(Sim, embora alguns leitores deste blogue, não sei sinceramente quantificar o seu peso, não apreciem lá muito os posts sobre política económica, a verdade é que ele é também um espaço de reflexão sobre a economia e políticas pública de intervenção nesse âmbito. É nesse espírito que regresso a um tema já por repetidas vezes aqui relembrado, o do ressurgimento da política industrial. O assunto é relevante não só para a União Europeia e consequentemente para Portugal, mas também para a economia mundial em geral. Esse ressurgimento é irreversível, apesar de podermos dizer que o arranque americano promovido pela desconsolada administração Biden foi balão que foi esvaziado muito cedo, a partir do momento em que Trump chegou ao poder. As entradas em força do Inflation Reduction Act, um exemplo claro de política industrial na área das renováveis e do Chips Act, um outro exemplo claro na área dos semicondutores e da robótica, significaram pouco para a economia americana a partir do momento em que Trump os desmontou peça por peça para impor um outro estilo para um putativo ressurgimento industrial e manufatureiro americano. Ao nível da União Europeia, os diretórios super-liberais que denegriam o termo e escondiam os propósitos de uma envergonhada política industrial nos programas de apoio à ciência e à inovação foram surpreendidos por esse ressurgimento e, apesar da insistência de Draghi e dos seus documentos de alerta e orientação de rumo, acabam por se situar como o tolo no meio da ponte, não sabendo exatamente de que modo utilizar em proveito próprio o convite implícito que Trump faz nesse sentido ao promover a sua política de bullying aduaneiro…)
Como sempre defendi, e creio que com fundamento, os países da União que foram e são mais penalizados com a desorientação dos diretórios europeus que denegriam a política industrial são países como Portugal que têm o seu modelo estrutural de especialização ainda em mudança e que necessitariam, por isso, de moratórias da liberalização do mercado único para preparar as suas trajetórias consistentes de inovação em mercado internacional. Não é tempo, nunca o foi na verdade, para regressar aos velhos processos de industrialização por substituição de importações focados no aproveitamento das virtualidades do mercado interno. Essa mudança estrutural deve continuar imperiosamente a acontecer em contexto de mercados abertos e por isso é que são necessárias moratórias contidas de tempo no âmbito do mercado único para tirar partido das virtualidades do amplo mercado europeu.
O sempre perspicaz Marcus Nunes relembra três fatores que na economia global de hoje sugerem a presença de falhas de mercado que podem justificar o regresso da política industrial:
“Em primeiro lugar, a indústria dos semicondutores apresenta significativas economias de escala e efeitos de rede que criam monopólios naturais vulneráveis à disrupção geopolítica. Quando a Empresa de produção de semicondutores de Taiwan é responsável por 90% dos chips mais avançados, qualquer conflito nas imediações de Taiean ameaça toda a economia mundial;
Em segundo lugar, a mudança climática representa uma externalidade última – os mercados geram preços abaixo do desejável nas emissões de carbono o que leva ao sub-investimento nas tecnologias verdes com períodos de recuperação de investimentos muito longos;
Em terceiro lugar, as novas tecnologias como a inteligência artificial geram efeitos de spillover massivos que as empresas privadas não podem captar completamente, conduzindo a um sub-investimento na perspetiva social.”
Estes argumentos têm, porém, de ser reequacionados à luz de um contexto de economia mundial, largamente fraturado, de grande incerteza dinâmica, no sentido que Keynes lhe atribuía de não ser possível aplicar-lhes a lógica probabilista. Assim, a ideia de que a mudança estrutural do perfil de especialização que a política industrial pode favorecer não pode deixar de ser concebida a pensar em mercados abertos dá de frente com essa incerteza.
O ressurgimento da política industrial não pode ser assim confundido com revivalismo e regresso acéfalo ao passado. As oportunidades competitivas dificilmente surgem a partir da inspiração de gente pressupostamente iluminada, exigindo processos de tomada de decisão e de preparação de opções largamente informadas pelo envolvimento dos atores empresariais que poderão protagonizar tais opções em matéria de produção. São processos complexos que exigem administrações públicas de grande eficiência e capacidade organizativa, até porque entre as empresas e grupos empresariais a envolver haverá seguramente interesses contraditórios.
No caso europeu, não é líquido que a experiência profícua de agências de inovação de grande capacidade estratégica, como as da Finlândia, Países Baixos ou Suécia, por exemplo, tenham equivalentes na pesada tecnoestrutura comunitária.
Por isso, moral da história, sem revivalismos balofos de simples invocação do passado, o ressurgimento da política industrial concretiza-se num contexto internacional muito particular exigindo um grande apuro dos modelos de organização e institucionais que a podem promover, algo que pode ser necessário em simultâneo construir.
O caso português parece evidente, atendendo à falência total do modelo da Agência Nacional de Inovação, ANI de seu nome.

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