quarta-feira, 23 de abril de 2025

TRICKLE DOWN ECONOMICS? NÃO, OBRIGADO!

 


 (Pro-market ou Pro-business eis a questão. A direita económica está numa profunda deriva por todo o mundo que eu costumo explicar por abusar de uma confusão. Compreende-se que a direita económica seja “pro-market” nas suas convicções. Está no seu direito legítimo de fazer essa opção e não custa reconhecer que existem muitos domínios da economia em que essa orientação é a mais correta, pois equivale a otimizar o modo como os agentes económicos, sejam eles empresários, trabalhadores ou simplesmente consumidores reagem a incentivos, gerando respostas mais eficientes e eficazes. Mas nos últimos tempos, o “pro-market” tem-se transformado perigosamente no “pro-business”. Esta última opção consiste em utilizar a primeira para deliberadamente favorecer determinados agentes económicos em detrimento de outros. Os estudos disponíveis, designadamente os de Thomas Piketty, sobre a distribuição de rendimento na economia americana depois de aplicados os impostos permitem concluir que, durante os últimos 50 anos, cerca de 80 milhões de milhões de dólares (trillions) foram transferidos dos 90% dos americanos com menores rendimentos para o 1% mais rico. Tudo isto com uma aparência “pro-market”, mas efetivamente é a lógica do “pro-business” que comanda a deriva a que anteriormente me referia. Não há deriva económica que não tenha a enquadrá-la uma teoria económica favorita entre as favoritas. É por estas e por outras que a ciência económica tem dificuldade em justificar a validade e justeza da primeira parte da expressão. Neste caso, a deriva da direita económica que grassa pelo mundo, e o programa da AD não resistiu a essa tentação, até encontrou uma terminologia sonante e apelativa, a chamada “trickle-down economics”. É sobre ela que se justifica alguma reflexão, pois na prática é esse o fundamento para a confusão deliberada entre o “pro-market” e o “pro-business” que está por aí a ser praticada.)

Está muito generalizada a ideia de que a “trickle-down economics” é uma abordagem que considera que os cortes de impostos e a desregulação em favor dos mais ricos e das sociedades empresariais estimularão a economia, beneficiando em última instância toda a gente, incluindo as classes mais baixas. Subjacente ao argumento está a ideia de que o tal arrastamento ou escorrimento de riqueza (trickle-down) se concretiza através do investimento tornado possível, da criação de emprego associada e do incremento da procura, conduzindo ao generalizado crescimento económico.

O cartoon que abre este post ridiculariza obviamente a música celestial do argumento do “trickle-down”.

Há duas maneiras possíveis de realizar uma análise crítica desta abordagem.

Por um lado, embora o discurso esteja na moda e dê origem a algumas entradas de leão na política económica de alguns governos de direita que chegam ao poder com essa promessa (algumas destas entradas dão origem a saídas de sendeiro, das quais a mais relevante foi o desastre da conservadora Liz Truss na sua passagem relâmpago pelo número 10 de Downing Street), a verdade é que existe muito pouca evidência empírica (senão nenhuma) de que o efeito arrastamento funcione. Existem várias razões para que isso possa acontecer. Em primeiro lugar, porque a referida descida de impostos tende frequentemente a ser regressiva, sendo mais elevada para os mais ricos. Segundo, porque os beneficiários podem manter o nível de investimento e assim internalizar sob a forma de benefícios-lucros o ganho fiscal. Terceiro, porque a relação entre investimento, crescimento e emprego não é linear, já que a tecnologia pode ser “poupadora de trabalho” (Labour saving).


Poderíamos ficar pela falta de evidência empírica credível, sobretudo proporcional ao caráter generalizado de difusão do discurso do “trickle-down”. Mas é possível elaborar um pouco mais e mostrar que a abordagem do “trickle-down” para ser efetiva exigiria não apenas aplicação seletiva e o mais equitativa possível dos cortes de impostos e de regulamentação, mas principalmente um contrato ou pacto social e político e de confiança entre quem beneficia em primeira linha e quem poderá beneficiar em última instância, depois de todos os efeitos de arrastamento serem concretizados.

A questão do contrato de confiança é decisiva para evitar a adulteração de comportamento dos que vão beneficiar em primeira linha.

O problema é que nas condições de desigualdade prevalecente quando os adeptos do “trickle-down” chegam ao poder e a querem exercitar, a polarização substitui-se a essa confiança e para muitos ele é considerado, com razão, uma treta e um embuste.

Retomo aqui a sugestão de leitura do Amigo Guilherme Costa, que já foi objeto de post anterior, segundo a qual as estratégias de colaboração podem constituir uma alternativa válida para as sociedades ocidentais saírem do impasse em que estão mergulhadas. Não há pacto de colaboração possível sem uma relação de confiança entre os primeiros e os derradeiros beneficiários potenciais do “trickle-down”.

O texto de Eric D. Beinhocker (“Fair Social Contracts and Large-Scale Collaboration[i]) fornece algumas pistas para pensar esta questão, principalmente quando desenvolve as nove dimensões que tornam possível a colaboração bem-sucedida. Essas nove dimensões consagram três tipos de justiça – relacional, procedimental e distributiva. Destacaria uma dimensão em cada tipo de justiça: na justiça relacional, a inclusão que acontece quanto os intervenientes têm uma oportunidade para entrar no jogo; na justiça procedimental, a questão das regras, através das quais os intervenientes conhecem as regras do jogo e estas são aplicadas por igual; na justiça distributiva, a reciprocidade através da qual o respeito pelas regras e o contributo para o objeto colaborativo são extensivos a todos.

Em meu entender, o possível êxito de uma bem-sucedida abordagem “trickle down” depende do pacto colaborativo e de confiança que o deve acompanhar. A direita económica que usa este instrumento não tem condições para assegurar essa dimensão de confiança que assiste ao pacto colaborativo. Sem surpresa, é por isso que os exemplos conhecidos de aplicação política desta abordagem se traduziram todos pelo aumento da desigualdade e impulsos ao crescimento nem vê-los. Em ambiente de polarização, a confiança degrada-se e as condições em que o “trickle down” foi aplicado acentuam essa degradação.



IIn Paul F.M. Verschure (2025), The Nature and Dynamics of Collaboration. Ernst Strüngmann Forum, MIT e Frankfurt Institute for Advanced Studies, MIT Press. Londres

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