(A sensação de que a União Europeia caminha para um precipício está cada vez mais representada na complexa diversidade dos compromissos internos que se vão sucedendo. A cada compromisso para evitar o pior, a desagregação, torna-se óbvio que o suporte é tão instável, que transforma a ideia de compromisso em pura inação. O que significa, antes de mais, irrelevância no plano da geopolítica mundial e das decisões que a deveriam organizar. A posição da administração Trump em relação à Europa não é mais do que a revelação dessa irrelevância. O desplante de Trump, Vance, Rubio e outros personagens do núcleo central da nova administração norte-americana equivale à expressão efetiva do que circulava há já muito tempo na diplomacia internacional, mas que ninguém tinha a coragem efetiva de verbalizar ou de utilizar na engenharia das negociações. A cada ponto quente que irrompe na cena internacional, cada vez mais belicista, a irrelevância europeia torna-se confrangedora e se António Costa estava à espera da Presidência do Conselho Europeu para apagar a sombra da sua má governação interna, dando cabo de uma maioria absoluta, pode considerar-se por antecipação frustrado nas suas intenções. Vai limitar-se a ser o protagonista representante da já mencionada irrelevância.)
Esta questão anunciava-se já em torno da questão ucraniana, na qual a contundência do discurso nunca encontrou no plano das ajudas concretas à Ucrânia uma correspondência completa, o que não significa convenhamos ignorar a importância da ajuda concedida. Não está em causa a importância absoluta dessa ajuda, mas sim a evidência de que ela tem ficado aquém do discurso da solidariedade política com a resistência ucraniana.
Mas há sempre uma matéria em que a unanimidade tende a falhar, como o revela a peripécia mais recente da Hungria e da Eslováquia terem proferido um não rotundo a participar no agravamento das sanções à Rússia de Putin, não obedecendo ao ditame europeu de reduzir as importações de petróleo e de gás natural proveniente da Rússia. À medida que se sucedem estas quebras de solidariedade que transcendem a situação energética particular daqueles dois países, pois o que está em causa é a deriva populista e autoritária que por ali se passeia, é cada vez mais difícil imaginar a engenhosidade dos compromissos possíveis. Na verdade, a agressão russa veio simplesmente por a nu as contradições geoestratégicas já existentes no interior da União, das quais a melhor evidência está no adiamento sucessivo de pedidos de adesão.
Mas a visão de uma Europa envergonhada, sobretudo na perspetiva de quem pactua com a negação dos seus próprios valores, está na posição da Comissão Europeia perante as atrocidades israelitas em Gaza e na Cijordânia. À luz dessas atrocidades, o acordo comercial entre a União Europeia e Israel já deveria ter sido questionado. O relatório produzido pelos serviços externos da União quanto à situação trágica em Gaza e na Cijordânia é um relatório contido, de maneira nenhuma incendiária, mas rigoroso quanto à dimensão das atrocidades e da violação sistemática dos direitos humanos mais elementares, de que a manifestação mais pérfida é a utilização dos ajuntamentos de distribuição alimentar a população esfomeada para matar indiscriminadamente palestinianos. Que eu saiba, o governo israelita ainda não desmentiu a notícia que veiculava testemunhos de soldados israelitas que afirmarem ter repetidas vezes recebido ordens para atirar sobre essas multidões indefesas.
Com a denúncia envergonhada dessas atrocidades, a Comissão Europeia não deu ainda um passo que seja na denúncia dos acordos comerciais em questão. Com essa cobarde posição do faz de conta, a Comissão Europeia trabalha objetivamente na destruição dos valores humanistas que formaram a constituição da Europa. A posição alemã nesta matéria, sempre às voltas com a sua má consciência de um país que praticou o holocausto, equivale na prática a transformar os princípios europeus humanistas numa relíquia que alguns guardarão, outros nem isso.
Condicionar a defesa desses princípios a questões de geoestratégia política, não se percebendo sequer o alcance do que se quer preservar fechando os olhos às violações israelitas, equivale seriamente a uma alteração estrutural dos valores d constituição europeia.
É uma Europa envergonhada que se revela e nesse sentido ser hoje Europeísta tem que se lhe diga, pois aquilo que para muitos, grupo em que me incluo, era algo de espontâneo e reconfortante, está a ponto de traduzir-se numa enorme deceção coletiva.

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