sábado, 30 de novembro de 2013

GOVERNAÇÃO E DESIGUALDADES TERRITORIAIS



A qualidade da governação ou, em termos mais amplos, da chamada governança (governance) é cada vez mais uma variável explicativa a que diferentes ciências sociais recorrem para justificar os resultados diferenciados dos processos de desenvolvimento às mais variadas escalas. A relevância do tema tem conduzido os investigadores a estabilizar um conjunto de indicadores do que pode convencionar-se ser uma boa governação ou uma elevada capacidade de governance. A base de referência mais conhecida tem origem no Banco Mundial e chama-se World Bank’s Worldwide Governance Indicators.
Andrès Rodriguéz-Pose é hoje um dos investigadores em geografia económica mais prestigiados no mundo, sobretudo devido ao seu trabalho de econometria para a geografia económica desenvolvido na London School of Economics.
Juntamente com Roberto Ezcurra, Pose publica no VOX EU um artigo sobre a relação existente entre a qualidade da governação e o grau de desigualdade espacial dos países. Dada a proficiência econométrica do autor, a relação encontrada surge bastante credível, pois a relação inversa encontrada entre as duas variáveis resiste bem a uma série imensa de testes e à consideração não só de outras variáveis explicativas, mas também de diferentes indicadores de desigualdade espacial e de qualidade da governação.
Os resultados de Pose vêm confirmar o que intuitivamente muitos de nós que têm trabalhado com o tema das desigualdades espaciais tinham encontrado de motivação para as suas práticas. O agravamento das desigualdades espaciais reflete a incapacidade de mobilização plena dos recursos dos territórios, a distribuição assimétrica e não territorializada das políticas públicas e muitas vezes a captura das políticas públicas por grupos de interesses das regiões mais favorecidas. Todos estes fatores apontam para uma má governação, muitas vezes não escrutinada enquanto tal.
Chegaram-me aos ouvidos informações relevantes sobre a tentativa desesperada da investigação científica localizada na Grande Lisboa se querer financiar através dos programas operacionais regionais sobretudo do Norte e do Centro, já que o estatuto da região de Lisboa não lhes garante bolo suficiente e a dotação prevista para aquelas regiões é confortável. E, pelos vistos num processo de avaliação que não convence os responsáveis regionais, o potencial científico implantado na região de Lisboa apareceria com níveis de excelência que explicariam a necessidade das regiões do Norte e Centro se vergarem ao  peso dessa excelência, concedendo-lhes abrigo na sua dotação de fundos.
Não vou pronunciar-me sobre tal avaliação, até porque não conheço nem a sua tramitação, nem a bateria de critérios que foi utilizada. Mas cheira-me a esturro que as massas críticas científicas do Norte nas ciências da vida e da saúde e nas engenharias não surjam nessa hierarquia bem colocadas.
Mas neste ministério já nada surpreende. Crato é uma barata tonta que nunca devia ter saído dos programas de Mário Crespo, nestes dois últimos dias tão chocado com os despedimentos dos Estaleiros de Viana do Castelo. E se Crespo continuar no mesmo registo, nem aí Crato terá guarida.

OH, LA L’ART



El Roto, ou mais propriamente Andrés Rabago, é uma figura de referência para ambos os autores deste blogue, pois nele e no seu traço fino e demolidor, reconhecemos, como ninguém, o poder de denúncia dos males políticos e sociais que apodrecem as sociedades contemporâneas e, em particular, a sociedade espanhola e diria mesmo, sem receio da extensão, todas as sociedades do sul.
No Babelia, um suplemento cultural imprescindível dos sábados no El País, Antonio Muñoz Molina publica um excelente artigo sobre a obra do cartoonista e sobretudo sobre a exposição Oh la l’art à nossa espera em Madrid, na galeria La Caja Negra, Calle Fernando VI, nº 17.
Molina vai mesmo ao núcleo do que reconheço na obra de El Roto: “Cada desenho de El Roto é feito com tal precisão de traço e cada texto é tão sintético, tão cheio de raiva, de sarcasmo, de agudeza poética e política, que parece a destilação última de um longo processo de concentração”.
A exposição de Madrid versa sobre uma componente da obra de El Roto que conhecia pior e daí o seu interesse, mais propriamente o modo como o autor tem visto a evolução do mundo da arte, simbolizada na vinheta sobre a morte da pintura.
Para os que, como eu, provavelmente não passarão por Madrid fica a certeza de que a exposição tem uma edição em livro (Oh la l’art, publicada pela Editorial Libros del Zorro Rojo), à qual podem também juntar uma outra obra publicada este ano, A cada uno lo suyo, pela Mondadori, Barcelona, a preços relativamente módicos, a primeira por 18,90 euros e a segunda por 8,95 euros. Bons presentes de Natal.

EUROPEÍSMOS (XI)

(Tom Jansen, http://www.trouw.nl)

(Tom Jansen, http://www.trouw.nl)

Enquanto a União Europeia prosseguiu em novembro a sua longa hibernação, claramente à espera de um qualquer “fumo branco” vindo da Alemanha, a extrema-direita foi-se organizando para a próxima batalha eleitoral (eleições europeias de maio 2014) e o business as usual foi dominando (com a agenda do Parlamento Europeu a contemplar o extraordinário tema de Estrasburgo, rocambolesco ao ponto de levar o senhor do segundo cartune a considerar com graça que o maior perigo para a Europa não são nem os eurófilos nem os eurofóbicos mas sim os franceses). 

A acabar o mês é finalmente anunciado o acordo germânico para uma “grande coligação” (GroKoal) entre os democrata-cristãos (CDU) de Angela Merkel, os seus aliados social-cristãos (CSU) de Horst Seehofer e os sociais-democratas (SPD) de Sigmar Gabriel, enfatizando o objetivo de que os alemães se sintam melhor e enterrando de vez, ao que tudo indica, quaisquer veleidades de mudança na linha dura assumida nos últimos anos face à crise do euro – a despropósito talvez, mas vieram-me à cabeça reminiscências antigas associadas às denúncias leninistas sobre as “duas táticas da social-democracia” e a “traição do renegado Kautsky”...


(Pepsch Gottschebe, http://www.sueddeutsche.de)

(Heiko Sakurai, http://www.berliner-zeitung.de) 

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

CARTAS PARA A HISTÓRIA DA DEGENERESCÊNCIA DO PROJETO EUROPEU



Os primeiro-ministros de economias do sul afastados do poder na sequência do pós crise internacional e da crise das dívidas soberanas parecem querer dar sinal de vida, embora segundo caminhos diferentes. Sócrates optou pela ciência política e fez da tortura em democracia e do seu regresso à TV pública os meios para afirmar que não tinha desaparecido. Zapatero, que não teve a bondade da TV pública a oferecer-lhe um lugar de comentador, optou também pelo clássico regresso sob a forma de livro, bem centrado na questão política espanhola: “El Dilemna – 600 días de vértigo”.
Não é sobre o livro que pretendo falar até porque não o li, mas antes sobre a carta de Trichet (Banco Central Europeu) dirigida a Zapatero a 5 de agosto de 2011, carta que já havia suscitado curiosidade pela sua publicação, mas que o BCE sempre se recusara a divulgar e que Zapatero decide agora integrar no próprio livro de regresso.
José Ignacio Torreblanca tem hoje no El País um bom artigo sobre o tema, interpretando a carta como um documento revelador das anomalias de relacionamento entre instituições, neste caso entre o BCE e os estados membros. A carta de Trichet é a formalização de uma exigência de um conjunto de mudanças que transcendem bastante o âmbito de intervenção do BCE (diminuições salariais, menor poder sindical, legislação laboral), consideradas necessárias para que o BCE comprasse no mercado secundário dívida espanhola. Essas exigências foram sempre desmentidas por Zapatero, mas a publicação da carta constitui mais um documento de história recente para compreendermos toda a antecâmara da crise das dívidas soberanas.

FORÇA JOSÉ MARIA



Tal como o meu colega de blogue, também eu não tenho conhecimento técnico e sobretudo informação sobre a morte anunciada dos Estaleiros de Viana do Castelo suficientes para discutir o caso Estaleiros numa perspetiva estritamente técnica. Mas o desenvolvimento do processo é suficientemente relevante para justificar alguma reflexão da minha parte.
Betinho Aguiar, o tal que considerava que a Constituição teria de ser revista contra a tentação de um estado totalitário determinado por um Estado Social absorvente, ficará nos registos como o ministro de fim de linha, fechando para sempre os Estaleiros enquanto tais e atirando para o desemprego ou para a reforma precoce muito do saber fazer na construção e reparação naval. O processo é de facto pouco transparente, exigindo um livro branco rigoroso de registo e sistematização de todo o processo, para um completo escrutínio democrático e perceção de quem foi quem e quem fez o quê no afundamento definitivo da empresa.
Em meu entender, o Estado como gestor público dos Estaleiros de Viana do Castelo fica muito mal na fotografia e são estas experiências que colocam a gestão empresarial pública sob fogo e a expõem à máxima vulnerabilidade das alternâncias democráticas.
O problema de competitividade e de equilíbrio financeiro da empresa eram há muito tempo conhecidos, agravados em períodos de maior contração de mercado da construção e reparação naval. É provável, desconheço-o, que para esse problema de competitividade tenham também contribuído ineficiências internas e insuficiências de organização. O respeito pela mão-de-obra que fez a empresa justificaria que o problema fosse corretamente equacionado e colocado aos trabalhadores e seus representantes sindicais em busca de um pacto de empresa para prosseguir a recuperação. O problema das ajudas de estado ilegais que o governo de Sócrates terá segundo a Comissão Europeia concedido à empresa constitui outro exemplo de decisão que teria exigido um acompanhamento mais proactivo junto da Comissão.
Em alternativa, tivemos o mais completo ziguezaguear de decisões, até chegar a uma mais que intrigante concessão, com o Governo a limpar o caminho a uma Martinfer, ocupando-se das responsabilidades indemnizatórias do desemprego. Ziguezaguear em total desconformidade com a redescoberta da economia do mar, para cuja clusterização o saber fazer da construção e reparação naval parece crucial, até porque não se divisa no horizonte nenhuma outra atividade relevante que possa substituir o seu papel no cluster.
De toda esta insuficiência e incompetência dos agentes públicos, salva-se o Presidente José Maria Costa, coerente e obstinado, e ao qual não podemos associar qualquer sinal de desistência ou de desatenção. E não foi seguramente por sua culpa e falta de avisos seus que os Estaleiros ficam agora entregues a uma interrogada capacidade da Martinfer para tirar partido do saber fazer local.

NO ESTALEIRO


Desconheço se José Maria Costa sabe mais do que o que diz, mas convenhamos que algo terá de justificar que um político habitualmente responsável, moderado e cordato acuse Aguiar Branco de “incompetência na gestão”, considere o processo “um caso de polícia” e peça a sua análise por uma comissão parlamentar de inquérito. E também não deixo de notar pela negativa os incontáveis ziguezagues do ministro ao longo destes anos, o seu registo cínico de felicidade pelos 400 postos de trabalho criados (contra os 609 eliminados!), a estranheza de alguns números (a Martifer pagará uns míseros 415 mil euros anuais ao Estado pela subconcessão e este prepara-se para desembolsar 30 milhões em indemnizações aos trabalhadores) e, sobretudo, o inexplicável alheamento governativo em relação a um setor com tradição no País, potencialidades económicas por explorar e significativo peso na Região. 

Por tudo isto, e não dominando os detalhes do dossiê, duas coisas tenho por certas: por um lado, que os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) têm vindo a sofrer de uma temporalmente continuada e aflitiva impreparação por parte dos seus principais encarregados de tutela e administração, numa madrasta conjunção de circunstâncias que já se estende por vários anos e abrangeu o consulado de diversos governos; por outro lado, que não irá ter verificação a hipótese avançada pela comissão de trabalhadores dos ENVC de que ainda iríamos deparar-nos com este ministro a presidir às Assembleias Gerais da “empresa beneficiada”...