No rescaldo do grave incidente cipriota, a “construção europeia” prosseguiu este mês a sua interminável saga e infeliz sina. Enquanto o Eurogrupo, presidido pela estranhíssima figura que é esse “jovem Jeroen”, ia pondo mais umas florezitas na campa rasa da união bancária, outra nudez foi sendo destapada – desta vez, nos bancos luxemburgueses e na economia eslovena. Será um dia atingido o motor alemão?
terça-feira, 30 de abril de 2013
“A DITADURA DO MONETARIADO”
Confessem, frequentadores deste espaço de partilha, a falta que já sentiam de “El Roto” (Andrés Rábago García), cartunista do El País! Pois dele aqui fica uma seleção, necessariamente subjetiva, do melhor destes dois meses. Com destaque para a inspirada “ditadura do monetariado”, mas incluindo também as pessoas enquanto demografia e uma espécie de marketing mix em torno da eficácia do mercado, da marca Espanha e do papel dos livros...
segunda-feira, 29 de abril de 2013
HABERMAS, A CRISE EUROPEIA E A SOLIDARIEDADE ALEMÃ
Chegam-me ecos de uma recentíssima conferência (“Democracia, Solidariedade e a Crise Europeia”) de Jürgen Habermas na KUL (Universidade Católica de Lovaina), perante uma audiência de mais de 1200 pessoas.
A leitura integral da comunicação (ver em http://www.kuleuven.be/communicatie/evenementen/evenementen/jurgen-habermas/en/democracy-solidarity-and-the-european-crisis) é obviamente insubstituível, mas caio na tentação de alguns sublinhados tendencialmente vulgarizadores.
Começa assim: “A União Europeia deve a sua existência aos esforços de elites políticas que puderam contar com o consentimento passivo das suas mais ou menos indiferentes populações enquanto os povos puderam olhar a União como sendo, tudo considerado, do seu interesse económico. A União legitimou-se aos olhos dos cidadãos primariamente através dos seus resultados e não tanto pelo facto de corresponder à vontade política dos cidadãos.”
E, após sublinhar que “o que une hoje os cidadãos europeus são as mentalidades eurocéticas que se tornaram mais pronunciadas em todos os países membros durante a crise, embora por razões diferentes e bastante polarizadas em cada país”, Habermas não hesita em afirmar que “o atual curso da gestão da crise é, em primeiro lugar, empurrado e implementado pelo vasto campo de políticos pragmáticos que perseguem uma agenda incrementalista mas carecem de uma perspetiva abrangente” e onde a defesa de “mais Europa” decorre de quererem “evitar a alternativa muito mais dramática e presumivelmente mais cara do abandono do euro”.
Aqui chegado em termos de diagnóstico de fundo, o filósofo e sociólogo alemão propõe-se seguidamente três grandes objetivos. O primeiro é o de “explicar o provável dilema tecnocrático em que este projeto se deixou enredar”. O segundo corresponde a “expor passos alternativos visando uma democracia supranacional no coração da Europa e os obstáculos que teríamos de remover nesse caminho”. O terceiro pretende “uma clarificação do difícil, embora genuíno, conceito político” de solidariedade, cuja falta constitui o maior daqueles entraves.
A identificação do “dilema tecnocrático” em que estamos enredados toma por ponto de partida um roadmap que as instituições europeias traçaram, num documento de finais de 2012 (COM/2012/777/FINAL/2), com vista a desenvolver uma “União Económica e Monetária Profunda e Genuína”. Este aponta como causa da crise “o deficiente desenho de uma união monetária”, propõe a sua reforma em três eixos (coordenação fiscal, orçamental e económica; um orçamento europeu; alguma mutualização da dívida dos Estados) e privilegia a expansão das capacidades de governação a curto e médio prazo sobre um alargamento das bases de legitimação democrática (que surgem como uma “luz ao fundo do túnel”, subsequente às reformas). Ou seja, “de um lado, as políticas económicas requeridas para preservar o euro e, do outro, os passos políticos para um aprofundamento da integração”, assim se aproximando a União Europeia do “ideal dúbio de uma democracia conforme ao mercado” ainda mais impotentemente exposta aos imperativos dos mercados por falta de uma âncora na sociedade civil.
A leitura integral da comunicação (ver em http://www.kuleuven.be/communicatie/evenementen/evenementen/jurgen-habermas/en/democracy-solidarity-and-the-european-crisis) é obviamente insubstituível, mas caio na tentação de alguns sublinhados tendencialmente vulgarizadores.
Começa assim: “A União Europeia deve a sua existência aos esforços de elites políticas que puderam contar com o consentimento passivo das suas mais ou menos indiferentes populações enquanto os povos puderam olhar a União como sendo, tudo considerado, do seu interesse económico. A União legitimou-se aos olhos dos cidadãos primariamente através dos seus resultados e não tanto pelo facto de corresponder à vontade política dos cidadãos.”
E, após sublinhar que “o que une hoje os cidadãos europeus são as mentalidades eurocéticas que se tornaram mais pronunciadas em todos os países membros durante a crise, embora por razões diferentes e bastante polarizadas em cada país”, Habermas não hesita em afirmar que “o atual curso da gestão da crise é, em primeiro lugar, empurrado e implementado pelo vasto campo de políticos pragmáticos que perseguem uma agenda incrementalista mas carecem de uma perspetiva abrangente” e onde a defesa de “mais Europa” decorre de quererem “evitar a alternativa muito mais dramática e presumivelmente mais cara do abandono do euro”.
Aqui chegado em termos de diagnóstico de fundo, o filósofo e sociólogo alemão propõe-se seguidamente três grandes objetivos. O primeiro é o de “explicar o provável dilema tecnocrático em que este projeto se deixou enredar”. O segundo corresponde a “expor passos alternativos visando uma democracia supranacional no coração da Europa e os obstáculos que teríamos de remover nesse caminho”. O terceiro pretende “uma clarificação do difícil, embora genuíno, conceito político” de solidariedade, cuja falta constitui o maior daqueles entraves.
A identificação do “dilema tecnocrático” em que estamos enredados toma por ponto de partida um roadmap que as instituições europeias traçaram, num documento de finais de 2012 (COM/2012/777/FINAL/2), com vista a desenvolver uma “União Económica e Monetária Profunda e Genuína”. Este aponta como causa da crise “o deficiente desenho de uma união monetária”, propõe a sua reforma em três eixos (coordenação fiscal, orçamental e económica; um orçamento europeu; alguma mutualização da dívida dos Estados) e privilegia a expansão das capacidades de governação a curto e médio prazo sobre um alargamento das bases de legitimação democrática (que surgem como uma “luz ao fundo do túnel”, subsequente às reformas). Ou seja, “de um lado, as políticas económicas requeridas para preservar o euro e, do outro, os passos políticos para um aprofundamento da integração”, assim se aproximando a União Europeia do “ideal dúbio de uma democracia conforme ao mercado” ainda mais impotentemente exposta aos imperativos dos mercados por falta de uma âncora na sociedade civil.
A alternativa advogada a uma “integração adicional sob o presente modelo do federalismo executivo” passa por “uma decisão consistente de expandir a União Monetária Europeia para uma União Política”, passo que significaria “uma séria diferenciação da União entre um centro e uma periferia”. Neste quadro, “a ideia de que os Estados-Nação são ‘os sujeitos soberanos dos tratados” teria de ser abandonada” e verificar-se-ia “uma mudança da intergovernamentalização para o método comunitário”, sem prejuízo de os Estados membros manterem a sua integridade. Mas esta evolução não será fácil e as chaves do destino da União Europeia estão basicamente nas mãos de uma Alemanha (“se há um governo, entre os Estados membros, capaz de tomar a iniciativa de rever os tratados, esse é o governo alemão”) cujo interesse nacional passa por “evitar permanentemente o dilema de um estatuto semi-hegemónico que dificilmente pode ser mantido sem um deslizamento para conflitos”, assim não podendo “sucumbir às fantasias de poder de uma ‘Europa Alemã’ em vez de uma ‘Alemanha na Europa’”.
Quanto à solidariedade, abdico aqui da argumentação filosófica para me centrar em pressupostos – desde logo, o de que “a Alemanha não apenas tem interesse numa política de solidariedade” mas “tem mesmo uma obrigação normativa correspondente”, quer porque “retirou o maior benefício da moeda única através do aumento das suas exportações”, quer porque “é parte do problema” na medida em que tais excedentes de exportação “contribuiram para o agravamento dos desequilíbrios económicos dentro da união monetária”, quer porque “está até a tirar proveito da crise” por via da baixa das taxas de juro das suas obrigações governamentais – e conclusões concretas:
(i) “Se quisermos preservar a União Monetária, já não é suficiente, dados os desequilíbrios estruturais entre as economias nacionais, providenciar empréstimos a Estados sobreendividados de modo a que cada um melhore a sua competitividade através dos seus próprios esforços. O que é alternativamente requerido é um esforço cooperativo decorrente de uma perspetiva política partilhada para promover o crescimento e a competitividade na Zona Euro como um todo.”
(ii) “Um tal esforço requereria que a Alemanha e vários outros países aceitassem efeitos redistributivos negativos no curto e médio prazo no seu próprio auto-interesse de longo prazo”.
Assim falou, aos 83 anos, um dos mais influentes intelectuais do nosso tempo...
AINDA REINHART E ROGOFF
Há que reconhecer que o debate sobre a relação
entre dívida pública e crescimento económico abanou decisivamente a profissão e
a blogosfera económica, sobretudo na sequência do artigo crítico do trabalho de
2010 de Reinhart e Rogoff que Herndon, Ash e Pollin publicaram nos Working Papers da Universidade de Massachussets
– Amherst. Não me admiraria que Herndon tivesse as suas propinas de estudante
de doutoramento presenteadas pela Universidade, tamanha foi a visibilidade que
ela assumiu na sequência desse debate.
E o que impressiona é que quando se fala em
debate é de verdadeiro debate que se trata com a comunidade académica e os
jornais de grande tiragem como o New York
Times ou mesmo o Wall Street Journal
a acolherem nas suas páginas as ondas de choque e as réplicas da controvérsia.
Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff responderam a 25
de abril no New York Times a alguns
aspetos menos abonatórios da sua integridade que o debate acabou por gerar e o
jornal concede-lhes a permissão dupla de um artigo de resposta mais curto e um outro texto mais de natureza metodológica, o que ilustra bem a amplitude que a
controvérsia acabou por assumir.
Alguns aspetos na resposta de Reinhart e Rogoff
que merecem destaque, pois vêm na linha de algumas reflexões produzidas neste
blogue.
Invocando agora um artigo de 2012 publicado no Journal of Economic Perspectives,
Reinhart e Rogoff defendem-se com o facto de neste novo artigo os seus cálculos
não divergirem substancialmente dos de Herndon e companhia, mantendo a sua
confiança no limiar dos 90% como algo que muda consideravelmente as relações
entre dívida pública e crescimento económico.
Mas o que em meu entender é mais marcante na
defesa de Reinhart e Rogoff é a sua afirmação explícita que nunca insinuaram
que a relação de causalidade fosse apenas a da dívida pública elevada penalizar
o crescimento, antes consideraram sempre que a causalidade opera nos dois
sentidos e que “não há qualquer regra que se aplique em todos os tempos e em
todos os lugares”, sendo por isso possível admitir que uma situação estrutural
de baixo crescimento pode induzir um crescimento anómalo do peso da dívida pública.
Mas mais marcante ainda é a distanciação que os
autores reafirmam relativamente ao vício de utilização dos resultados do seu
artigo de 2010 e da sua investigação em geral para justificar as políticas de
austeridade que estão a ser praticadas nas economias do sul: “A discussão
marcadamente política, especialmente viva na última semana, equacionou
erradamente a nossa descoberta de uma relação negativa entre dívida e
crescimento como uma justificação irrepreensível da austeridade”. E no artigo
mais curto os autores retomam a ideia já avançada por Rogoff ao Expresso de que
em sua opinião se justificariam reestruturações das dívidas das economias da
Europa do Sul que poderiam envolver perdões parciais das dívidas soberanas
nesses países. Há que convir que não é coisa pouca.
Aliás, sempre achei que a crítica dos
determinismos associados à pesquisa de Reinhart e Rogoff não poderia ser
entendida como uma espécie de convite a uma gestão mais laxista da dívida numa
perspetiva atemporal. A questão tem sempre que ser vista no quadro da situação
globalmente recessiva a que um entendimento cego da consolidação orçamental
pode conduzir um espaço económico como o da União Europeia, com sérios reflexos
na capacidade de solvência internacional dos países devedores, o que seria
depositar instabilidade em cima de instabilidade.
A questão mais importante que a controvérsia
suscita é a de discutir as condições que transformam uma pesquisa económica em
bandeira pretensamente racionalizadora de políticas carenciadas de fundamentação
para justificar a penosidade que implicam, mesmo “aparentemente” contra a vontade
dos seus autores. Ou seja, perceber por que razão os autores da pesquisa
permitem que os seus resultados sejam apropriados por decisores carentes de
cobertura “científica” que não hesitam em interpretar incorretamente a sua
transferibilidade. Imaginar que um economista, do mais rigoroso intelectualmente
que possamos ambicionar, tem necessariamente que abster-se de discutir as implicações
políticas dos seus resultados é uma conceção peregrina. Basta ler o
desenvolvimento de toda a obra de Keynes para perceber que rigor teórico e intervenção
política podem coexistir sem danos colaterais para o rigor e para a nobreza da
intervenção. Por isso, gostaria que Reinhart e Rogoff tivessem assumido mais frontalmente
a denúncia da extrapolação indevida dos seus resultados antes da controvérsia
ter estalado. Não é bem a mesma coisa.
O CONGRESSO
Aqui fica o melhor retrato do XIX Congresso do Partido Socialista. Onde Seguro fez o melhor que soube, como sempre tem procurado fazer desde que assumiu a liderança em condições reconhecidamente complicadas.
O objetivo era claro: apresentar um PS “responsável, reformista, com projeto, unido e mobilizado” e colocá-lo em definitivo no terreno da alternativa política. E foi conseguido, tanto quanto podia tê-lo sido na circunstância.
O discurso final do secretário-geral não empolgou – porque o empolgamento é uma questão de estilo e “cada um é como cada qual” – mas mostrou trabalho, esforço e vontade. Sendo que não redundaram em pecados mais do que veniais as suas pequenas imprecisões ou as dúvidas que deixou no ar, como a prioridade ao emprego e o lado abstrato de algumas propostas concretas, como as parcelas omitidas de certas aritméticas, como a subtil distinção entre a austeridade a prosseguir e a política de austeridade a banir, como a imprescindibilidade de um passo federal europeu, como o pedido de uma maioria absoluta sem descartar coligações ou acordos parlamentares…
A questão é outra, pois. E releva, sobretudo, da distância que separa o que se proclama do que resulta possível. De mediações e interlocutores, afinal. Porque quem não quer um novo desenvolvimento, uma nova Europa e um novo contrato social? Ou quem não gostaria que fosse renegociado o nosso processo de ajustamento? Ou quem não está do lado da devolução da esperança aos portugueses?
Uma breve nota sobre “mercearia” partidária, antes de terminar, já que muito se falou nos corredores do afastamento das listas de alguns personagens ditos “socráticos” – mas alguém dará pela falta de Lello, Serrasqueiro, Renato e Isabel ou André? Diversos, e mais acertados, foram os desabafos e as reflexões deixados por Sérgio Sousa Pinto, a saber:
· “O nosso principal problema é de credibilidade. Enquanto não nos apresentarmos diante do país como protagonistas credíveis de mudança e de rutura, estaremos a faltar ao povo português. Quando fingimos que o problema não existe, por cálculo, por manha, prestamos um péssimo serviço ao país e ao partido”.
· “Não podemos pretender ser rigorosos no diagnóstico dos males da Europa e estridentes na sua denúncia, mas depois furtarmo-nos por conveniência a enfrentar os sinais da nossa própria mediocridade. A complacência com interesses minúsculos trouxeram-nos a este irrespirável impasse”.
· “Chega de gente que se esconde atrás de uma floresta de palavras para não dizer nada, chega de gente que pensa que a política é feita de poses e luzes. A política é hoje uma ventania ensurdecedora mas que não abana uma folha”.
Concluo: Seguro vai fazendo o seu caminho e, ao contrário do que dizem os especialistas/comentadores, o problema não é tanto ele mas o seu entorno. Externo e interno. Até que ponto será capaz de o controlar?
domingo, 28 de abril de 2013
O PIOR DA SEMANA
A vida política portuguesa transforma-se
aceleradamente numa torrente de absurdos, de indiferença, de desagregação, em
direção a um fim que não se recomenda.
Em público, ou seja, numa entrevista para um jornal (Diário de Notícias) e para uma rádio (TSF), um ministro do governo da
República, Álvaro Santos Pereira, declara explicitamente que a demissão do seu
secretário de Estado Henrique Gomes fora festejada com champanhe pelo lobby energético. Esta declaração sucede
aliás a uma outra revelação de há uns tempos do próprio secretário de Estado
segundo a qual o relatório entregue ao primeiro-ministro sobre o corte de
rendas no setor elétrico estava uma hora depois no gabinete do Presidente da
EDP. E nada se passa.
No congresso do PS, um renovado Seguro motiva o
PS com um esboço de programa eleitoral a dois anos de distância, uma de duas,
ou com uma certeza inabalável na dinâmica dessa motivação para resistir tão
longo período, ou apostando no pressentimento (com que informação?) de
rompimento da maioria. Como dizia Marcelo, entrar no congresso como líder da
oposição e terminá-lo como candidato a primeiro-ministro para umas eleições no
tempo longo é obra e talvez isso explique o discurso de improviso. Estaria o
processo preparado desde o início ou entre sexta e domingo terá havido alguma
informação-chave para explicar tal confiança?
O Conselho de Ministros está na rua, tal é a
transparência com que chegaram aos jornalistas as notícias sobre a rutura no
seio do governo entre Gaspar e os que se opuseram. O primeiro-ministro parece
um oficial de diligências sem qualquer ideia de rumo político, capaz de impor
alguma ordem em todo o processo.
E, perante tudo isto, Cavaco o desajeitado vem em
declaração avulsa procurar explicar que o que pretendia era avisar para a necessidade
de se começar a preparar opções nacionais para as dificuldades do pós Troika. E
para espanto de todos coloca-se de fora com aquele comentário rasca de que não
digam depois que não avisei, como se fosse um espectador e não o garante do
funcionamento das instituições. O presidente começa a encarnar o que de mais atávico
existe na sociedade portuguesa, colocando-se ele próprio no centro da
instabilidade.
“AFRONTAMENTO DEMOCRÁTICO”?
Em França, veio finalmente ao de cima a
questão da Europa nos termos que François Hollande anunciara em campanha e tem
vindo a protelar ao longo de todo este primeiro ano de mandato. Sobre o
“racional” em presença, remeto para o meu post
de 12 do corrente. Sobre os factos, a grande novidade esteve numa entrevista do
presidente da Assembleia Nacional (Claude Bartolone) em que a denúncia da “intransigência
egoísta da chanceler Merkel” abre o caminho a uma possível mudança de
estratégia do PS (“afrontamento democrático” com a Alemanha) a concretizar na
sua “Convenção sobre a Europa” marcada para 16 de junho. Sendo que o antigo
primeiro-ministro Alain Juppé logo veio avisar que o rompimento da confiança
com a Alemanha para afrouxar a condicionante orçamental pode constituir um “perigo
mortal”. Havendo várias razões manipuláveis, de que lado virá a estar a mais forte de entre elas?
DA ECONOMIA
A Economia está cheia de “frases batidas”. Não tão felizes quanto aquela que nos vem à memória com o Sérgio Godinho (“hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”), mas ainda assim algumas há que, sem serem preciosidades, não deixam de ser de grande significância e utilidade. Como uma, sempre muito atual, que um dia me foi transmitida pelo Professor Pinto Barbosa – o pai, claro! – como rezando assim: “A Economia ensina-se com Matemática, mas não como Matemática”.
Pois na linha desta, e tendo acabado de tomar conhecimento da morte (já em final de 2012) do popular jornalista económico brasileiro Joelmir Beting – notabilizado por “desbravar o economês e vulgarizar a informação económica”, designadamente nos principais quotidianos de S. Paulo –, aqui fica em modesta homenagem uma das suas mais expressivas e irónicas asserções: “Em Economia, é fácil explicar o passado. Mais fácil ainda é predizer o futuro. Difícil é entender o presente.” Pois é, lá isso é…
sábado, 27 de abril de 2013
SEGURO NO JARDIM E O CONGRESSO
No momento em que escrevo, os canais de notícias
no cabo fazem a maldade de discutirem o Congresso do PS com, nas suas costas em
pano de fundo, um auditório praticamente vazio e um congressista (quem seria?) a
falar praticamente para o boneco, mais propriamente em termos práticos para a
mesa do Congresso presidida por Maria de Belém Roseira. Certamente que as
conversas dos delegados na sobremesa dos seus repastos tardios nos restaurantes
comprimidos das redondezas seriam bem mais acaloradas e elucidativas para o
cidadão comum do que muitos dos exemplos da maratona retórica que um Congresso
sempre acarreta. Tudo isto apesar da convicção de que nos Congressos se fala
mais para fora do que para dentro. Não pode deixar de se pensar no arcaísmo da comunicação partidária.
O ritual dos Congressos causa-me suores frios e
talvez seja essa uma explicação para que a vida partidária nunca me tenha
seduzido.
Não pude deixar de confrontar a entrevista de António
José Seguro ao Expresso no jardim da sede nacional do PS no Largo do Rato com a
sua atuação em pleno ritual do Congresso. Em meu entender, o registo da
entrevista é o verdadeiro AJS, nem mais nem menos, ou seja será em meu entender
o AJS que o próprio pretenderá afirmar e seria bom que estabilizasse esse
registo para que os portugueses começassem eles próprios a estabilizar
expectativas quanto à liderança do PS e a decidir em conformidade que mandato
eleitoral estaremos dispostos a conceder-lhe.
Finalmente alguém lhe perguntou “quem é o seu
ministro das Finanças?”. A resposta foi inteligente, refugiando-se não apenas
na ausência de tradição política em Portugal em anunciar previamente ministros,
mas comprometendo-se com a ideia de que para o futuro governo o ministro das
Finanças é tão importante como o da Economia e levantando o véu sobre alguns dos
pilares da governação pela qual se baterá eleitoralmente: um novo
desenvolvimento (sustentável e “greening”),
um novo compromisso social que combate mais ativamente desigualdades e uma nova
Europa, tudo orientado para a batalha do emprego. Ideias ainda muito gerais que
para se transformarem num pograma de governo exigirão muito trabalho.
Regressando ao ritual do Congresso, a aparente
unidade das tendências e personalidades potencialmente conflituais será mantida
até a um próximo quebrar de expectativas, que pode muito bem ser as próximas
autárquicas. As intervenções de Pedro Silva Pereira e Sérgio Sousa Pinto
anunciam que a vigilância será apertada. É deveras notável a similaridade
existente entre a intervenção do primeiro e os ecos da passagem de José Sócrates
pela RTP 1 até agora. A corrente está lá e não desarma. Sócrates mata: Este Governo
já é um governo presidencial; Silva Pereira esfola: O País deixou de ter um
presidente para ter dois ministros da Presidência.
No meio de tanto ritual, não deixa de ser
esclarecedor que o reacender das divergências no seio do Governo (mas que
estranho governo este!) dominasse a cena mediática.
PRECIOSIDADES (6)
(www.tugaleaks.com)
Andam por aí umas almas, não sei se penadas, mas
seguramente agoirentas, segundo as quais o antes (AD) e depois da dívida (DD) se
teria transformado no novo marco da modernidade.
Pacheco Pereira tem hoje no Público um artigo
demolidor, ainda por cima focado numa personagem que seria seguramente um dos
meus ódios de estimação acaso estivesse na política ativa, o então
investigador, assessor de Presidentes, comentador e julgo que administrador não
sei bem de quê, Joaquim Aguiar. A invocação do nome deste último deriva do
facto de Joaquim Aguiar ter defendido o discurso de Cavaco Silva com base neste
novo confronto AD versus DD.
Apenas um excerto para invocar a preciosidade:
“Existe, porém, um problema que os economistas da escola do
DD não conseguem ultrapassar: a sua incapacidade de perceber que estão a falar
em economias em democracia, insisto economias-em-democracia, e, por isso,
considerações sobre a dinâmica da sociedade (e o empobrecimento é hoje o
principal mecanismo dinâmico) opiniões comuns, representação simbólica e real
da justiça social, e opções de voto, são cruciais. Podem entender o que
quiserem, mas sem eleitores para suportarem essas políticas, sem aliados fora
do círculo fechado dos “sempre os mesmos”, ou fora das partidocracias
clientelares, as convulsões serão a regra social e eleitoral. É por isso que
eles consideram, como todos os burocratas, que é uma maçada terem que aturar
políticos e eleições, que só perturbam a lógica tão científica das decisões
burocráticas. A democracia é, de facto, uma perturbação, um ruído, uma ineficácia
gastadora, um ónus para a “sustentabilidade”.”
Algumas destas almas tão preocupadas com o ruído
que a democracia representa para a sua “economia”, quando se apanham a
funcionar em ambientes de reduzida “accountability”,
transparência ou visibilidade (como, por exemplo, o poder universitário mas não
só) fazem jus a essa coerência e não raras vezes são protagonistas de abusos ou
excessos de poder. Gente perigosa.
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