segunda-feira, 10 de março de 2025

DINÂMICAS COLABORATIVAS E/OU COOPERAÇÃO DE RECURSOS

 


(Na espuma dos dias que correm, dado o ambiente penoso que eles veiculam, tenho sentido extrema dificuldade em ter concentração suficiente para reflexões mais aprofundadas sobre temas que valha a pena explorar para pensarmos com mais rigor e fundamento as pequeníssimas margens de manobra de intervenção em tempos tão difíceis e desmoralizantes. O colega e Amigo Guilherme Costa tem um especial talento para identificar e sugerir temas analíticos de reflexão que façam hoje a diferença e que nos abram caminho para combater o niilismo e desinteresse que a situação que vive o mundo pode inspirar. Já não é a primeira vez que me sugere a leitura de coisas escritas por um dos economistas que segue com atenção, Eric D. Beinhocker do Institute of New Economic Thinking da Universidade de Oxford. Neste caso, o artigo chama-se “Fair Social Contracts and the Foundations of Large-Scale Collaboration”, que Beinhocker publicou integrado numa obra coletiva editada em 2025 pelo MIT, intitulada “The Nature and Dynamics of Collaboration” que resume o vastíssimo trabalho realizado por um conjunto de cientistas no âmbito de um think-tank alemão, radicado em Frankfurt, o Ernst Strüngmann Forum. O trabalho de reflexão que deu origem à referida obra coletiva foi coordenado por Paul Verschure, professor de Neurociência na Radboud University de Nijmegen nos Países Baixos e é ele que edita o resultado da reflexão e no qual o referido contributo de Beinhocker se integra. A rede interdisciplinar de cientistas que protagonizou o avanço destes trabalhos é de facto impressionante, já que não é comum cientistas de disciplinas tão distintas (biologia, neurociência, ciências cognitivas, robótica e inteligência artificial, engenharia, ciências sociais) trabalharem colaborativamente. Tal como já aqui referi em posts anteriores, o trabalho científico tem caminhado para uma manifesta sobre-especialização, em que cada vez mais gente sabe mais de aspetos cada vez mais ínfimos da realidade, sem que a questão da integração desse conhecimento cada vez mais especializado seja uma questão resolvida, antes adiada. Não é por acaso que existe evidência recente de que a produtividade com que se faz ciência no mundo está a descer, refletindo que para produzir uma ideia relevante é necessário cada vez mais um número maior de investigadores. A questão colaborativa interessa-me, primeiro nessa perspetiva da compreensão dos limites e dificuldades da produção científica e, segundo, porque a questão das dinâmicas colaborativas está no cerne da chamada teoria das competências, nomeadamente das chamadas competências coletivas que, nas organizações, representam a fonte mais sustentada de diferenciação e inimitabilidade, que são o coração da competitividade das empresas e das organizações. Daí o meu interesse e é nesse sentido que o partilho com os leitores deste blogue ...)

Quer isto significar que as dinâmicas colaborativas a vários níveis se articulam fortemente com a questão da cooperação de recursos que as combinatórias que organizam a competência coletiva das organizações pressupõem que seja com êxito alcançada. E o que me parece mais sugestivo existir nesta interação entre os dois temas de investigação é que a reflexão é válida e aplicável em domínios muito diferenciados. É-o obviamente na ciência na qual a cooperação entre recursos é decisiva para compensar a sobre-especialização de conhecimento que nela predomina. É-o também nas organizações nas quais a combinatória das competências coletivas constitui o grande desafio à procura de uma situação de inimitabilidade minimamente sustentada no tempo para assegurar e desenvolver uma estratégia de criação de valor.

Mas nas condições em que os sistemas políticos e as sociedades se encontram, cada vez mais polarizadas, as dinâmicas colaborativas e a sua transformação em contratos sociais justos (esse é o tema da importante contribuição de Eric Beinhocker) adquirem uma inequívoca importância transformadora. Ou seja, a questão das dinâmicas colaborativas é algo que interessa de sobremaneira à ciência política e às forças políticas que lutam diariamente para combater as ameaças à democracia, sendo por isso necessário que as elites mais esclarecidas contribuam com essa dinâmica colaborativa para rejuvenescer o pensamento político e a ação partidária, órfãos de ideias novas e consequentes no plano político no contexto atual.

Tal como Paul Verschure o assinala na introdução à obra coletiva atrás assinalada, é tempo de regressar aos contributos da economista Nobel Elinor Ostrom, a quem devemos o contributo seminal para compreender a relevância da cooperação para a chamada gestão dos comuns, como alternativa à gestão de mercado desses mesmos recursos. O que a reflexão interdisciplinar dos cientistas reunidos em Frankfurt nos mostra é que a gestão dos comuns de Ostrom será apenas uma das dimensões de uma perspetiva mais geral de práticas colaborativas. A colaboração existe e é também efetiva em situações em que não existem recursos comuns: “a colaboração emerge a partir da interação entre agentes humanos focados em objetivos que se envolvem e comunicam voluntariamente e são ligados por sistemas simbólicos que expressam memórias individuais e coletivas, convenções e normas”. A relação com o comportamento de cooperação existe, mas a dinâmica colaborativa é algo mais vasto: “para ser considerado colaboração, um ato de cooperação precisa de ir algo mais além e demonstrar que existe coordenação entre dois ou mais indivíduos a trabalhar para um objetivo comum”.

A dinâmica colaborativa é complexa e envolve a organização de esforços que exigem confiança, visões partilhadas, liderança e envolvimento proativo para atingir objetivos coletivos.

Isto não significa obviamente que os contributos da gestão dos comuns de Ostrom sejam para deitar fora, é antes um excelente começo, embora digam respeito a um caso que não pode ser extrapolado mecanicamente para situações em que não exista a realidade dos recursos comuns ou coletivos.

As pontes analíticas com a abordagem da competência coletiva são muito sugestivas sobretudo do ponto de vista da aplicação às organizações, seja de empresas com fins lucrativos, seja à cada vez mais vasta realidade das organizações sem fins lucrativos. A cooperação de recursos que a competência coletiva exige pode transformar-se facilmente em dinâmica colaborativa definindo com rigor os objetivos estratégicos a prosseguir na organização e as visões partilhadas de futuro que devem existir entre os recursos da organização. Numa próxima oportunidade de trabalho que tenha com o grande especialista das competências coletivas, Guy Le Boterf, não perderei a oportunidade de com ele discutir esse assunto.

Mas a ideia de Beinhocker sobre os contratos sociais merece reflexão mais profunda porque é ela que permite estabelecer pontes mais sugestivas com a ação política, repito, sobretudo no contexto de polarização extremada que se vive e de que a probabilidade de maiorias absolutas se tem reduzido cada vez mais, como o evidencia a sequência de atos eleitorais na Europa.

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