ralhetes dirigidos a Israel e ao Irão faziam parte da encenação da chegada a Haia e, por isso, ninguém ousou beliscar o bom humor do papá. Claro que a dimensão da Espanha incomoda, mas o que é isso perante o tom reverencial que os membros europeus da NATO manifestaram em Haia.
Ninguém seguramente discutiu como é que a NATO poderá vincular os seus membros aos compromissos percentuais de investimento na defesa e muito menos se o esforço a realizar mobilizará essencialmente recursos e conhecimento europeus ou se, pelo contrário, tudo será transformado em compras de armamento e inteligência aos EUA. O que interessava essencialmente à cimeira era demover Trump das suas derivas de interpretação do artigo 5º e impedir que ele se afastasse do compromisso de participar na defesa da Europa. E muito menos ninguém ousou levantar o problema de saber estrategicamente qual é a ameaça para a qual se reforça a defesa europeia (ver post anterior sobre a quadratura do círculo que a NATO enfrenta).
E o pobre e acossado Zelensky ficou mais uma vez consciente do buraco em que está metido, pois o “papá” também não quis discutir o apoio à Ucrânia, já que tem de resolver algumas coisas com o seu amigo Putin, antes de se comprometer com qualquer coisa.
Em meu entender, Haia não foi palco de uma cimeira político-militar. Foi antes o local em que se realizou um ambicioso festival de magia, conduzindo a compromissos como se nada tivesse acontecido em matéria de principal parceiro da organização que o promoveu. É obra. Se é obra sólida e com alicerces acima de qualquer suspeita, duvido e muito. Claro que a interpretação de alguns países aponta para resultados mais amplos. A Polónia, por exemplo, clama que Putin estará espantado com o gigante adormecido que fez despertar com a invasão da Ucrânia. Mas convém recordar que para a Polónia atingir os tais 5% é coisa de somenos, pois já estará lá perto.
Só o futuro dirá quem tem razão.

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