(Em post anterior, alertei para a elevada probabilidade, que as evidências mais recentes estão a confirmar, de estarem a libertar-se forças demoníacas que ameaçam violentamente a democracia portuguesa, aliás numa réplica, estranhamente mais rápida do que o habitual, do que está em curso nos EUA e em toda a Europa. A história ensina-nos com rigor a explicar estas movimentações. Quando a direita populista, nacionalista e radical cresce, sufragada pelo voto popular, o ambiente de distensão que se cria para essas forças proporciona-lhes à vontade e ousadia para se manifestarem no espaço público com outra desenvoltura, atacando obviamente os símbolos do que pretendem destruir. Tudo se passa nessas cabeças como se o voto popular, proporcionando pela democracia que querem destruir, lhes concedesse carta de alforria para expressar a sua violência. O verdadeiro perigo desta deriva está na normalização desses comportamentos que autoridades democráticas fracas e propensas ao plano inclinado podem começar a praticar. O efeito dinâmico dessa falta de poder firme conduz rapidamente à generalização desses avanços e isso leva irreversivelmente a uma rápida degradação das condições de proteção e defesa dos alvos da direita radical e violenta. No espaço público e mediático mais recente, dois exemplos de normalização desse tipo emergiram com clareza que devem ser desmontados com rigor e combatidos com firmeza, pois nestas situações a ideia de compromisso pode ser letal para as instituições cuja preservação pretendemos defender.)
A primeira dessas normalizações protagonizou-a o sonso do Almirante que se projeta para a Presidência da República. Espectador direto da agressão verbal ao líder da comunidade muçulmana em Portugal, Gouveia e Melo saiu-se com a ideia de que o tempo é de união e não de desunião. Como se fosse possível a união pacífica com quem quer deliberadamente destruir as instituições democráticas e instalar a intolerância na sociedade portuguesa. Substituir a repressão firme e democrática, suportada pela lei, por discursos de união, idiotas de sentido e de implementação impraticável, diz bem do pensamento suspeito do Almirante e avisa-nos sobre quem as sondagens das presidenciais anunciam como possível vitorioso.
A outra normalização insuportável que se instala protagonizou-a o inefável e fininho Carlos Moedas, acompanhado de toda a imprensa de direita sempre disposta a desvalorizar o que de realmente de sinistro está a acontecer, com a malta do Observador à frente de todo o regimento. A normalização consiste numa equivalência destituída de qualquer sentido nos tempos atuais. Ao comportamento da extrema-direita radical contrapõe-se o da extrema-esquerda violenta, trazendo para o momento presente manifestações de uma história passada que manifestamente não se aplicam. Mas onde está esse raio de extrema-esquerda violenta? Esse deslocado recurso intertemporal à história não é mais do que uma forma de desvalorizar a emergência das tais forças demoníacas radicais, produto da incapacidade de compreenderem que tanto estão decididos a normalizar o crescimento da direita que estão prontos a desvalorizar a relevância das suas manifestações antidemocráticas mais violentas. Pacheco Pereira com a sua costumeira pontaria denuncia com vigor esta normalização na sua crónica de hoje no Público.
As normalizações em curso não são mais do que alívios artificiais das consciências dos que se recusam a ver o que está claro diante dos nossos olhos – a direita violenta sente-se hoje mais à vontade para testar as suas aproximações, atingindo os seus alvos de estimação. Normalizar invocando a violência da extrema-esquerda é no momento presente um contrassenso histórico, um lavar de mãos inconcebível.
O pior disto tudo é que desta normalização no espaço mediático a passar para uma normalização da justiça, que olhará com mão branda para estas violações dos mais elementares processos de tolerância cívica, é uma pequena distância.
Falar de união aos que querem destruir violentamente a democracia, capitalizando o momento eleitoral, não lembraria ao diabo. Mas esse é o pensamento do Almirante que quer ser Presidente.
Valha-nos qualquer coisa em que possamos confiar.

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