sexta-feira, 14 de novembro de 2025

TAMBÉM TU NORUEGA!

 

                                                                (Financial Times)

 (É conhecido o facto de, a partir do momento em que a Noruega se transformou numa economia exportadora de petróleo, Stavenhagen é uma cidade curiosa por não deixar de refletir na sua beleza natural aquela especialização, o seu nível de rendimento per capita ter disparado. Não pode dizer-se que tenha sido o petróleo e as suas plataformas a gerar o desenvolvimento económico norueguês, mas a verdade é que em termos de criação de riqueza esse salto foi óbvio. É nesse domínio que se compreende a magnitude gigantesca do seu Fundo Estatal de Pensões que o conhecedor cronista do Financial Times Martin Sandbu estima valer por estes cerca de dois triliões (milhões de milhões) de dólares, valor quatro vezes superior ao já elevado PIB anual norueguês. Ora a Noruega era conhecida até há bem pouco tempo por assumir uma prática notável de inatacável ética de utilização e composição de ativos desse Fundo, ao ter em funcionamento um Conselho de Ética, constituído por personalidades independentes suscetíveis de poderem ser consideradas dignas de pertencer a um Conselho com aquele prestígio. Mas os ventos não recomendáveis estão também a fazer das suas por aquelas terras da Escandinávia que tanto apreciamos como modelo capaz de ser inovador e competitivo sem abdicar do seu modelo social. A crónica de Sandbu que me serve de fonte para a elaboração deste post é digna de leitura, pois traz-nos de forma irrecusável de que o mundo está a mudar mesmo pelas terras do Norte).

O Conselho Ético do Fundo norueguês, criado há cerca de 20 anos, era unanimemente apontado como uma inspiração para que as questões da governação pudessem estar submetidas a rigorosos padrões éticos, criando uma alternativa digna de ser replicada por esse mundo fora, onde a ética da governação é espezinhada sem pudor a todo o momento. No passado, o Conselho ético pronunciou-se positiva ou negativamente sobre a aquisição de certos ativos para a sua carteira, rejeitando investimentos em organizações e empresas menos claras nos seus propósitos e práticas, decisões que sempre foram consideradas e aceites pelos governos noruegueses.

Acontece que Jens Stoltenberg, que foi primeiro-Ministro da Noruega e Secretário-Geral da NATO e que agora ocupa por ironia do destino o cargo de ministro das Finanças veio a terreiro, neste caso numa entrevista dada ao Financial Times, questionar a possibilidade de determinadas decisões do Conselho Ético poderem ser rejeitadas, invocando o argumento de que o Fundo tem de obedecer a uma estratégia de diversificação de ativos. O que é a mesma coisa que dizer que a ética não deve sobrepor-se à estratégia de diversificação.

Até tu Noruega!

Esta questão tem obviamente enorme amplitude ética e filosófica. O problema central é que o Conselho de Ética do Fundo Estatal recomendou a não existência em carteira de ativos da CATERPILLAR, uma grande empresa americana fortemente ligada a Israel e aos acontecimentos trágicos de Gaza. Stoltenberg, recordando-se talvez dos seus tempos na NATO, entendeu que a decisão poderia irritar Trump, ainda que invocando em última instância o risco de penalizar o Fundo Estatal e com isso a fluidez orçamental do país.

Vale a pena ler a recomendação emanada do Conselho:

O Conselho de Ética recomenda a exclusão da Caterpillar Inc. do Fundo Estatal Global de Pensões devido a um risco inaceitável de que a empresa possa gerar sérias violações dos direitos individuais em situações de guerra ou conflito.

A Caterpillar é uma sociedade americana que, entre outras coisas, constrói maquinaria de construção. No fim de 2024, o Fundo de Pensões detinha ações da companhia avaliadas em 24,4 milhares de milhões de coroas norueguesas, que correspondia a uma quota de 1,23% do ativo global. A companhia está cotada no New York Stock Exchange.

A base para este caso está no facto dos bulldozers fabricados pela Caterpillar estarem a ser utilizados pelas autoridades israelitas na generalizada destruição ilegal de propriedades palestinas.

Na avaliação do Conselho, não há dúvida de que os produtos da Caterpillar estão a ser utilizados para cometer violações extensivas e sistemáticas das leis humanitárias internacionais. A companhia também não implementou quaisquer medidas para impedir essa utilização. Na medida em que as entregas de maquinaria relevante a Israel estão agora a ser programadas, o Conselho considera que existe um risco inaceitável de violações dos direitos individuais em situações de guerra ou conflito, inserindo-se na secção 4(b) dos princípios éticos do Fundo.

O Conselho de Ética comunicou a sua recomendação em 2 de julho de 2025. O Norges Bank anunciou em 25 de Agosto de 2025 que excluiria a companhia”.

Esta questão é em meu entender exemplar do modo como a ética política está em riscos de se transformar no mundo numa relíquia. E mesmo as boas práticas escandinavas não deixam de ser contaminadas.

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