(Fonte: Eurostat)
Em termos recorrentes, ao longo do tempo o modelo
irlandês tem sido apontado como o referencial de um novo rumo para a economia
portuguesa. Foi assim a propósito do seu modelo de aplicação de Fundos Estruturais,
bastante menos centrado na dimensão das infraestruturas e mais apoiado nas
virtudes da formação profissional cofinanciada pelo Fundo Social Europeu. O modo
como o modelo económico irlandês ruiu e abriu fendas por via do seu sistema
bancário demasiado exposto à crise do imobiliário importada dos Estados Unidos
da América arrefeceu os mais entusiastas com a experiência irlandesa. Nestes últimos
dias, a arrojada (mas não consensual no seio do governo irlandês) decisão de
abdicar de programa cautelar para regressar autonomamente ao financiamento dos
mercados internacionais voltou a colocar a Irlanda nos radares dos nossos gurus
de trazer por casa.
Oportunisticamente e à deriva dos acontecimentos,
como tem vindo a ser seu timbre nos últimos tempos, a maioria invoca agora a
experiência irlandesa de resgate financeiro e da sua superação como um bom
indicador de que o que tem praticado internamente em termos de aplicação do
memorando estaria no bom caminho das medidas aplicáveis. O oportunismo da
colagem tem água no bico e traduz-se afinal em mais uma forma de pressão sobre
o PS e, o que é mais lamentável, sobre o Tribunal Constitucional. A fábula é
linear: se nos deixarem fazer o que a Irlanda fez os mercados compensar-nos-ão.
Mesmo sabendo que a origem do resgate irlandês é
mais a exposição descontrolada da banca do que o desequilíbrio das contas públicas,
vou dar de barato que os programas de ajustamento e de austeridade impostos à
Irlanda e a Portugal não foram substancialmente distintos. Uma análise mais
fina mostra, porém, que o caso irlandês está mais próximo de um modelo de “one shot” nos cortes impostos do que o
caso português. Os avanços e recuos e sucessivos prolongamentos de uma situação
de austeridade no caso português podem tornar dificilmente comparável o resgate
português com o irlandês. Mas mesmo que aceitemos a similaridade dos programas,
o problema é que o resgate irlandês acontece numa economia que não tem comparação
com a portuguesa.
No gráfico que abre este post, é possível confirmar
que a economia irlandesa está ainda longe de ter recuperado o produto gerado de
2007. O gráfico mostra ainda como é estrutural na economia irlandesa o papel
das exportações, num grau máximo de extroversão. Nos anos mais recentes, a Irlanda
exporta mais do que produz. Este comportamento é possível porque se trata de um
país há longo tempo inserido nas grandes correntes do comércio internacional da
zona atlântica, partilhando com os Estados Unidos da América e todo o mundo
anglo-saxónico essa extroversão. Essa inserção deve-se ao peso fortíssimo do
investimento direto estrangeiro no PIB, que lhe vem pela presença de grandes
empresas multinacionais. O stock de IDE no PIB irlandês aumenta
sistematicamente desde 2007 (ver gráfico seguinte).
(Fonte: Eurostat)
Mas convém não exagerar o sucesso do resgate
irlandês. Os dois gráficos seguintes descrevem o comportamento da taxa de
desemprego (média de 3 anos) e do produto per capita à paridade do poder de
compra. A situação vivida pela economia irlandesa em 2007 está longe de ter
sido reatingida, o que mostra o outro lado do resgate. Para memória futura e
para contrariar analogias fáceis e não contextualizadas.
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