quinta-feira, 27 de novembro de 2025

A REPLAN DISCUTE A AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

 


(A REPLAN é uma rede integrada o por representantes dos organismos com funções de planeamento e prospetiva de cada área governativa, nomeados pela respetiva tutela, liderada pela PLANAPP, a instituição criada para dotar a governação de conhecimento relevante e útil ao processo de tomada de decisão. Não vou hoje aqui discutir se está a cumprir os objetivos para que foi criada, vou apenas focar-me no seminário de alguma dimensão organizado ontem nas instalações do IAPMEI em Lisboa sobre avaliação de políticas públicas, no qual a equipa de avaliação por mim coordenada apresentou na figura do Pedro Quintela uma comunicação de prática reflexiva sobre metodologias de avaliação baseadas na teoria que temos vindo a realizar com bastante expressão. É conhecida a minha posição de já há algum tempo de que a disseminação de uma cultura de avaliação mais estruturada, em que investigação científica, consultadoria e organismos públicos promotores de avaliação evoluam em sede de metodologias e evidência de dados, é algo que é parte integrante de um universo de políticas públicas cada vez mais baseadas em conhecimento. O que o seminário de ontem documenta é uma ainda lenta maturação para esse desiderato, embora revelando que a avaliação de políticas públicas é já algo que transcende a obrigação regulamentar imposta pelos Fundos Europeus e é sobre esse aspeto que gostaria de concentrar o post de hoje, redigido no Alfa da manhã de regresso ao Porto.)

 


O painel inicial em sessão plenária que se realizou após a intervenção ministerial (Leitão Amaro) pretendia precisamente dar conta da diversidade de práticas de avaliação que estão a criar raízes e fundamentos na administração pública. A AD&C na pessoa do Duarte Rodrigues apresentou o panorama de vinte anos e alguns mais que a avaliação de Fundos Europeus tem protagonizado, claramente como o facto impulsionador de uma nova geração de avaliação. Os diretores do INE António Rua e do Laboratório de Microdados do Banco de Portugal, Paulo Guimarães, que funciona curiosamente no Porto, cobriram na intervenção inicial a questão relevantíssima da dotação de informação para possibilitar saltos importantes seja nas metodologias, seja na cobertura de evidência que toda a avaliação necessita. Isabel Proença da Unidade Técnica de Avaliação de Políticas Tributárias e Aduaneiras da Autoridade Tributária e Aduaneira trouxe ao plenário a experiência da unidade na avaliação de impacto dos famigerados subsídios fiscais, cuja despesa fiscal está associada à receita fiscal que deixa de ser cobrada para viabilizar tais subsídios. O prestigiado Luís Cabral da Nova BSE trouxe ao plenário a perspetiva da academia, com uma comparação curiosa entre a avaliação das boas práticas na medicina e a avaliação das políticas públicas em geral, organizando a sua intervenção em torno dos 3 pilares da cultura de avaliação, da evidência e dos dados e da importância das teorias e dos modelos para manejar o manancial de dados que começa a estar disponível. A representação do setor privado da consultoria em matéria de avaliação foi atribuída à EY (os grandes comandam, como a EY, e os pequenos como a Quaternaire Portugal submetem-se, embora disputem garbosamente alguns trabalhos de igual para igual), representada pelo que parece ser a Chefe de Unidade Sandra Primitivo.

Este longo painel trouxe a evidência de dois traços evolutivos que caracterizam em meu entender o momento atual da avaliação de políticas públicas em Portugal.

Em primeiro lugar, é visível que, embora de forma lenta, a avaliação vai indo além da “Tapobrana” dos Fundos Europeus. Começam a emergir entidades que desenvolvem avaliação por interesse imediato e não por imposições regulamentares. O caso da Autoridade Tributária e Aduaneira é um exemplo feliz desta tendência. No caso vertente, explorando o enorme potencial da própria informação gerada pela ATA, o trabalho da U-Tax pode ter uma enorme repercussão pública, sobretudo na perspetiva de contribuir decisivamente para uma maior transparência da matéria nebulosa dos incentivos ou subsídios fiscais. A apresentação de Isabel Proença revelou alguns dados interessantes: a despesa fiscal destes incentivos está estimada em cerca de 7% do PIB e cerca de 35 operações respondem por cerca de 95% do total de despesa fiscal associada. O que significa que há por aí uns tubarões a devorar a despesa fiscal dos subsídios dessa natureza, circunstância que recomendaria uma maior transparência do processo.

Em segundo lugar, deve destacar-se a significativa evolução que o INE e o Banco de Portugal introduziram no robustecimento dos suportes de bases de dados com que a avaliação pode hoje trabalhar. É óbvio que, designadamente no que respeita à disponibilização mais granular dos microdados só a investigação científica e a academia beneficiam dessa benesse, questão que não está de todo acessível às organizações como a minha que labutam pela procura de evidência relevante. A experiência do Laboratório de Microdados do Banco de Portugal tem contornos inovadores, pois a equipa dirigida pelo Paulo Guimarães insiste na particularidade de só trabalhar e fornecer informação sobre bases de dados sobre as quais a equipa do Laboratório tem efetivos domínio e familiaridade.

Apesar da Direção do INE ter referido que está em curso no INE um amplo investimento sobre bases de dados administrativas, pode dizer-se que existe ainda um vastíssimo potencial de informação administrativa não tratada e, pior do que isso, carenciada de interoperabilidade entre bases. Assim, por exemplo, a representante da U-Tax Isabel Proença mencionou que não lhes foi possível combinar os microdados do INE com a informação da própria ATA, embora esta última forneça informação ao INE, a não ser utilizando as instalações do safe Center do próprio INE. A debilidade e os equívocos do relacionamento e cooperação inter-institucionais ainda existentes em Portugal continuam a penalizar seriamente a infraestrutura de informação de suporte ao desenho, monitorização e avaliação de políticas públicas. Se é verdade que a investigação científica dispõe hoje de uma capacidade de acesso considerável a informação de microdados, essa excelente acessibilidade não tem dimensão equiparável em todo o aparato da avaliação.

Mas a nave “se muove” e o seminário de ontem foi disso evidência.

Nota complementar:

Não tenho seguido a evolução da PLANAPP nos governos de Montenegro. Penso que os tempos da sua génese dirigidos por Areosa Feio já lá vão e a presença do Ministro Leitão Amaro na sessão inaugural do seminário anuncia o que vem por aí. Na direção da PLANAPP e na coordenação da REPLAN está agora uma figura conhecida da AD, o Professor Pedro Saraiva, doutorado pelo MIT em Engenharia Química e cujo CV é inquestionável (ver aqui), mas com filiação política bem clara.

 

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