Cinco décadas passadas sobre o 25 de novembro de 1975, o País viu-se lançado em mais uma divisão estéril: a de diminuir o 25 de abril de 1974, a data em que a Liberdade foi reconquistada e em que assim renasceu a esperança incorporada nos “Três Dês” (descolonizar, democratizar, desenvolver) que sintetizavam os objetivos programáticos do MFA, em nome de um ajuste de contas fora de tempo e largamente impulsionado pela agenda de uma extrema-direita que se movimenta com a tolerância da direita democrática e das autoridades nacionais (Presidente da República incluído). E a verdade é que já não há pachorra para tanta conversa redonda, truncada e desviante em torno dos dias 25 que marcaram a nossa vida coletiva em meados dos anos 70 do século passado – hoje, e depois de mais uma despropositada parada militar no Terreiro do Paço, lá tivemos mais uma cerimoniazinha na Assembleia da República, com Marcelo a aproveitar para uma despedida da sua participação nestes atos (uff!) centrada em mais uma venda do seu “peixe” tão hiperbolicamente patriótico porque tão pouco rigoroso quanto finalmente rebarbativo (do Portugal que não desiste dos portugueses aos portugueses que não desistem de Portugal, o que quer que isso queira realmente dizer, mesmo com a maior das temperanças agora descobertas) e os deputados a bramirem palavras desligadas dos problemas do presente cujo tratamento lhes deveria incumbir.
Sobre a essência da matéria, já tudo foi dito, sobretudo na reposição do essencial por parte de vários protagonistas militares e políticos (veja-se a entrevista ao “Público” do coronel Rodrigo de Sousa e Castro, segundo o qual estamos perante “uma reescrita da história” porque o 25 de novembro “foi um ajuste de contas entre militares” e, sobretudo, nele “não estivemos à beira da guerra civil”) e de analistas como José Pacheco Pereira (vejam-se os seus claros “Pontos nos ii do 25 de Novembro”, divulgados no “Público” do dia 22).
Neste quadro, ao que venho hoje aqui? Apenas pretendo situar-me pessoalmente no tema do dia, por tantos deprimentemente glosado à exaustão, para o que aproveito as questões que a capa da “Visão” inventariou como as mais relevantes e controversas que marcaram a data e alguns pretendem insistentemente que persistam no tempo presente. As respostas que deixo são necessariamente telegráficas e não visam ser mais do que indicativas da “onda de Ventura” que Marcelo e Aguiar-Branco, como Montenegro e Nuno Melo, decidiram cavalgar à falta de algo melhor que os levasse a encarar o interesse nacional.
Então é assim: não existiu um golpe militar da extrema-esquerda nem da direita contrarrevolucionária, antes sim um oportunístico aproveitamento por parte desta relativamente a uma situação tensa e algo descontrolada que se vivia nos quarteis e nas ruas; o papel de Ramalho Eanes só foi mais importante do que o de Jaime Neves na medida em que este se apresentava trauliteira e vingador e aquele quis fazer parte das pontes necessárias a um desfecho marcado pela moderação; Álvaro Cunhal não traiu Otelo, especialmente porque nunca com ele pactou e porque nunca se poderá admitir que alguma vez estivesse disposto a fazê-lo, ao que acresce o facto de Otelo não ser mais do que um titular conjuntural de poderes para os quais não estava competentemente habilitado; Mário Soares foi notoriamente o líder civil vencedor, quer pela sua prática ao longo de todo o período imediatamente anterior (o chamado PREC) quer pela firmeza com que se opôs e qualquer restrição das liberdades políticas do PCP; Sá Carneiro não teve um papel de relevo na ocasião porque estava fora do País e não mais do que disputava um lugar de proeminência no centro político nacional ao então incontestado e incontestável Mário Soares; afirmar que Melo Antunes salvou o PCP será talvez excessivo, mas seguramente que ele desempenhou um papel de grande destaque nos bastidores que moldaram a razoabilidade do resultado do dia em termos de salvaguarda do regime democrático e de um futuro sem amarras e ressentimentos; celebrar o 25 de novembro, ademais em dia de aniversário redondo, não choca senão os defensores mais radicalmente saudosistas do 25 de abril de 1974 mas importa sublinhar veementemente que não estamos perante momentos de significado paralelo nem mesmo de equivalente memorabilidade – porque só o 25 de abril, por todas as razões e mais algumas, consegue justificar um lugar único e indisputado na galeria dos grandes acontecimentos da História de Portugal!


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