quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

AINDA A QUESTÃO DA COMPETITIVIDADE



A Comissão Europeia iniciou recentemente (Fevereiro 2012), com a publicação dos primeiros materiais e relatórios, mais um processo de controlo (?) da evolução macroeconómica dos países. Chama-se “Mecanismo de Alerta” (dos desequilíbrios macroeconómicos) e tem a vantagem de sistematizar informação estatística relevante comparativa sobre os países da UE. O quadro de bordo estatístico reunido para esse efeito (Macroeconomic Imbalance Procedure (MIP) Scoreboard), passa a constituir um instrumento de trabalho que vale a pena seguir com regularidade.
Uma das vantagens do Scoreboard disponibilizado é permitir a consulta de diferentes indicadores sobre a competitividade dos países. Assim, para além dos já aqui referidos indicadores sobre a evolução do custo unitário de trabalho, é publicada informação sobre a evolução da quota mundial que cabe ao país nas exportações mundiais, que constitui um indicador de resultado dessa competitividade.
Rebecca Wilder no The Wilder Review refere-se a um indicador de construção simples que permite uma leitura sugestiva da competitividade como resultado. Para um conjunto de 12 países sob vigilância macroeconómica, compara-se a quota nas exportações mundiais do país avaliada em percentagem da quota das exportações mundiais do grupo dos 12 com a quota de população que o mesmo país representa no mesmo grupo dos 12. O país é considerado competitivo se esse indicador é superior a 1, refletindo que a quota de exportação supera a do peso demográfico. Simples e direto conforme convém neste tipo de informação.
O gráfico que abre este post revela a posição desfavorável de Portugal. No grupo dos 12, Portugal tem a companhia da Espanha, Itália, Grécia e, com alguma surpresa ou talvez não, a França. A Irlanda destaca-se pela positiva e evidencia que no conjunto dos países atingidos pela dívida soberana tem um potencial de exportação que não tem paralelo nos restantes. Apesar disso, a recuperação do crescimento económico irlandês está longe de corresponder a essa base de partida aparentemente mais favorável.
A situação portuguesa pode ser explicada pela sistemática perda de quota nas exportações mundiais que se tem verificado nos últimos anos. O gráfico abaixo descreve as taxas de variação (média de 5 anos) a quota das exportações portuguesas nas exportações mundiais e conforme é visível têm sido sistematicamente negativas. Como é compreensível, essas quedas foram mais fortes a partir do eclodir da crise mundial (2008). Mais uma evidência que existe de facto um problema de competitividade e que esse problema se agravou com a crise internacional.

EUROPA ILUSTRADA 2012 (II)

Com a devida vénia aos autores e aos jornais de publicação [respetivamente, Ilias Makris em “Kathimerini”, Atenas (http://www.kathimerini.gr), Stephane Peray (Stephff) em “Nation”, Singapura (http://www.nationmultimedia.com), Peter Schrank em “The Independent” (http://www.independent.co.uk), Londres, Adams em “The Telegraph” (http://www.telegraph.co.uk), Londres, John Berkeley em “The Economist”, Londres (http://www.economist.com) e Bernardo Erlich em “El País”, Madrid (http://www.elpais.com)], aqui fica uma síntese ilustrada deste Fevereiro europeu dominado pelo drama grego, por uma Europa infantilizada e em permanente busca de “a way out of the woods” e pela indisfarçável pujança dos chamados “mercados”.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A HIPOCRISIA DA STANDARD & POOR’S

(http://www.facebook.com/photo.php?fbid=1895823406208&set=o.189968061047085&type=3&theater)


Ainda no Jornal de Negócios de hoje, uma pequena notícia que vale a pena focar, que mostra bem a incomodidade crescente com que os chamados “mercados” e as suas instituições de cobertura e cumplicidade como são as agências de rating começam a reagir às terapias da austeridade. Diria que se trata de um gradualismo que creio ser a primeira vez aparecer em letra de forma, anunciando a meu ver a referida incomodidade.
Reza assim a nota do Negócios, tendo por base uma conferência de Moritz Kraemer, responsável pelos ratings de dívida soberana para a Europa:
  • “A Standard & Poor’s alerta que o risco real para a Zona Euro é se os países forçarem demais para implementarem medidas de austeridade, o que pode resultar em mal-estar económico e agitação social”;
  • O risco real é se os pressionarem muito”, afirmou durante uma conferência, citado pela Dow Jones, um dia depois da agência de notação financeira ter anunciado um corte de “rating” para a Grécia, colocando a dívida de Atenas num patamar de “incumprimento selectivo”
Teremos entrado numa nova era de discurso sobre a austeridade como pretensa forma de acalmia dos mercados: pressionar sim, mas não muito, por conseguinte uma nova ciência de aplicação da austeridade, o gradualismo, não se sabe bem com que critério de aplicação. Imagina-se pela notícia que aplicado em função da dimensão política dos impactos: “O risco de ir por um caminho mais "populista" é maior porque os países tiveram de implementar medidas de austeridade para tentarem corrigir as contas. E com eleições à porta, há o risco de se tomarem medidas que vão contra as necessidades atuais”. Ah! Afinal os mercados atuam sempre num dado ambiente político-institucional. Há quem pretenda que não.

PERGUNTAR NÃO OFENDE

Diz o JN de hoje que já andam pelas instalações da Rua Rainha D. Estefânia os dois vice-presidentes da CCDR-N, Álvaro Carvalho (engenheiro civil, escolhido pela quota do PSD) e Carlos Neves (engenheiro mecânico e dirigente do CDS de Braga), acompanhando o também novel presidente, Duarte Vieira. A ser assim, e tudo o indica, cabe então perguntar: porque terá o CDS resistido à indicação do nome, dado como certo, do atual gestor do PON, Carlos Duarte? Será verdade que Paulo Morais foi convidado para ocupar um daqueles dois lugares e que aceitou? Se sim, porque terá Passos deixado cair o nome de Paulo Morais? Até que ponto se gerou um mal-estar no PSD ou existiu por lá uma irritação (autárquica) suscitada por essa indigitação? E, acima de tudo, quem explica o “matching” entre os elementos curriculares destas personalidades e as qualificações requeridas pelas relevantes funções institucionais e pelas exigentes responsabilidades políticas que agora são chamados a assumir?

A TROIKA E OS SERVIÇOS DE REDE E PROTEGIDOS




Nada de particularmente estimulante na nota distribuída à comunicação social e que aparentemente substituiu a penosa (para nós portugueses) conferência de imprensa das três instituições que subscrevem o acordo de resgate financeiro da economia portuguesa. No meio da avaliação de que o “programa está no bom caminho” (segundo claro está os princípios subjacentes ao programa e não segundo uma perspetiva abrangente dos seus impactos), já não se disfarça, pelo menos, o peso dos efeitos recessivos, assinalando o esperado aumento do desemprego e do número de falências empresariais. Para além disso, há finalmente uma referência ao nó górdio da ausência de crédito para as empresas com maior potencial de crescimento, mesmo que nada de concreto se avance sobre o modo de superar esse constrangimento crucial.
Mas na minha perspetiva, o elemento mais relevante a assinalar prende-se com a referência “aos “elevados preços dos bens não transacionáveis” que “reduzem a competitividade externa e geram encargos socialmente injustos para consumidores e contribuintes” (cito da cobertura que o Jornal de Negócios concede ao tema). Poucos economistas em Portugal têm equacionado este constrangimento à competitividade. Em termos demasiado técnicos para expor completamente neste espaço, os preços de serviços (como os serviços de rede e protegidos) relativamente elevados ao exterior penalizam a competitividade já que tendem a apreciar a taxa de câmbio real das economias que os suportam. Estou particularmente à vontade para sublinhar este facto, pois nos trabalhos de avaliação do QCA III (2000-2006), que tive o prazer de coordenar em 2003 e 2005 no âmbito da Quaternaire, fui dos poucos economistas em Portugal a denunciar esse tipo de constrangimento, aliás retomada por mim em entrevista para a revista Exame que já não consigo situar em termos de data rigorosa. Aliás, esse comportamento dos preços nesse tipo de serviços acomoda ineficiências e também o nível de salários de quadros aí praticados anormalmente elevado face ao nível de desenvolvimento económico do país. Esse nível salarial não é suportável pela generalidade do setor exportador e, por essa via, assistiu-se a um efeito de rapina dos recursos humanos mais qualificados do setor exportador para o setor dos não transacionáveis, neste caso, para os serviços de rede e protegidos da concorrência internacional. O centralismo terciário da capital alimenta-se fortemente deste fenómeno. Coisa pouca e considerada irrelevante por grande parte da inteligência nacional. Por que razão? Simplesmente, porque esses serviços estão dominados por uma elite de bloco central que já vai em descendência direta de pais para filhos e colaterais.
Ora, aqui está uma das poucas reformas estruturais em que o meu conceito de mudança estrutural coincide com o da Troika.

DE BANCOS E SIMILARES

Joaquín Almunia, Comissário Europeu da Concorrência, recordou há dias os números: desde a falência da Lehman Brothers, em Setembro de 2008, a Comissão Europeia e a sua DG intervieram já em 42 operações de reestruturação ou resolução de bancos e têm atualmente mais 23 em negociação; os valores em causa ainda só estão disponíveis até final de 2010, mas bastam para indicar a enormidade da respetiva ordem de grandeza – os governos europeus terão utilizado um montante de 1,6 biliões de euros (equivalentes a mais de 13% do PIB da UE) em ajudas aos seus bancos, sendo que três quartos foram aplicados em garantias e medidas de liquidez (quase 1,2 biliões) e que os restantes 400 mil milhões corresponderam a injeções de capital público para o tratamento de imparidades em ativos. O último “Informe Mensual” da “La Caixa” sintetiza esta informação nos termos do primeiro gráfico acima reproduzido (clicar sobre o gráfico para melhor visualização), acrescentando-lhe o impacto nas contas públicas (os passivos dos Estados terão crescido em mais de 640 mil milhões de euros, sendo 70% emissões de dívida, contra um crescimento superior a 560 mil milhões dos ativos, sendo 40% participações financeiras).

As somas envolvidas falam por si, pecando necessariamente por defeito se tivermos ainda em consideração as disponibilidades resultantes da política macroeconómica do BCE, quer em recorrentes injeções de liquidez (ver o segundo gráfico, retirado do diário espanhol “Expansión”, sobre as suas compras acumuladas de dívida da Zona Euro) quer em recentes esforços visando reforçar a margem de manobra das entidades financeiras da Zona Euro através de LTROs (“longer-term refinancing operations”) com taxas de juro em torno de 1% para empréstimos a 3 anos: 489,4 mil milhões de euros realizados após a primeira oferta (22 Dezembro 2011) e em torno de mais 500 mil milhões estimados para concretização ao abrigo da segunda oferta (ilimitada) que foi esta semana anunciada.

Conclusões e interrogações: (i) se fossem somáveis, os montantes dos quatro resgates até agora ocorridos na Zona Euro ascenderiam a um total de 403 mil milhões de euros (240, 85 e 78 para Grécia, Irlanda e Portugal, respetivamente) – não basta fazer as contas? (ii) tudo aquilo foi justificado pela imperiosidade de os bancos poderem prosseguir a sua função central de olearem o sistema produtivo através do crédito às empresas e às famílias – quid? (iii) como não compreender a perplexidade cidadã, tão ingenuamente sintetizada por El Roto (“El País”,
http://www.elpais.com)?

OSTRAS E CHOUCROUTE

Ulrich Beck é um sociólogo alemão, professor na Universidade de Munique e na LSE (“London School of Economics”), que tem vindo a problematizar a evolução das sociedades modernas. Conceitos como os de “sociedade do risco” ou de “cosmopolitismo” contam-se entre os seus contributos teóricos mais relevantes. A globalização, o desenvolvimento e a construção europeia situam-se na confluência das suas principais preocupações. Um autor a revisitar neste espaço, até pelo potencial de aplicabilidade de várias das suas hipóteses de trabalho à tentativa de se encontrarem respostas pertinentes a algumas das questões que aqui tenho procurado pôr em equação.

Hoje, limito-me a explorar algo mais prosaico, um curioso artigo recente (
http://lemonde.fr/idees/article/2012/02/06/l-huitre-et-la-choucroute-ou-l-impossible-fusion_1639435_3232.html) em que Beck ilustra a defesa da sua “visão cosmopolita” por via da ideia “inconcebível” de uma “união entre França e Alemanha” que daria lugar a uma RFA (República Francesa da Alemanha). Não, não se trata de dar uma mão a esse “petit Nicolas” sempre aos saltinhos em volta de Angela ou, mais seriamente, a esse candidato presidencial subitamente rendido aos encantos do modelo germânico; trata-se precisamente do contrário, como passo resumidamente a explicar.

Sustentando que a visão nacional, ainda dominante no momento presente, se limita a avaliar ganhos e perdas, a perspetivar relações de dominação, a satisfazer-se com o nivelamento das diferenças –, Beck interroga: “como fazer da vontade de amar e viver as diferenças franco-alemãs o fundamento de uma comunidade cosmopolita das democracias? Seria possível que as soberanias conjuntas da França e da Alemanha multiplicassem ao mesmo tempo o poder e a democracia nesses países?”

O exercício que é proposto consiste em – não afastando a graça nem rejeitando a utopia, como decorre da imagem sugerida de uma impossível fusão entre as ostras e a “choucroute” – “brincar com a imaginação e a ironia políticas”, num vaivém que assume valorizar a exploração do potencial associado ao forjar de uma “nova realidade” (centrada em reforço mútuo e sucesso comum) contra o instalado “mito retrógrado”, alimentado pela “mentira nacional das elites”, de um “regresso ao idílio do Estado-nação”.

A tese central que subjaz é, assim, a seguinte: “no mundo atual, o nacionalismo tornou-se o inimigo das nações e dos seus interesses”. Ou seja, a de que “não há resposta nacional, separada, para as questões que (re)ocupam o nosso mundo: a crise financeira, a crise do euro, as mudanças climáticas, os movimentos migratórios, a miséria no mundo, a proteção social e a defesa dos direitos fundamentais nos outros Estados.” Toda uma desafiante agenda que ainda largamente aguarda pelo devido preenchimento…

KRUGMAN EM LISBOA



No seio de tanta iliteracia económica, causaram algum alarido as palavras de Krugman em Lisboa. Sucintamente, o que foi entendido como uma contradição insanável foi a afirmação simultânea da defesa da não austeridade para o momento atual da política europeia e a ideia de que os salários em Portugal devem descer cerca de 30% em relação à Alemanha para podermos recuperar competitividade e ambicionar a aumento de quota no comércio internacional. Tudo isto num dia em que as exportações estiveram sob escrutínio, merecendo mesmo do Primeiro-Ministro a afirmação de que o exportador terá já superado a situação de crise. Mas de facto não há contradição nas palavras de Krugman.
A denúncia sobre os perigos da austeridade europeia é coerente e tem em consideração que os países atingidos pela crise das dívidas soberanas necessitam que a política europeia contrarie o mais possível a recessão instalada, embora “amena” como alguns observadores bondosos procuram assinalar. A assunção de um contexto de contração fiscal para toda a União Europeia e para a zona euro em particular prolongará o clima recessivo e tenderá a fazer diminuir o eventual impacto positivo sobre os mercados da dívida que a disciplina fiscal poderia provocar.

A referência ao caso português tem como pano de fundo a conhecida evolução desfavorável do custo unitário em trabalho da economia portuguesa face à economia alemã (ver gráfico OCDE acima apresentado). Este indicador é fruto de duas forças: os custos salariais e a produtividade. Ora, é essencialmente a produtividade que tem deteriorado o referido indicador. A economia portuguesa cometeu a “proeza” de mesmo em períodos de menor crescimento dos salários nominais perder competitividade e ver subir o custo unitário em trabalho. E porquê? Pelo péssimo comportamento da produtividade. Ora, o que Krugman vê é alguma incapacidade de fazer disparar essa produtividade, fazendo fé nos números mais recentes da economia portuguesa e por isso reconhece que, nessas condições, em termos macro e médios a recuperação do custo unitário em trabalho exigirá alguma diminuição salarial, relativa se os salários na Alemanha evoluírem mais proporcionalmente, absoluta no caso de isso não acontecer.
Como é óbvio, neste argumento macro não há espaço para uma possibilidade real: as exportações portuguesas penetrarem faixas de preços mais compensadores (pela sua qualidade intrínseca) e com esse ganho na cadeia de valor poderem também influenciar positivamente a produtividade. Essa mudança estrutural do perfil de especialização português pode acontecer mas é necessariamente um processo lento e não garantirá a curto prazo a desejada recuperação da competitividade.
Mas Krugman não analisa de facto o risco de uma desvalorização salarial poder comprometer os índices de inovação, pela via do incentivo a combinações produtivas recorrendo a quantidades mais elevadas de trabalho barato. É o que chamamos desvantagem comparativa dinâmica que pode anular a prazo os aumentos de competitividade salarial a curto prazo. E no momento em que a economia portuguesa se encontra não é risco para ser ignorado.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

DE VOLTA À DURA REALIDADE

“Milliarden für Griechen – STOP!”, grita o cabeçalho do “Bild” – que se diz ser o mais lido dos jornais alemães – desta manhã. Neste mesmo dia em que o “Bundestag” vai votar o segundo pacote de resgate e em que um ministro desalinha publicamente, pela primeira vez, da versão oficial ao declarar em entrevista ao “Der Spiegel”: “não estou a falar de expulsar a Grécia do euro, mas sim de criar estímulos para uma saída que a Grécia não possa recusar”.

Aquele tabloide explica ainda que “a Europa está a despejar dinheiro para um barril sem fundo” – seguindo na esteira desse estranho Schäuble que, além de afirmar que “não existem garantias” quanto ao sucesso do segundo pacote e que “pode não ser a última vez que o Bundestag tenha de considerar a ajuda financeira”, usara dias antes a expressão “poço sem fundo” – e dá conta de uma sondagem segundo a qual, e respetivamente, quase dois terços e 62% dos alemães estarão convencidos de que a Grécia não pode ser salva da bancarrota e prefeririam que o seu parlamento votasse “não” esta tarde.

A realidade é esta, pois. Com a agravante de que, como bem avisou José Pacheco Pereira (JPP, acima caricaturado por Fernão Campos em
http://ositiodosdesenhos.blogspot.com) na última ”Quadratura do Círculo”, “o problema na Grécia está a mudar de caráter”. Ou, mais concretamente: “A Grécia é um país complicado, com uma história complicada, e o que a Europa está a fazer é fazer deslocar a reação dos gregos das questões sócio-económicos – que já eram o suficiente para uma reação muito considerável – para uma questão nacional”. Para concluir, num louvável esforço de interpretação/compreensão: “Das duas, uma: ou as pessoas consideram que há racionalidade da política europeia, e essa racionalidade é correr com países como Portugal e a Grécia do Euro e da Europa – e essa política está a ser conduzida com dolo, com má-fé –, ou então é uma política completamente caótica, feita pelos maiores incompetentes que alguma vez se viu sobre a Terra – o que eu também duvido que sejam – e cujo resultado é um caos.”

JPP não se coibiu ainda de deixar, em semana de Conselho Europeu, uma espécie de pré-aviso adicional. Que merece o devido registo, sobretudo se admitirmos que se trata de algo que poderá servir “para mais tarde recordar” (ou lamentar?): “Nós vamos assinar o chamado 'Pacto Orçamental' que implica uma redução brutal da nossa dívida externa (…) e um défice de 0,5%. Nós vamos assinar, vamos assinar de cruz, ou seja, vamos assinar um documento que pode permitir por-nos na rua da Europa e do Euro.” Até dói…

“AS GRAVURAS NÃO SABEM NADAR, IÔ!”

Regresso da oportunidade de um regresso ao Douro e, em especial, ao Côa. Impossível evitar a memória de tempos já bem distantes. Impossível, ainda, evitar o contraste, constatando progressos e adquiridos.

Refiro-me, em primeiro lugar, aos idos de 1995, período em que foi viva a polémica: avançar com a construção pela EDP de uma barragem no vale do Côa ou preservar os achados arqueológicos aí descobertos em 1994? Com a sua proverbial sensibilidade cultural, o primeiro-ministro da época (e atual Presidente da República) manifestava-se “esperançado em que a evolução técnica permita compatibilizar a preservação das gravuras de Foz Côa com uma barragem”, posição que também fazia veicular pelo seu sub-secretário de Estado da Cultura Manuel Frexes enquanto outros membros do seu Governo defendiam a barragem – de Mira Amaral, ministro da Indústria e Energia, a Poças Martins, secretário de Estado
do Ambiente e do Consumidor. Ao invés, o Presidente da República de então, Mário Soares, afirmou-se como o grande defensor da cultura e do património (“não deixar submergir as gravuras”, porque "as gravuras não sabem nadar, iô!"), situação que viria a prevalecer após a vitória eleitoral de Guterres e a rápida decisão do seu Governo no sentido de suspender a construção da barragem e de valorizar aquele que viria a ser considerado como “o mais importante sítio com arte rupestre paleolítica de ar livre”: classificação como Monumento Nacional (1997) e como Património da Humanidade da UNESCO (1998).

Refiro-me, em segundo lugar, ao presente, após este fim de semana em que voltei ao local. Onde – para além dos mais de setenta sítios em que mais de mil rochas exibem predominantemente gravuras do Paleolítico Superior (executadas entre 31000 e 10000 anos BP), visitáveis com recurso a guias especializados – pontua agora o belo Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa – um monólito com janelas em frestas, semi-enterrado e com oito metros de altura na vertente virada para o vale do Douro, idealizado por dois jovens arquitetos do Porto, Tiago Pimentel e Camilo Rebelo, e cujas excelentes logística e conteúdos contribuem significativamente para o conhecimento do espólio artístico disponível (através de réplicas das gravuras originais, informação interactiva e mostras de objetos e vestígios diversos). Onde a paixão, a motivação, o profissionalismo e a sabedoria se combinam exemplarmente em tantos atores espalhados pelo terreno e sinteticamente representáveis na dedicação ímpar de um expoente como António Martinho Baptista.

É assim que vir do Côa, hoje, exige denunciar a ignorância e a teimosia, felizmente quase em vias de extinção. Porque se podem ser relevados os erros (?) de interpretação e análise à época – como, por exemplo, os de Constança Cunha e Sá e António Ribeiro Ferreira num “Independente” que falava em “fraude” ao sublinhar que as “gravuras de Foz Côa só têm 100 a 3000 anos” –, o mesmo não sucede com quem persiste em negar evidências – como o acima referido Mira Amaral quando ainda fala de um “disparate” e de um "grupeiro de paleolíticos" ou como Miguel Sousa Tavares quando ainda se refere a “uns tacanhos rabiscos numas pedras”!

Mas, e sobretudo, vir do Côa hoje pressupõe louvar os que acreditaram, os que resistiram, os que decidiram e os que souberam construir. Todos tendo sido parte de um processo cujo mais importante simbolismo reside em nos mostrar a força de possíveis que assentem em causas e na expressão de vontades coletivas. O que não deixa de ser gratificante, e até mesmo estimulante, nos tempos de desânimo que atravessamos...

domingo, 26 de fevereiro de 2012

EMPRESÁRIOS GREGOS ASSUMEM-SE



Na antecâmara das decisões sobre a aprovação do segundo resgate financeiro à economia grega, a União Europeia está sob forte pressão, a partir de várias origens.
A mais curiosa vem de publicidade paga por um grupo de empresários gregos e publicada nos principais jornais económicos sob o título “Deem uma oportunidade à Grécia”. Segundo o FT, o grupo que se autodesigna de “A Grécia está a mudar” tem como estratega de marketing Peter Economides, conhecido por ter dirigido a campanha da Apple “Pense diferente” em 1997. A curiosidade está no facto da classe empresarial grega até aqui ter passado despercebida das tomadas de decisão públicas, provavelmente atuando ao nível dos bastidores. Esta tomada de decisão e os termos em que é proferida anuncia um posicionamento diferente, a que não é alheia a presença de outras forças de pressão sobre a decisão no Eurogrupo.
A primeira fonte de pressão provém da própria pressão sobre o FMI para manter e não aumentar o seu nível de envolvimento atual na crise das dívidas soberanas. Esta pressão indireta sobre o FMI traduz principalmente a emergência de uma nova relação de forças no interior da instituição, com as economias emergentes a pretenderem assumir uma posição que, neste momento, a influência europeia tem conseguido controlar, mas não por muito tempo. Tudo isto se passa nas vésperas de reunião do G20, que procura falar para dentro da instituição FMI e pressionar as instituições europeias a assumir as suas próprias responsabilidades, reforçando entre coisas a dimensão do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Tudo isto faz também parte de uma longa transição para uma nova ordem económica internacional (por vezes o fora de moda volta a ser in), na qual a União Europeia tem feito tudo para se desacreditar e perder peso e influência.
Sob este ambiente de pressão acrescida sobre as instituições europeias, temos posições de toda a natureza, revelando que mesmo ao nível do G20 a diversidade de posições anuncia uma peculiar forma de governação mundial. Destaco neste contexto a posição já por várias vezes sublinhada neste blogue de que a carência de criação de crédito é uma ameaça ao crescimento global, assumida pelo Institut of International Finance que federa os maiores bancos mundiais.