sexta-feira, 25 de abril de 2025

FRAGILIDADES DA RESISTÊNCIA UCRANIANA

 

Euronews

(A sexta-feira é o meu dia auto-consentido de pausa no trabalho, o qual coincidindo com o feriado de 25 de abril constitui uma partida do calendário, desperdiçando um dia de folga. Ainda assim, exploro o refúgio de Seixas para recuperar forças não propriamente de trabalho forçado, mas antes de uma pressão estranha que os acontecimentos internacionais centrados no bullying de Trump à situação ucraniana me provocam, incómodos sobretudo porque destapam a fragilidade europeia para responder a esta situação de apadrinhamento americano das ambições imperiais de Putin. A personalidade de poder absoluto que Putin encarna seduz o pequeno tirano Trump, também ele aspirando a eliminar quaisquer constrangimentos ao exercício da sua errática vontade. É difícil à distância a que estamos compreender se a Ucrânia de Zelensky caminha para a derrota total e para a inevitável cedência de território, esteja ela centrada na Crimeia transferida por Nikita Khrushchov para a então República soviética Ucrânia em 1954, seja nos territórios hoje ocupados pela Federação Russa na sequência da invasão de 2022 e dos avanços conseguidos em plenos combates subsequentes. Sempre atenta a estes pormenores, Clara Ferreira Alves fez ontem referência no Eixo do Mal a uma peça do Economist que dá conta de outros desenvolvimentos que não apenas os do combate sem tréguas que estão a acontecer em diferentes pontos da ocupação russa. Estamos a falar de desenvolvimentos políticos através dos quais se percebe que a situação política interna a que Zelensky está exposto está longe de coincidir com a apreciação amplamente positiva que o Presidente ucraniano suscita sobretudo na Europa.)

Quando um país sofre uma invasão e ocupação subsequente como aquela a que a Ucrânia está a ser submetida e é nesse sentido conduzida a um esforço de guerra de grandes proporções, imaginar que se abriria um caminho sem constrangimentos de qualquer espécie à consolidação da democracia transporta-nos para uma situação de insuportável ingenuidade. Em primeiro lugar, quando se dá a invasão, a Ucrânia atravessa uma transição política de grande intensidade após os acontecimentos de 2014 que marcaram a rotura com a influência russa no país. A sociedade ucraniana estava então longe de poder ser considerada uma democracia consolidada ou sequer em fase adiantada de consolidação. O artigo do Economist sublinha com acerto que “a democracia ucraniana nunca se baseou no respeito pela lei (Estado de Direito). O seu pluralismo interno era gerado pela diversidade das suas regiões, os interesses conflituais dos seus grupos de poder e por uma sociedade civil bastante ativa que se baseava no apoio das embaixadas ocidentais e nos media. Todas esses contrapesos estão enfraquecidos ou a desaparecer”.

A concentração de poder que está a acontecer em torno de um grupo restrito de gente de confiança de Zelensky é típica de situações comuns aquela que a nação ucraniana está a atravessar. Não se trata, de facto, de suspender uma democracia consolidada devido à guerra da ocupação e da resistência. Trata-se antes de interromper o tal pluralismo interno de que fala o artigo do Economist, de modo a evitar toda a fissura possível nos processos de tomada de decisão, eles próprios concentrados num único objetivo – o de resistir à invasão e gerar uma situação que ofereça alguma margem de manobra às negociações de paz que vierem a acontecer, por mais desiguais e injustas elas possam ser. A monopolização do poder em torno do círculo restrito de Zelensky é assim uma espécie de crónica anunciada numa sociedade cuja progressão para a democracia está mais ao nível das aspirações do que propriamente ao nível das diferentes expressões do Estado de Direito.

O artigo documenta vários afastamentos e interdições de personalidades que em tempos de estabilidade e não de ocupação seriam adversários políticos de Zelensky. São estes processos de concentração do poder que Trump tem tipificado como exemplos de comportamentos ditatoriais (olha quem fala!).

Não me espantaria de todo que, na sequência dessa monopolização de poder que tanto pode ser gerada por circunstâncias ligadas à situação de guerra como pela vontade de afastar adversários incómodos, os EUA acenassem com a saída de cena de Zelensky como uma das condições para o estabelecimento de tréguas por mais precárias que elas possam ser. Essa exigência entendo-a não como algo de natural, mas antes como algo de premeditado para forçar a Ucrânia à cedência de território. Entre os adversários de Zelensky haverá sempre alguém com flexibilidade de rins para aderir a negociações que não considerem a cedência de partes do território ocupado como constrangimento dos acordos possíveis.

Curiosamente, o artigo do Economist sublinha a relevância de uma das manifestações do pluralismo interno ucraniano a que anteriormente me referi. Trata-se do êxito da indústria de guerra ucraniana que tem conseguido avançar na produção autónoma de drones e outros artefactos de guerra, cuja aplicação non teatro de operações tem sido responsável por uma grande percentagem dos danos infligidos às forças russas.

Talvez esteja a sucumbir a um pessimismo determinado pela impotência europeia em fazer-se representar nas negociações de paz. Mas podemos ter um cenário em que a grande força de união e liderança que Zelensky representou, apesar da monopolização de poder que protagonizou, seja afastada do processo. Seria uma injustiça cruel com que a história presentearia o líder ucraniano. E pergunto-me que raio de posição vão os Europeus assumir no eventual desenvolvimento desse processo.

Sem comentários:

Enviar um comentário