quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O RIDÍCULO TEM LIMITES



Já falámos de flops ou de erros de casting no atual governo. A remodelação de secretários de Estado tem muito dessas situações. Mas trouxe mais uma tipologia: os limites do ridículo.
Falámos a este propósito da substituição do secretário de Estado da Inovação e do Empreendedorismo, Carlos Nuno Oliveira, o empresário que se tornou secretário de Estado. Entendeu a dita personalidade precisar em comunicado o sentido da sua saída, o que se bem me recordo é inovador ao nível de secretários de Estado, mas afinal ele tinha a inovação e o empreendedorismo como área de atuação: “Deixo o Governo com a mesma atitude e postura de que quando cheguei. Sempre encarei esta missão de serviço ao país como algo com princípio, meio e fim. Como é conhecido, sou um empreendedor e é aí que retorno”. Até aqui tudo bem. Mas não ficou por aqui o comunicado. Citando o Jornal de Negócios: “Carlos Nuno Oliveira diz que ‘foi com muita honra’ que integrou a equipa do Ministério da Economia e do Emprego ao longo dos últimos 18 meses, salientando que ‘foi um período de trabalho muito intenso’ durante o qual teve ‘o privilégio de ajudar a concretizar um conjunto de reformas sem precedentes’, como a reforma do licenciamento industrial, a reforma do capital de risco, os PME Crescimento 2012 e 2013, o PME capitalização, o PME obrigações e o alargamento de prazo das linhas PME Invest. Além disso, sublinha a sua colaboração no Programa estratégico para o empreendedorismo e a inovação, no Programa +empresas, na Agenda Portugal Digital e nos Instrumentos de Financiamento as empresas (6,5 mil milhões de euros) e no Portugal sou Eu.”
Devemos estar a falar de reformas invisíveis. Ou o ex-secretário de Estado tem um conceito de reformas algo original ou então o seu ego demolidor fá-lo prenunciar mudanças que tenho muitas dúvidas que as empresas em geral as tenham sentido.

EUROPEÍSMOS (I)

(Peter Brookes, http://www.thetimes.co.uk)
 
Apesar de toda a água que possamos querer pôr na fervura – ter-se-á tratado apenas de um momento de mera “mercearia” igual a tantos outros que a história europeia já conheceu ou ter-se-á finalmente traduzido numa espécie de “uma no cravo e outra na ferradura” visando o “dois em um” de acalmar os eurocéticos do Partido Conservador e de empurrar as grandes decisões bem lá para a frente –, a referência contida no discurso de Cameron a um referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia constitui inquestionavelmente a expressão de uma enorme ameaça que fica a impender sobre o futuro/a sobrevivência da Europa…

“WISHFUL THINKING”




 
Neste Janeiro, o traço do cartunista do El País “El Roto” (Andrés Rábago García) poderá ser interpretado como apontando para direções algo diversas e um pouco menos dramáticas. Por um lado, delinquentes a auditarem contas e bem motorizados mas já tendo o cárcere à vista. Por outro lado, operários forçados a serem parte da mentira que os envolve mas jovens a já assumirem a necessidade de uma mudança de perspetiva…

“SMOOTH SAILING”


 
Acedi à sua existência enquanto escritora nas minhas “encarnações” paulistas, de que já falei neste espaço, e li o seu promissor romance de estreia, “Os Fios da Memória” (1999). Pouco tempo depois, ganhava o “Prémio José Saramago” com “Sinfonia em Branco” (2001), que também percorri com gosto. Mas a melhor prova de que Adriana Lisboa então me agradou sem fascinar foi que me passaram despercebidos os seus seguintes “Um Beijo de Columbina” (2003), “Rakushisha” (2007) e “Azul-Corvo” (2010).
 
Há dias, o nome dela foi-me reativado pelos escaparates da FNAC e alguma nostalgia brasilense me fez folhear a edição portuguesa de “Azul-Corvo”, que depois percebi ser muito recente (2012). Comprei, li e adorei. A sua escrita amadureceu e refinou e Adriana Lisboa tornou-se, indubitavelmente, uma enorme romancista de língua portuguesa ou, como ela melhor diz, da “língua que herdámos do colonizador europeu e aclimatámos”. Combinando a dialética das emoções internas e externas numa irrepreensível dosagem de sobriedade e excesso, de rigor e criatividade…
 
Mágica a forma como nos apresenta os dois principais cenários por que se desdobra a história, curiosamente a sua terra natal e o estado americano onde atualmente vive – exemplificando: “Em Copacabana, Rio de Janeiro, havia baratas, amendoeiras, mosquitos, maresia, pombos. Igrejas. Supermercado Mundial, McDonald’s. Em Lakewood, Colorado, havia coelhos, cães-da-pradaria, corvos. Igrejas. SuperTarget. McDonald’s.”
 
Mágica também a forma como nos descreve a acostumação de Vanja a uma mudança radical e que é em tudo equivalente à por si própria experimentada. Em termos de crescimento pessoal (“estar ali era estar em trânsito” ou “marcando o meu território num território que não era meu”) ou quanto ao enquadramento com que se deparou, fisicamente (“foi a primeira vez na vida que me dei conta do tamanho relativo das coisas” ou “as árvores na rua pareciam uma inutilidade, uma tentativa malsucedida de comprovar alguma coisa incomprovável, o ar as engolia, o espaço as engolia”) ou culturalmente (“disse que não ia poder me chamar para a sua festa de aniversário porque sua mãe só deixava que ela chamasse quem já tivesse ido em sua casa pelo menos cinco vezes ou quem em cuja casa ela já tivesse ido pelo menos cinco vezes” ou “talvez aquela mulher nos lembrasse que é preciso fazer cerimónia com o mundo, que isto aqui não é de brincadeira”)…
 
Em suma, uma narrativa perfeita na sua descontínua estruturação de várias ações e processos, da busca do passado à descoberta da mãe, de Fernando como revelação que se constrói à avó como revelação que emerge, das pertenças íntimas aos relatos da história brasileira, da diáspora sem rumo de todos os personagens ao alcançar das iniciáticas referências vivenciais com que o livro termina.
 
Adriana, tal como ocorre com a sua Vanja, mostra-se hoje definitivamente capaz de combinar a ideia de não existir “um mundo mapeável” com a de que “navegar é preciso”. Ou seja, de um “smooth sailing”, cujo sentido é o de avançar sem dificuldades – “smooth era a qualidade lisa e acetinada das águas, sailing era o verbo da vela que inchava com o vento e cruzava oceanos inteiros”…

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

TUDO NA MESMA



A abertura do ano judicial teve de novo a marca do déjà vu, parecendo tratar-se de mais uma  daquelas tradições que se eterniza perante a nossa passividade. O bastonário Marinho Pinto avança com cobras e lagartos, denuncia situações escabrosas em torno da relação do governo com os tribunais de arbitragem e o populismo e propaganda governamental. A ministra esforça-se por demonstrar que não foi de facto um dos principais flops ou erros de casting deste governo. A Procuradora Geral da República, em termos não muito distintos do seu antecessor, reconheceu algumas das insuficiências, atrasos ou perplexidades de realidades sobre as quais exerce a sua tutela e acaba com a notícia da compra do Tribunal da Boa Hora para instalar o Centro de Estudos Judiciários. O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça fixa-se nas insuficiências da justiça portuguesa face por exemplo à evolução da justiça espanhola. O Presidente da República procura atirar para cima, destaca uma relação entre a justiça e a coesão social, parece ignorar os desvarios, mas na prática não está acima de toda aquela sessão, está simplesmente noutro registo.
A reação do cidadão comum já não é de perplexidade. Depois de uma sessão desta natureza nada se passa, como já não se passou no ano anterior. A reação é antes de simples indiferença. E com indiferença não há reatividade que potencie a mudança dos intervenientes protagonistas. Esta é uma boa ilustração dos vários impasses em que a sociedade portuguesa está mergulhada.

AO LADO…

 
Reporto-me ao meu palpite de ontem, impulsionado por uma intuição que me assaltara algumas horas antes de iniciada toda aquela deplorável gritaria com que fomos brindados das bandas do Partido Socialista. Intuição visivelmente falhada, agora que se conhecem as principais conclusões (?) da reunião da Comissão Nacional do PS que terminou já esta madrugada.
 
Em termos substantivos, a capa do Diário de Notícias de hoje diz o que parece essencial: “Costa mantém marcação a Seguro”. Tudo adiado, pois, para próximas núpcias (se a oportunidade a tal se proporcionar…). Com o não desprezível efeito de que o PS não irá aproveitar estes tempos menos pré-eleitorais para a sua própria reflexão e definição interna nem irá estar em adequadas condições para desempenhar um papel nuclear no contexto da eventual ocorrência de uma crise política.
 
Acrescem três motivos de razoável perplexidade: enquanto Seguro fez o que lhe cumpria fazer na defesa dos seus estritos interesses, porque terá permitido que a extemporânea sobre reação de muitos membros da sua entourage viesse tornar ainda mais patente a vulnerabilidade que os atinge? Não querendo crer em simples mau jeito da parte de dinossauros políticos da envergadura de Pedro Silva Pereira e Vieira da Silva, o que pretenderam eles afinal com o desencadear de tudo isto? Não aceitando a tese de alguns, segundo a qual Costa é uma espécie de novo Vitorino da área socialista, acreditará ele que Passos só irá estar verdadeiramente podre lá mais para 2015 e/ou que a vitória autárquica atribuível a Seguro irá ser menor do que por aí se vai prevendo?

PLATINI, O CASTO


Sob o grande título de capa “Qatargate”, a revista francesa “France Football” publicou ontem uma longa investigação em que adianta que o Qatar poderá ter comprado alguns votos que lhe asseguraram a atribuição da organização do Mundial de Futebol de 2022. Referindo-se a uma teia de influências e de trocas de favores e de dinheiro, a reportagem aponta também o conhecimento/envolvimento de figuras da FIFA e da UEFA.
 
Entre os episódios divulgados está um almoço realizado no Palácio do Eliseu poucos dias antes daquela decisão e em que participaram o anfitrião Sarkozy, o príncipe do Qatar, o presidente da UEFA e o presidente do Paris Saint-Germain. Dessa estranha confraternização veio a resultar, ao que parece, a mudança do sentido de voto da UEFA e, entre outros, a compra do clube parisiense pelos árabes e o financiamento destes da criação de um canal desportivo concorrente do então mal-amado “Canal Plus”.
 
No centro de toda esta win-win story, repleta de interesses cruzados, esse infatigável pregador da moral alheia que dá pelo nome de Michel Platini…

AMARCORD



Revisitar o universo fantasmagórico e excessivo de Fellini (como me tocam aqueles nevoeiros!) nas 5 noites, 5 filmes do canal 2, enquanto ele existe, é de facto o melhor remédio para ganhar fôlego para toda esta trapalhada que nos rodeia, incluindo a do PS. Depois de um Noites Brancas sublime de Visconti de ontem, o mergulho de Fellini no universo mussoliniano de uma Itália irreplicável surpreende-nos sempre. Não é que a alegoria de um transatlântico (o Rex) que emerge do nevoeiro no alto mar perante uma população embevecida continua viva?

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

UM PURO PALPITE


 
Juro que não tenho nenhum tipo de inside information sobre a matéria, mas admito que começo a ter um strong feeling de que algo poderá vir a ocorrer do lado de António Costa quanto a uma eventual candidatura à liderança do PS. Colocado entre a espada e a parede por obra e graça de alguns camaradas mais precipitados – ou será que não o foram? –, Costa irá optar por responder à aparente periclitância da sua atual situação com um lance de mestre?
 
Pensando em voz alta: e se Costa, após ter chegado ao incontestado estatuto de virtual vencedor das próximas eleições para a Câmara de Lisboa, viesse declarar que já fez o que era mais relevante para a cidade – o saneamento estrutural da sua situação financeira – e que entende agora prioritário contribuir com a sua experiência para o enfrentamento dos graves problemas que afetam o País?
 
Desconheço qual o grau e a solidez do controlo sobre o aparelho do Partido que se diz detido por António José Seguro. Mas, quaisquer que eles sejam, as cartas parecem cada vez mais marcadas e nem o secretário-geral nem os seus opositores têm grande alternativa. Aquele só será um dia primeiro-ministro se forçar a clarificação já, decidindo-se pelo agendamento de um combate imediato – se alguém a ele se quiser realmente abalançar – e em condições que lhe concedem aliás algum favoritismo. O seu alegado adversário só será um dia primeiro-ministro se arriscar agora, decidindo-se por saltar do conforto da bancada para o terreno de jogo e qualquer que venha a ser o resultado imediato.
 
Para lá da algazarra dos comentários, do zumbido dos mentideiros e do silêncio das maquinações, quem revelará ter mais unhas políticas para tocar esta guitarra portuguesa… e socialista?

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

SENSATEZ



Por razões de intensa ocupação profissional não me foi possível estar na Conferência “Para uma Reforma Abrangente da Organização e Gestão do Setor Público”, organização conjunta do Banco de Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian e o Conselho de Finanças Públicas e penalizo-me por isso.
Nessa medida, a intervenção inicial de Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal, é para já o único material de reflexão. A palavra que me ocorre depois de ler atentamente a intervenção, ainda marcada por um DRAFT que cruza todo o documento, é SENSATEZ. E não é uma palavra vã, atendendo sobretudo ao estrilho e ruído insensato com que o problema da reforma do Estado foi indevidamente conectado com a questão do corte de 4.000 milhões de euros na despesa pública, aparentemente prometido a uma TROIKA desvanecida com governo tão solícito e alinhado. A intervenção de Carlos Costa é uma tentativa de colocar a discussão nos antípodas do estrilho e da precipitação com que o tema foi colocado na agenda política. Fortemente apoiada em alguns focos de interesse da moderna economia pública, a abertura de reflexão lançada por Carlos Costa é um convite sensato e fundamentado para que não se ignorem os vícios que conduziram ao descontrolo das contas públicas, mas que se tenham igualmente em conta o tempo, o método e os recursos que as mudanças em discussão exigem: “Em primeiro lugar, as mudanças de paradigma exigem tempo, método e recursos. Procurar corrigir num curto espaço de tempo fragilidades acumuladas ao longo de muitos anos é simplesmente irrealista. Há que fazer um diagnóstico aprofundado dos problemas existentes antes de avançar com a implementação de soluções. Há que construir uma visão – saber onde queremos chegar – e definir uma estratégia para a alcançar”.
Estou com curiosidade em apreender até que ponto a reflexão científica internacional mobilizada para a Conferência terá em conta a profunda crise em que o “New Public Management” se encontra. Não é coisa pouca num país em que o conhecimento chega tarde e que quando chega é aplicado já quando na origem se encontra em profunda reconsideração. A aproximação aos modelos da gestão privada que tanto anima as mentes de alguns dos nossos gestores públicos não pode deixar de integrar os resultados da avaliação desses modelos nos países em que foram originalmente ensaiados. Não há razão nenhuma para que estejamos condenados a usar ideias obsoletas ou já transformadas, tal como equipamento obsoleto ou de qualidade baixa. Afinal, a vantagem de ser um “late comer” (partir em último lugar) não é precisamente a de poder utilizar a bicicleta de última geração?