(O chamado plano dos 28 pontos, habilmente colocado em circulação por representantes próximos de Trump e Putin, com o qual a Ucrânia de Zelensky é na prática confrontada com um ultimato de trágicas proporções, representa bem o símbolo do realismo cruel da impunidade que, primeiro, a invasão russa, segundo a inépcia europeia e, por fim, a proximidade entre dois autocratas Putin e Trump vieram trazer à cena internacional. Não é por acaso que o plano surge num contexto de grande fragilidade ucraniana. E essa fragilidade não é apenas determinada por avanços russos na frente de batalha. É-o essencialmente pelos casos de corrupção que se tornaram públicos nos últimos dias em matéria de energia, que coloca numa bandeja de aprovação toda a narrativa russa construída em torno dos fumos e fogos de corrupção que sempre existiram na Ucrânia. O ultimato de grandes proporções explica-se não apenas pelas escolhas existenciais de país que se colocam à Ucrânia, mas sobretudo porque, face à inépcia europeia, a administração de Trump fará sempre chantagem do tipo – ou a Ucrânia aprova o plano dos 28 pontos, capitulando, e nessas condições terá algum apoio, interessado, americano ou o rejeita e verá os EUA a abandonar de vez o país invadido. Se isto não é realismo do mais cruel em termos de aceitação da impunidade, apresentem-me uma alternativa válida para alterar a minha opinião.)
Não é necessário convocar um expert em política internacional para compreender que não é apenas Zelensky e as autoridades ucranianas no poder que estão perante uma encruzilhada de grandes proporções, transformado em dilema de decidir pela dignidade e propor alternativas ao plano ou de capitular entregando de mão beijada ao bandido o produto do roubo e da invasão. Também a Europa e a União Europeia em particular estão aqui perante a decisão que provavelmente trará mais consequências para o seu futuro. Do lado dos EUA, a questão torna-se mais grave, pois existem indícios seguros de que o problema não está na doentia atração de Trump pela figura de Putin e pelo que ela representa em termos de exercício ilimitado do poder. Podemos invocar que para os EUA não seria interessante deixar cair o Kremlin na influência direta e decisiva da China. Mas o que me parece que está a acontecer, e as últimas intervenções de J.D. Vance, bem mais racional e perigoso do que Trump, trazem evidência relevante sobre esta matéria, é a perceção da parte da administração americana de que o prolongamento da ajuda americana não trará no terreno alterações marcantes da relação de forças, inclinada mais recentemente para o lado da Rússia.
Esta perspetiva cínica da geopolítica inaugurada com a invasão da Ucrânia sobrepõe-se a qualquer propósito de defesa da liberdade e da decência no plano internacional. Só essa perspetiva cínica pode explicar a emergência de um plano tão desequilibrado nas suas intenções de proteger o país invadido, que parece ter sido concebido pelas autoridades de Moscovo, ao qual os enviados de Trump acrescentaram algumas notas de pé de página: “A Ucrânia receberá garantias de segurança confiáveis”. Ponto.
O despudor do conteúdo do plano dos 28 pontos é exemplarmente descrito por Teresa de Sousa no seu artigo no Público. Basta-me esse artigo para compreender o grau zero da decência internacional a que chegámos. A inépcia europeia foi conduzindo a esta subalternização que este plano representa do ponto de vista de como a Europa e a União Europeia são vistas a partir do exterior. E, ao contrário daquelas negociações internas que se prolongam por altas horas da madrugada e dão origem a golpes de rins institucionais de última hora que salvam a face do projeto europeu, temo que a inépcia acumulada possa trair a ajuda prometida a Zelensky. Demasiados Cavalos de Troia foram tolerados, comprometendo irremediavelmente toda a rapidez e solidez de decisão. Por mais estranho que possa parecer, o ultimato de cinco dias para aceitar ou rejeitar o acordo, comprometendo neste último caso a ajuda americana, é também um ultimato às instituições europeias.
Nota complementar
A Casa da Arquitetura em Matosinhos prestou ontem à tarde uma bela e singela homenagem ao Amigo Arquiteto Manuel Correia Fernandes no 8º aniversário da instituição. Depois de em 2022 Manuel Correia Fernandes ter doado o seu acervo à Casa, foi agora homenageado com a inscrição como membro honorário e uma bela exposição sobre os seus mais de 60 anos de atividade, sob o tema da “política desenhada” que é uma excelente maneira de consagrar a obra do Manuel Correia Fernandes. Todos sabemos que a sua obra não tem a carga de notoriedade da de um Siza Vieira ou de Souto Moura, mas quando visitamos a exposição é possível compreender a grandeza e diversidade do percurso do Manel, a relevância da sua intervenção cívica. Como Amigo e apreciador da sua intervenção cívica e profissional senti-me honrado por ter podido partilhar alguns momentos desse percurso e testemunhar a sensatez do seu pensamento. Obrigado, Manuel Correia Fernandes por este belo exemplo de intervenção.
Excelente oportunidade também para revisitar alguns amigos, partilhando a sensação agradável do envelhecimento em condições de vida bastante razoáveis.
Noutro registo, como previa, em torno da Casa da Arquitetura começa a emergir uma oferta comercial claramente em consonância com o que se expõe naquele local. A Cidade de Matosinhos beneficia desta nova centralidade que vai animando uma Matosinhos sul, até há bem pouco tempo ainda desprovida da convivialidade de que uma Cidade vibrante se faz.



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