(McKinsey)
(Existe hoje um consenso alargado sobre as grandes tendências de evolução da economia mundial, analisadas sobretudo na perspetiva da evolução do produto interno bruto das economias de maior dimensão económica. O indicador que melhor ilustra essa mudança é a evolução em termos comparáveis, isto é, à paridade de poder de compra, do produto interno dos EUA e da China. A utilização dos dados dos World Development Indicators, trabalhados na base dos valores atualizados de outubro de 2025 publicados pela base de dados do Banco Mundial, confirma que há praticamente 10 anos que, à paridade de poder de compra, a economia chinesa tem uma maior dimensão económica do que os EUA (ver gráfico abaixo elaborado a partir da informação dos World Development Indicators). Em termos percentuais, a China responde hoje por 20% do produto mundial, ao passo que os EUA se quedam pelos 15%. Branko Milanovic estende essas comparações a outros pares, como por exemplo o confronto entre a Índia e o Reino Unido (respetivamente 8 e 2% do produto mundial e entre a Indonésia e os Países Baixos (com uma relação de 3 para 1). Estes números valem o que valem, sabendo nós que o PIB tem as suas limitações, mas para comparações válidas entre países o PIB medido em dólares comparáveis, isto é, à paridade de poder de compra, ainda é a variável mais utilizada. Este bloco da China, Índia e Indonésia representa cerca de 40% da população mundial, sendo a sua quota de produto ainda de 30%, mas tudo indica que os previsíveis aumentos de produtividade tendam a fazer alinhar no futuro as duas quotas. Economicamente falando, não existe dúvida alguma que a mudança da economia mundial está aí para nos fornecer essa evidência. Resta saber se do ponto de vista do poder que essa dimensão económica representa existe também alguma mudança visível. Aparentemente, o discurso mais divulgado menciona o deslocamento para oriente e para a Ásia como o resultado dessa evolução da produção mundial. Mas é necessário saber se do ponto de vista dos fluxos que relacionam estes colossos económicos existe também evolução sensível e mais importante ainda se as instituições de perfil mundial refletem hoje essa profunda mudança. Veremos neste post que a esse nível há mais dúvidas em responder afirmativamente a essa questão.)
Curva azul - China; Curva encarnada - EUA
Socorro-me, em primeiro lugar, de um dos gráficos do ano de 2025 que a McKinsey publica com regularidade, conhecidos pela sua elevada qualidade e densidade informativa. O gráfico que abre este post versa sobre a matéria sensível dos semicondutores, algo de nuclear na transição digital em curso, nela incluindo já o boom da inteligência artificial. Os EUA continuam a funcionar como o grande recetáculo do investimento neste setor, com origem marcadamente asiática desse investimento direto estrangeiro (IDE). No sentido contrário, o IDE proveniente dos EUA tem os seus destinos principais em Singapura e na Irlanda (pour cause, dada a implantação neste último país dos gigantes tecnológicos americanos mais conhecidos. É possível também verificar que a Europa é destinatária de menos de 15% do investimento, com a China, Taiwan e a Coreia do Sul a assumirem a grande quota dos investimentos recebidos pelos EUA.
Moral da história, ainda que os EUA representem uma quota do produto mundial mais baixa do que a da China, para setores nevrálgicos como os semicondutores é enganosa a ideia de que os EUA estejam a ser marginalizados dos grandes fluxos in e out observados no setor. Ou seja, por detrás do realinhamento do produto mundial, observam-se comportamento setoriais que podem fornecer uma imagem mais matizada do realinhamento observado. Mas se, por exemplo, olhássemos para o domínio das indústrias elétricas, incluindo veículos, já o panorama seria diferente, com a superioridade da China a afirmar-se cada vez mais.
Branko Milanovic tem razão quando traz para o debate a certeza de que existe hoje um desvio sério, e quando estes desvios existem e são sérios, a conflitualidade está no ar. A estrutura de poder nas grandes instituições mundiais como o Banco Mundial ou o FMI está hoje profundamente desequilibrada – a importância económica dos principais países asiáticos, China, Índia e Indonésia aos quais poderíamos juntar o Paquistão, o Bangladesh e o Vietname não está nem de perto refletida na representação de voto que esse bloco de países tem naquelas duas instituições. O poder de bloqueio de voto que os EUA hoje possuem devido a serem o único país que detém 15% das ações constitutivas está hoje profundamente em contradição com a importância económica do bloco asiático. Por isso ou por razões próximas, o multilateralismo anda pelas ruas da amargura e se ergue na cena internacional a lógica das macrorregiões de influência com o poder dos mais fortes a sobrepor-se ao dos mais fracos.
O que parece poder concluir-se é que a persistência e até agravamento desse desvio entre poder económico e equivalência institucional do mesmo nunca proporcionará uma boa saúde à economia mundial. A sua fragilidade institucional condena-a a uma permanente instabilidade e a toda a série de tentações de impor pela força o que um multilateralismo inteligente tenderia a resolver pela negociação.


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