domingo, 20 de abril de 2025

REFLEXÃO PASCAL DE LIMITADA ESPERANÇA

 

Apetece-me hoje ir contra a corrente, embora não por uma qualquer mania das contradições mas apenas porque o conteúdo deste post me anda a encher a cabeça desde há um bom tempo. Serei breve, porém.

 

O meu ponto de partida é o de estarmos desde há demasiado tempo a viver as agruras de um país bloqueado que, por artes de Deus ou o Diabo, lá vai conseguindo fingir que existe enquanto tal. Pois que a verdade é que, desde os tempos em que nos impusemos desígnios europeus – primeiro o da adesão à então CEE, depois o do acesso e utilização dos fundos comunitários e por fim o da entrada no primeiro pelotão da moeda única –, nunca mais fomos capazes de procurar rumos e de encontrar maneiras coletivas que nos levassem a dinâmicas de crescimento e de consolidação e renovado impulso ao desenvolvimento. Ou seja, e independentemente das vicissitudes de cada período e dos desvios que neles também tivemos (o que por ora não vem especialmente ao caso), refiro-me ao Portugal na Europa que a visão de Soares nos fez densamente interiorizar desde finais da década de 70 do século passado – não obstante alguns acidentes de percurso como o da necessidade de recorrermos ao FMI e de assim arrepiarmos caminho no quadro de um bloco central financeiramente dirigido pela figura de Ernâni Lopes –, aos tempos da maioria absoluta cavaquista e ao correspondente salto na infraestruturação do país com o significativo apoio dos ditos fundos – apesar de algum criticismo justo se manifestar em relação a uma certa secundarização dos transacionáveis e a uma presença excessivamente seguidista e bem comportada no contexto europeu, a chamada pecha do “bom aluno” – e à mobilização social e política que o governo de António Guterres e Sousa Franco logrou consensualizar e estimular visando a nossa participação no Euro – a despeito de múltiplos aspetos negociais que poderiam ter sido mais bem acautelados, como os da cotação do escudo relativamente à nova moeda comum europeia. Em síntese, chegamos ao século XXI e não mais nos encontramos enquanto comunidade com foco e coletivamente atuante, seja porque economicamente se privilegiasse a inovação e a mudança, seja porque socialmente se favorecesse o combate aos atrasos ainda vigentes e o fortalecimento do Estado Social nas suas principais componentes, seja porque politicamente se alcançasse uma gestão pública e estratégica capaz de maioritariamente se impor no sentido de garantir doses essenciais e equilibradas de equidade e eficiência e de fomentar uma força transformadora junto da comunidade como um todo e de elites cada vez mais anémicas e desesperantemente indiferentes ou deslumbradas.

 

Centrando-nos no presente século, o qual tem sido constituído por um cúmulo de azares, maus jeitos e más escolhas desde que Guterres nos declarou em risco de pântano: veio Durão e a sua fuga para Bruxelas, seguiu-se a quase inofensiva inexistência de Santana, depois a promessa de um Sócrates maioritário e reformador que se tornaria no que sabemos, na sequência a soberba de um Passos que preferiu o poder à dignidade do país e se rendeu à Troika com alguns requintes de malvadez, assistimos em aparente contrabalanço à inexistência não inofensiva dos oito anos do Costa das “contas certas” como disfarce de um imobilismo com laivos de ignomínia e de uma escandalosa preocupação com as suas ambições pessoais que o fez desbaratar uma maioria absoluta num ano, chegou por fim a parolice convencida de um Montenegro amante de uma detenção de poder que nunca concebera possível e cujo exercício lhe foi estupidamente facilitado pela herança de Medina e o fez persuadir-se de que atingira um nível de tal ordem que nenhuma consultoria espinhense faria com que os portugueses o quisessem derrubar... E assim fomos reconduzidos às atuais eleições agendadas para 18 de maio, relativamente às quais a malta e as sondagens oscilam entre a ideia de que vai ficar tudo na mesma ou de que o vencedor poderá ser outro mas a essência da governação não sofrerá grandes alterações. E, a maior das realidades é que os programas apresentados pelos dois partidos que se situam na dianteira dificilmente permitem interpretações ou hipóteses diversas: o PS, conquanto ancorado no discurso alegadamente transformador da economia portuguesa com que Pedro Nuno chegou a secretário-geral (e que aqui louvei), exibe um vasto conjunto de linhas programáticas em que os anseios aspiracionais são tímidos e discretos e o empobrecimento é assumido como causa determinante a enfrentar, nada deixando assim percecionar quanto a prioridades associadas ao dito ímpeto transformador; o PSD, mais otimista porque assim tem de ser em função das preferências mais ou menos axiomáticas de que se quis munir (refiro-me, mais substantivamente, a uma relação unívoca entre baixar impostos e fazer crescer a economia), mostra-se simplesmente na disponibilidade de prosseguir a sua governação precedente sem lhe acrescentar quaisquer ideias arejadas que orientassem desejáveis horizontes novos e mutacionais. Talvez um dia destes possa voltar aqui a abordar os programas comparados dos dois maiores partidos, mas o que mais me importa neste momento é sublinhar que não há ali nada (ou haverá muito pouco, se não quisermos ser totalmente negativos) que nos faça acreditar em algo de diferente do que em mais uma legislatura de continuidade, pequena política, anomia e adormecimento.

 

Confrontado com este quadro, arrisco ir mais longe do que alguma vez explicitamente ousei: e porque não pensarmos que a solução para o Portugal de hoje, bloqueado e amorfo como ele está, poderá provir de algo em torno de um Bloco Central (prescindo de equacionar os detalhes da respetiva configuração, coligação negociada ou apoio parlamentar sério, de cavalheiros à antiga, e secundarizo o desajuste das lideranças, quiçá vencido por uma inesperada afirmação militante)? Tal solução é encarada como maldita pela maioria dos comentadores e políticos no ativo, seja porque daí viriam potencialmente menos razões de confusão e escândalo, seja porque alegadamente isso tenderia a favorecer os extremos (sobretudo o “Chega”), seja porque a distribuição de lugares se tornaria mais complexa e manos suscetível de amiguismos, seja porque existirão caminhos mais viáveis (que ninguém explicita devidamente por tão escondidos que estão!) numa primazia a conceder a um confronto entre esquerda e direita. Recorro à crónica de António Barreto (“Problemas complexos, soluções simples”), ontem publicada no “Público”, para sublinhar o enorme bom-senso que a enforma (que não necessariamente um acordo em relação a todas as suas afirmações), quer no tocante à confrontação de uma “má reputação do Bloco Central” quer quanto à existência de “regras tão simples que tanto podem ajudar a democracia”, ficando deste modo a torcer para que venha a ser mesmo crucial, como ele sugere, “a questão da coligação e do Bloco Central” – porque só assentando em maiorias sólidas e programaticamente competentes e consensualizadas que definam uma rota ampla, desempoeirada e desafiadoramente reformista sairemos da cepa torta!

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