Não vos sei explicar com clareza, mas a
iniciativa convocada por Mário Soares designada de “Em defesa da Constituição,
da democracia e do Estado social não me está a entusiasmar e muito menos de
maneira a justificar uma viagem a Lisboa.
Parece-me uma iniciativa exclusivamente reativa,
vale por um pronunciamento de elites, como hoje Manuel Alegre o destacava, mas
receio bem que a população portuguesa já não dê atenção suficiente a este tipo
de elites e que a iniciativa lhes seja totalmente indiferente.
Entusiasmar-me-ia bastante mais estar desde já a
preparar e a discutir o que é que um governo PS, eventualmente fortalecido com
apoios não partidários mas de personalidades e organizações de centro-esquerda,
poderá fazer nas condições em que o poder lhe chegará às mãos sobre as questões
que marcam o foco da iniciativa de Soares. A minha costela reformista e de estudioso
interveniente das políticas públicas sobrepõe-se sempre a estes grandes
ajuntamentos de esquerda. Pois receio bem que muita desta gente que aparecerá
por certo na iniciativa terá de amargar o pão que amassou se quiser estar com
uma governação PS, mesmo que reforçada à esquerda nos termos que enunciei. As
margens de manobra vão ser muito estreitas e a esquerda não comunista vai
defrontar-se com escolhas públicas que não está habituada a equacionar no seu “wishful thinking” diletante, longe das
grandes interrogações da governação. Por isso, não rejeitando a indignação e a
resistência contra a vulgarização de quebras democráticas a que temos sido sujeitos,
é tempo de alguém começar a discutir com tempo, ponderação e abertura de ideias
as margens de manobra para fazer diferente. E não dissociar essa preocupação de
uma outra, a de preparar as Europeias nessa perspetiva, pois a nossa margem de
manobra estará indissociavelmente ligada à questão europeia e ao modo como se
resolverá ou agravará o desconchavo em que o projeto europeu está mergulhado.
Não preparar essas condições com tempo colocará a
esquerda numa situação de tal fragilidade que a violência que agora se abate
sobre a atual maioria e que Soares desabridamente invoca para pedir a demissão
de Governo e Presidência abater-se-á também sobre quem acena com a alternativa
e não a consegue concretizar. Para memória futura.
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