quinta-feira, 20 de novembro de 2025

PREOCUPAÇÃO CRESCENTE COM O DESEMPENHO ECONÓMICO DA ALEMANHA

 


(A metáfora futebolística de que os outros jogam e a Alemanha marca e ganha já viveu melhores dias, embora nos últimos tempos a Mannschaft pareça recuperar algum do vigor que já teve no passado. A transposição da metáfora para o plano do desempenho económico essa sim afigura-se mais problemática e os níveis de preocupação dos europeus convictos quanto ao papel que a Alemanha poderá assumir na revitalização económica europeia começam perigosamente a aumentar. O agravamento da situação económica interna alemã tem historicamente um peso brutal. Ando por estes dias a ler uma obra fundamental sobre a ascensão e queda da República de Weimar, VERTIGO, à qual regressarei num dos próximos posts, que me tem adensado essa preocupação. Sem falsas e fáceis analogias, a deterioração do desempenho económico alemão no contexto da situação política interna é potencialmente explosiva. O sempre informado e incisivo Martin Sandbu do Financial Times dedica-lhe uma crónica relevante, na qual é visível o declínio já crónico do potencial industrial e manufatureiro alemão, e é sobre o âmbito dessa crónica que elaboro a crónica de hoje, agravando a perenidade e realismo do estatuto de motor do crescimento económico europeu.)

O gráfico que abre este post é particularmente gritante do tema que Sandbu coloca em discussão. Num universo de 20 economias mais avançadas, essencialmente europeias a que se juntaram a Noruega e a Suiça, é deveras impressionante que a Alemanha esteja no fundo dos níveis de desempenho económico. Nenhuma outra das economias do universo considerado apresenta um desempenho tão deficiente, o que leva o conhecedor jornalista do Financial Times a afirmar com algum assombro que não há nenhuma crise industrial europeia, existe apenas uma crise económica alemã. Quem diria?

A interrogação que esta evidência suscita tem a particularidade de fazer cair algumas das explicações mais comuns sobre as dificuldades enfrentadas pelo crescimento económico alemão. Todas as economias europeias sentiram os agravos da crise pandémica, não sendo legítimo atribuir a esse legado do início da década de 2020 tais dificuldades. Outra alusão frequente é representada pela pressuposta maior incidência do impacto da desregulação mundial na economia alemã, o que também não é claramente percetível quanto a estrutura do comércio externo alemão não se afasta significativamente dos padrões observados na União Europeia. O artigo de Sandbu mostra que cerca de 55% das exportações alemãs se dirigem para a União Europeia e que a estrutura do restante comércio não se afasta significativamente do que acontece na União. Além disso, existem países europeus com maior peso das exportações no PIB cujo desempenho económico é superior ao alemão, o que sugere que esse argumento do ajustamento internacional da economia alemã não constitui um fator explicativo sólido. Inclusivamente, os países que sempre revelaram maior proximidade económica e comercial com a Alemanha apresentam desempenhos mais positivos.

O mistério do mau desempenho económico alemão exige a abertura de mais perspetivas explicativas até porque a situação parece ter sido gerada não apenas a partir da crise pandémica, mais propriamente por volta de 2017.

Várias hipóteses podem ser colocadas, uma das quais pode obrigar-nos a olhar mais para o canal das importações do que para o das exportações. Por outras palavras, a internacionalização do mercado interno alemão, com obviamente a China à cabeça, pode ter aqui um peso explicativo a considerar. É conhecido que o valor acrescentado das exportações alemãs tem uma componente externa maior do que noutros países europeus. NO mercado interno alemão parece padecer de falta de estímulos ao crescimento da procura interna (veja-se o meu post anterior sobre a importância do parecer do Conselho Alemão de Peritos Economistas). E não será de enjeitar a possibilidade da economia alemã estar a atravessar um longo período de ajustamento a um novo paradigma energético ditado pela necessidade de reduzir a dependência energética face à Rússia, que pode ser mais prolongado do que o esperado, com as consequências naturais sobre o desempenho da produtividade.

Talvez as abordagens mais globais devam dar lugar a abordagens mais setoriais, com relevo para dimensões como a da indústria automóvel, fortemente ameaçada pela dianteira que os veículos elétricos chineses estão a assumir na oferta e na procura mundiais.

Na economia da inovação de pendor mais evolucionista, a dimensão explicativa dos percursos de dependência em relação ao passado assumem uma importância primordial. As rotinas de organização e de gestão da produtividade e da mão de obra sempre estiveram bem consolidadas na economia alemã. A literatura mostra-nos que a inovação disruptiva nestes contextos de dependência forte do percurso tende a ser mais lenta e dificultada, podendo ser essa uma ideia a reter na explicação do mistério do mau desempenho económico alemão.

O que parece ser hoje visível é que a economia alemã será a principal interessada em contribuir para a coerência e consistência das políticas europeias de inovação e de reindustrialização. À ideia de motor, pelo menos enquanto este apresentar problemas de fiabilidade, devemos talvez contrapor uma outra ideia, a de agente proativo da colaboração intra-europeia, o que na perspetiva da solidez do projeto europeu pode ser interessante.

 

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