domingo, 17 de novembro de 2013

IRLANDA

(Fonte: Eurostat)


Em termos recorrentes, ao longo do tempo o modelo irlandês tem sido apontado como o referencial de um novo rumo para a economia portuguesa. Foi assim a propósito do seu modelo de aplicação de Fundos Estruturais, bastante menos centrado na dimensão das infraestruturas e mais apoiado nas virtudes da formação profissional cofinanciada pelo Fundo Social Europeu. O modo como o modelo económico irlandês ruiu e abriu fendas por via do seu sistema bancário demasiado exposto à crise do imobiliário importada dos Estados Unidos da América arrefeceu os mais entusiastas com a experiência irlandesa. Nestes últimos dias, a arrojada (mas não consensual no seio do governo irlandês) decisão de abdicar de programa cautelar para regressar autonomamente ao financiamento dos mercados internacionais voltou a colocar a Irlanda nos radares dos nossos gurus de trazer por casa.
Oportunisticamente e à deriva dos acontecimentos, como tem vindo a ser seu timbre nos últimos tempos, a maioria invoca agora a experiência irlandesa de resgate financeiro e da sua superação como um bom indicador de que o que tem praticado internamente em termos de aplicação do memorando estaria no bom caminho das medidas aplicáveis. O oportunismo da colagem tem água no bico e traduz-se afinal em mais uma forma de pressão sobre o PS e, o que é mais lamentável, sobre o Tribunal Constitucional. A fábula é linear: se nos deixarem fazer o que a Irlanda fez os mercados compensar-nos-ão.
Mesmo sabendo que a origem do resgate irlandês é mais a exposição descontrolada da banca do que o desequilíbrio das contas públicas, vou dar de barato que os programas de ajustamento e de austeridade impostos à Irlanda e a Portugal não foram substancialmente distintos. Uma análise mais fina mostra, porém, que o caso irlandês está mais próximo de um modelo de “one shot” nos cortes impostos do que o caso português. Os avanços e recuos e sucessivos prolongamentos de uma situação de austeridade no caso português podem tornar dificilmente comparável o resgate português com o irlandês. Mas mesmo que aceitemos a similaridade dos programas, o problema é que o resgate irlandês acontece numa economia que não tem comparação com a portuguesa.
No gráfico que abre este post, é possível confirmar que a economia irlandesa está ainda longe de ter recuperado o produto gerado de 2007. O gráfico mostra ainda como é estrutural na economia irlandesa o papel das exportações, num grau máximo de extroversão. Nos anos mais recentes, a Irlanda exporta mais do que produz. Este comportamento é possível porque se trata de um país há longo tempo inserido nas grandes correntes do comércio internacional da zona atlântica, partilhando com os Estados Unidos da América e todo o mundo anglo-saxónico essa extroversão. Essa inserção deve-se ao peso fortíssimo do investimento direto estrangeiro no PIB, que lhe vem pela presença de grandes empresas multinacionais. O stock de IDE no PIB irlandês aumenta sistematicamente desde 2007 (ver gráfico seguinte).
(Fonte: Eurostat)
Mas convém não exagerar o sucesso do resgate irlandês. Os dois gráficos seguintes descrevem o comportamento da taxa de desemprego (média de 3 anos) e do produto per capita à paridade do poder de compra. A situação vivida pela economia irlandesa em 2007 está longe de ter sido reatingida, o que mostra o outro lado do resgate. Para memória futura e para contrariar analogias fáceis e não contextualizadas.


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