sábado, 19 de abril de 2025

O QUE AS ESTATÍSTICAS DIZEM

(Bernardo Erlich, https://bernardoerlich.com) 

Em 2024, e apenas no tocante a bens, Portugal exportou para os EUA um montante de 5,3 mil milhões de euros, correspondendo a 6,7% do total das exportações nacionais – um valor relevante que faz daquele país situado do outro lado do Atlântico o nosso 4º maior cliente comercial, atrás dos três países europeus que concentram mais de 50% das nossas vendas de mercadorias (Espanha, Alemanha e França); e um valor cuja relevância justifica alguma atenção mais detalhada aos produtos que podem ser mais afetados pela errática e inconcebível política de tarifas anunciada por Donald Trump e, entretanto, por ele colocada sob moratória para eventual reanálise.

 

A um primeiro nível de desagregação da “Nomenclatura Combinada” (19 categorias de produtos, gráfico abaixo), ressalta o facto de três grandes grupos de produtos representarem mais de 55% do total exportado para aquele destino americano: indústrias químicas (24,9%), produtos minerais (20,4%) e máquinas, aparelhos e material elétrico (10%). Combinando esta primeira indicação com o cálculo de um indicador dissimétrico de exportações, ou seja, com a relação entre aquela estrutura e a estrutura do comércio com destino ao mundo como um todo, podemos ainda concluir que o mercado americano tem especial importância para Portugal no tocante aos dois primeiros daqueles grandes grupos de produtos e também, embora em menor expressão, à madeira, cortiça e suas obras, plástico e borracha e têxteis (além do caso especial, pela sua menor significância em valor, das armas e munições). Cruzando estes dados entre si, podemos então concluir que, se continuarmos a não valorizar o peso do mercado americano (71%) na categoria de armas e munições por razões decorrentes da sua limitada expressão (85 milhões de euros), os riscos daquele mercado impendem em maior medida sobre três tipologias de produtos: as indústrias químicas (onde o mercado americano representa 22,3% das exportações nacionais totais), os produtos minerais (idem, 16,6%) e a madeira, cortiça e suas obras (idem, 104%).

 

Descendo agora a um nível intermédio de desagregação, podemos constatar que a concentração acima mencionada se mantém, e até incrementa, por via de uma transferência de responsabilidades para as seguintes categorias de produtos: produtos farmacêuticos (22% do total exportado para os EUA) no interior das indústrias químicas; combustíveis e óleos minerais (20,3%) no interior dos produtos minerais; borracha e suas obras (6,9%) no interior de plástico e borracha; máquinas, aparelhos e materiais elétricos (5,7%) e reatores e instrumentos mecânicos (4,3%) no interior das máquinas, aparelhos e material elétrico; cortiça e suas obras (3,5%) no interior de madeira, cortiça e suas obras; obras de ferro fundido, ferro ou aço (3,4%) no interior de produtos metálicos. Ou seja, estas sete categorias de produtos (numa desagregação a 45) contam por quase dois terços das exportações portuguesas para os EUA e assim permitem um foco mais preciso no que poderá vir a estar em causa de modo mais saliente – neste quadro, parecem ser potencialmente mais gravosos os casos dos produtos farmacêuticos (em que os EUA representam 34,1% das exportações nacionais) e da borracha, combustíveis e cortiça (19,8%, 19,5% e 16,3%, respetivamente).

(Cálculos próprios a partir de https://www.ine.pt

Avancemos finalmente para um nível bastante superior de desagregação (327 categorias de produtos). Destaca-se aqui novamente uma situação concentracionária, com apenas 12 mercadorias a representarem 61,4% do total exportado (num valor total de cerca de 3,27 mil milhões de euros). Se, por um lado, se destacam os montantes expressivos evidenciados pelos óleos de petróleo e pelos medicamentos não acondicionados (equivalendo em conjunto a 37,1% do total das exportações portuguesas para os EUA), são também de assinalar, por outro lado, as situações de maior dependência comparada em relação ao mercado americano: além daqueles mesmos medicamentos (à cabeça com 48,2%), registam-se os aparelhos telefónicos (31,5%), as obras de cortiça natural, os pneus novos de borracha, os ditos óleos de petróleo e os serviços de mesa e artigos de uso doméstico ou higiene em cerâmica (todos acima dos 20% de representatividade do mercado americano) e as roupas de cama, mesa ou cozinha de qualquer matéria têxtil (19,6%).

 

O breve estudo que realizei é estritamente quantitativo/estatístico, e portanto necessariamente muito falível de um ponto de vista qualitativo que possa tomar em consideração todo um outro conjunto de informações, designadamente as que nos conduziriam a reajustamentos associados às dinâmicas provenientes da consideração de elementos empresariais pertinentes ou do jogo de diversas variáveis concorrenciais em presença. Mas essa seria toda uma outra análise, mais exigente e demorada, que certamente as instituições interessadas ou representativas dos seus interesses não deixarão de efetuar.


(Cálculos próprios a partir de https://www.ine.pt)

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