sábado, 28 de junho de 2025

REGRESSO ÀS QUESTÕES DE GOVERNAÇÃO INTERNA

 


(Depois de uma relativamente longa série de crónicas sobre a situação internacional, é tempo antes que a tradição da chamada “silly season” se instale misturada com a forte canícula, de regressar por instantes que seja à governação interna, sobretudo no contexto pós-eleitoral de 18 de maio. A ideia central sintetiza-se de modo fácil: o estado da governação reflete exemplarmente o sentido das alterações que o referido ato eleitoral trouxe à política nacional – vitória aquém do esperado da AD, emergência ameaçadora do Chega e derrota clamorosa à esquerda, com relevo para a perda massiva de eleitores por parte do Partido Socialista, refletindo a onda política mais geral que se vive por toda a Europa. É à luz desses resultados e do que a derrota do PS significou para as questões da oposição ao Governo que deve ser entendido o sentido da governação em curso. É nesse contexto que integro a minha reflexão de hoje.)

Embora tenham sido as questões da reforma do Estado (ou qual seja a interpretação que o governo de Montenegro queira dar à coisa) a suscitar a principal atenção da comunicação social, quando se passou à prática da governação cedo se compreendeu a verdadeira obsessão do Governo com as questões da imigração, lamentavelmente misturadas com questões de revisão das condições de atribuição da nacionalidade e algumas abordagens distorcidas às questões da segurança.

Mais truculenta do que nunca, Susana Peralta foi a analista que melhor compreendeu que a obsessão inicial da nova governação com as questões da imigração mais do que insistir na tese do não é não ao Chega se transformou num engate despudorado à nova formação da oposição em Portugal. Montenegro, e sobretudo o seu acólito Leitão Amaro que passou a representar o papel de “entertainer” para as questões da imigração, estão hoje obcecados com aquela matéria, continuando a laborar no erro imperdoável de pensar que com essa obsessão irão retirar eleitores ao Chega.

A confusão estabelecida com as questões da nacionalidade agravou a obsessão e parece hoje claro para todos que Montenegro entendeu que o tema da Reforma do Estado não daria para organizar o elã inicial da governação e, além disso, terá também entendido que essa seria a melhor forma de atrasar a perceção por parte dos portugueses de que o Governo não tem qualquer solução fiável para os problemas da habitação e do SNS. Isso já estava claro nos tempos que precederam a queda do Governo e marcação das eleições de maio, mas haveria que evitar a perceção que o novo Governo iria insistir nos mesmos flops de política, aliás também induzido pela ideia de que a não mudança dos ministros dessas pastas só com a ajuda do Espírito santo os iluminaria para rever a sua posição.

Na esfera económica, sem que ninguém tenha percebido a não recondução de Pedro Reis como ministro da Economia, já que a explicação mais plausível equivaleria a considerar que a sua escolha para o governo anterior foi um erro de casting, Montenegro e o ministro das Finanças continuam agarrados ao seu idílico cenário macroeconómico. A descida de impostos (neste caso o IRS) continua a ser a esperança salvadora de uma animação económica qualquer, matéria em que o Governo está triste e abandonado em matéria de evidências empíricas noutros países que venham em seu auxílio. Em matéria de política económica o Governo é um deserto de ideias e a integração da economia no Ministério da Coesão de Castro Almeida é a melhor evidência desse deserto de ideias, suspeitando-se que a fundamentação é algo deste teor – tudo está programado nos Fundos Europeu que Castro Almeida controla e por isso deixa de haver necessidade de política económica. A supressão da memória de Pedro Reis já atingiu por tabela o liberal Ricardo Arroja que viu cerceada quase à nascença a sua carreira iniciada na AICEP, transformando-se em dano colateral. Mais um que provou do veneno do comentário para compreender que meter as mãos na massa tem que se lhe diga, sobretudo quando quem o suportava saiu do Governo.

Há outros ministérios que continuem a levitar sem resultados aparentes da sua governação, dos quais os ministros das Infraestruturas e Habitação Miguel Pinto Luz e José Manuel Fernandes da Agricultura são os melhores exemplos. Espera-se que a ministra da Justiça regresse ao tom mais convicto do governo anterior, agora que tem uma greve no Ministério Público para dirimir, Ministério que teve recentemente mais uma copiosa derrota judicial quando os tribunais ilibaram completamente o ex-diretor do IPO no Porto e Pedro Nunes do Centro Hospitalar do Algarve das matérias que eram acusados na gestão hospitalar daquela região do país. Contam-se pelos dedos as vitórias do Ministério Público, sendo evidente que o estado da investigação que é levada a tribunal é débil, para não dizer incompetente.

Entre os ministros de continuidade, estimo que Fernando Alexandre vá destacar-se no futuro próximo, já que será um dos únicos Ministros com uma agenda sólida e, além disso, disposto a capitalizar a significativa melhoria do conhecimento em matéria de educação e formação que vai sendo publicada, perante o interesse manifesto do Ministro e da sua equipa. Ainda há dias, no Técnico Innovation Center, em Lisboa, instalações do IST, na passada quinta-feira foi publicamente apresentado o Balanço Anual da Educação 2025 com origem no EDULOG – Fundação Belmiro Azevedo (conflito de interesses – o meu filho Hugo Figueiredo da Universidade de Aveiro é um os coordenadores do estudo). Numa evidência simbólica, mas relevante, o Ministro esteve presente em toda a sessão, evidenciando dessa maneira o seu interesse por enriquecer o fundamento científico das políticas de educação e formação, a única via consistente para afrontar com pertinência os enormes desafios que a evolução do sistema de educação e formação em Portugal enfrenta.

Em resumo, o namoro despudorado com o Chega e a quase ausência de oposição que a governação atual tem enfrentado explicam-se naturalmente pelo novo contexto político que os resultados de 18 de maio trouxeram ao país. Esse vai ser o grande elemento de alteração face à legislatura anterior.

Notas complementares:

As Presidenciais continuam animadas. Vitorino não vai a jogo, o Almirante tem perdido força nas sondagens, Seguro estará prestes a entronizar-se no PS e sinceramente espero que Augusto Santos Silva resista aos apelos do ego e se abstenha de concorrer, pois estariam reunidas, em meu entender, as condições para um desastre eleitoral que acabaria por manchar a sua carreira política e de intelectual esclarecido. Mais ainda, o Major-General da CNN, com apoio do Chega, parece também querer ir a jogo, baralhando ainda mais a situação.

No plano internacional, se havia dúvidas de que há uma onda no ar que premeia a direita nacionalista, xenófoba e intratável nos esquemas da democracia, recentes sondagens no Reino Unido atribuem a Farage uma vitória preocupante. O que é a melhor evidência de que os Trabalhistas não se livram do maior flop político da sua história. Entretanto, segundo essas mesmas sondagens os Conservadores agonizam e correm o risco de passar à irrelevância.

Ainda há dúvidas de que há uma onda no ar que ameaça a democracia em diferentes contextos?

 

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