quarta-feira, 31 de maio de 2023

LENDO TENDÊNCIAS A PARTIR DOS GRANDES BANCOS

(a partir de https://thefinanser.com

Já por diversas vezes aqui tenho trazido elementos de análise da globalização e da sua crescente dimensão financeira centrados nos rankings dos bancos à escala internacional. Sendo este um indicador manifestamente falível, ele não deixa de mostrar tendências temporais relevantes e a forte carga da situação presente. Quanto às primeiras, a infografia acima é por demais elucidativa: a dominação americana (7 bancos nos 10 maiores do mundo) dos anos 70 do século passado, a presença europeia (7 bancos nos 10 maiores) dos anos 80, a ascensão japonesa (6 bancos nos 10 maiores) dos anos 90, o regresso liderante dos EUA com algum equilíbrio entre potências e o primeiro aparecimento da China em 2000 e 2010 e a forte afirmação chinesa dos tempos mais recentes. De notar, ainda, a evolução da rentabilidade entre grandes regiões antes e depois da crise de 2007/08, com a Ásia-Pacífico a sobressair significativamente e a Europa em claro declínio.

 

Uma nota curiosa e ilustrativa sobre a financeirização: o volume de ativos do banco que encabeça a atual lista dos maiores, o ICBC (Industrial and Commercial Bank of China) é de 4000 biliões de dólares, nada menos do que 160 vezes o que era apresentado pelo Bank of America, que liderava em 1970.

 

Quanto à situação atual, o quadro e o mapa seguintes não enganam: 19% dos grandes bancos do mundo são hoje de bandeira chinesa (contra 24% de países da União Europeia, 12% americanos, 8% japoneses, 10% de outros países asiáticos, 6% britânicos, 6% canadianos e 5% australianos), surgindo igualmente clara a marcada importância relativa da grande região da Ásia-Pacífico (Japão, Coreia do Sul, Austrália, Singapura e Índia) no quadro global, com o continente europeu na posição imediata mas largamente espartilhado entre 13 países de diferenciadas culturas e obrigações regulatórias (apesar de 8 serem da Zona Euro, temos ali aglutinados o Reino Unido, três países nórdicos, a Suiça e até a Rússia).

 

Vale sempre a pena irmos atualizando a informação e assim percebendo quanto ela tende a indiciar caminhos irreversíveis de mudança e fragilização relativa para as bandas euro-americanas. 


(Turhan Selçuk, http://www.lemonde.fr)

OS MISTÉRIOS DE MONTENEGRO

 


(Curiosamente, prestes a entrar num giro rápido por terras da Croácia e Eslovénia, o título da crónica de hoje poderia representar uma tentativa de antecipar algumas interrogações sobre um dos países, Montenegro, que nasceu da trágica fratura do modelo jugoslavo. Mas não, os ministérios de Montenegro, a que aludo no título, são simplesmente inspirados na estranha forma de apresentação política de Luís Montenegro, à frente do PSD, algo que está na linha também da minha perplexidade que associei ao desconchavo, objeto de uma crónica específica. Quando me confronto com a minha própria perplexidade sobre esta matéria, mais se me enraíza a ideia de que paira no ar alguma inteligência orgânica da direita que tem feito todos os possíveis e impossíveis para orientar o PSD como de uma marionete se tratasse, mas sempre em busca de um melhor intérprete ou títere. E pelo ar político que se vai respirando, percebe-se que esta não será ainda a escolha definitiva ou então Luís Montenegro é possuidor de uma técnica de dissimulação política ou de vitimização que me ultrapassa totalmente e que exigiria análise mais profunda.

Depois de Cavaco Silva ter regressado à terra e elogiado a preparação de Montenegro em termos tais que alguns analistas viram nisso uma espécie de beijo de morte, vimos logo em seguida a estranha decisão do antigo Presidente da Câmara de Espinho, no passado unha com carne com Montenegro, decidir ao fim de dois meses interromper a suspensão do seu mandato na Assembleia pelo facto de ser arguido numas tramoias de trazer por casa em matéria urbanística. Não tendo desaparecido o estatuto de arguido, a decisão de Moreira é super-estranha e é-o muito mais por não ter dado “cavaco” a Montenegro. Este naturalmente reagiu retirando a confiança política ao deputado espinhense e com isso mais um facto político favorável ao acossado governo de António Costa foi acrescentado à cena mediática.

Preparação cénica que atingiu o grau máximo da estranheza quando, em conversa com os jornalistas, Montenegro desvalorizou a hipótese de uma derrota por poucos pontos percentuais nas próximas eleições europeias, utilizando tal argumento para afirmar que nesse caso não se demitiria do partido.

Já não jogo à cabra-cega há muito tempo, mas fiquei totalmente desorientado com este golpe de improviso de Montenegro, adensando os mistérios em seu redor. Não me apercebi que qualquer sondagem por mais especulativa que fosse tenha sido divulgado e, por isso, apetece perguntar por que raio Montenegro haveria de falar numa possível derrota por poucos pontos percentuais.

Entretanto, noutro plano totalmente diferente, João Miguel Tavares, que pode ser desbocado, mas que não é definitivamente burro ou destituído de intuição política, retoma o tema das Sete Vidas de António Costa. Obviamente que não me atravesso dizendo que as trapalhadas do Governo tenham terminado. Mas se JMT fala já de sete vidas, ele está simplesmente a fazer uma leitura política da onda política de contestação ao governo, agora que a praia mesmo húmida e ventosa começa a inspirar o imaginário próximo dos Portugueses. Com a inflação em desaceleração, é só fazer contas.

Quanto aos mistérios de Montenegro temos de os transformar em charada política para a tentarmos resolver com uma bebida fresca na mão e provavelmente procurando a proteção de uma barreira contra o vento de nortada.

Nota complementar:

Hoje à noite, na Casa da Música, para fechar maio, vou revisitar a poesia cantada de Adriana Calcanhoto, de novo recuperados das trevas bolsonarianas, mesmo com um aflito Lula para encontrar o seu caminho.

 

TAMBÉM NA RÚSSIA

 

O meu colega aqui do lado antecipou-se-me com a publicação de um excelente gráfico sobre os valores históricos que atingiu a emigração na Rússia. Em sinal de amigável protesto, junto hoje aqui três outros indicadores de dificuldade para o país invasor da Ucrânia igualmente reveladores de perspetivas económicas em baixa no horizonte. Acima, uma inventariação de muitas das mais de mil empresas de capital estrangeiro que voluntariamente reduziram as suas operações na Rússia para além dos mínimos determinados pelas sanções internacionais ― os efeitos deste facto só podem ser altamente negativos para os níveis de atividade económica e emprego do país agressor. Abaixo, e por falar em mercado de trabalho, uma evidência sobre os níveis recorde atingidos pelo desemprego oculto no país, um fenómeno que já vem de longe mas que parece em agravamento. Mais abaixo, e numa outra direção, um apontamento sobre a forte quebra das receitas energéticas da Rússia em 2023, assim sinalizando alguma eficácia das estratégias levadas a cabo nesse sentido no contexto europeu. Tudo matérias que, tendo contrabalanços em outros tipos de indicadores, não servem, por isso, para que se possam augurar conclusões otimistas minimamente definitivas quanto a uma asfixia à beira de acontecer (quando muito sim em termos de uma clara perda/destruição do potencial económico russo, já de si em relativa depauperação nas últimas décadas). Com as iniciativas de guerra a prosseguirem sem cartel e sem que se antevejam quaisquer caminhos político-diplomáticos de solução, começo mesmo a acreditar que são dimensões de outra natureza e alcance, como as incursões ucranianas em território russo (caso dos recentes ataques de drones a Moscovo), que mais poderão abalar os instáveis “equilíbrios” em presença, seja ao criarem medos internos e acrescidas condições de contestação seja ao espicaçarem loucuras latentes.



terça-feira, 30 de maio de 2023

BRAIN DRAIN COM SABOR A VODKA

 

                                                                                       Bruegel

(O conflito gerado pela demente invasão russa da Ucrânia está não só provavelmente para durar, como também se encontra no auge da confusão. Os Russos estiveram esta semana numa desesperada escalada de ataques através de drones, tendo como alvo essencial a própria Kiev. Por sua banda, os Ucranianos anunciam uma contraofensiva que ainda não se sabe que contornos terá e alguns drones pairaram também sobre a própria Moscovo, com contornos difíceis de plenamente compreender. Entretanto, em matéria de consequências das sanções ocidentais aplicadas ao invasor a confusão de informação é demasiada para meu gosto, tendo em conta designadamente que o início do declínio da economia russa é já anterior à própria invasão e sanções, o que torna ainda mais complexa a determinação dos danos que estão a ser provocados à economia russa.

Por isso, prefiro agarrar-me aos indicadores que considero mais pertinentes e fiáveis.

O indicador que hoje trago à vossa reflexão tem a particularidade de poder ser considerada de representar uma reação endógena aos malefícios da sociedade e do regime russos.

Estou a referir-me aos números do Bruegel relativos à emigração de russos para o exterior. O gráfico que abre este post é esclarecedor, tamanho é o pico observado nessa variável. Do valor global de cerca de 1,3 milhões de pessoas que saíram do território, sabe-se que a situação é particularmente crítica em relação aos profissionais em áreas tecnológicas. Mesmo sabendo que o elevado nível de qualificações da população russa com valências científicas nas áreas STEM pode esbater o significado do valor daquele fluxo de saída, a emigração não pode deixar de ser entendida como um sinal do mal-estar da população, sendo os mais qualificados os que se encontram em melhores condições de procurar uma alternativa no exterior. Tudo isto acontece ainda sem uma visão clara da saída efetiva do país de empresas multinacionais, já que se falava de um intervalo entre 6 e 40%, o que diz bem da indeterminação.

Estima-se que cerca de 100.000 especialistas em TIC tenham abandonado o país, o que para a modernização do país pode representar um verdadeiro pesadelo futuro.

 

FUTEBOL EM FIM DE FESTA

 

Há algumas semanas atrás, o nosso cartunista interrogava-se sobre se aqueles “artistas” representativos das equipas que lideravam os campeonatos nacionais respetivos (respetivamente, o franco-marfinês Sébastien Haller do Borussia Dortmund, o polaco Robert Lewandowski do Barcelona, o inglês Bukayo Saka do Arsenal, o nigeriano Victor Osimhen e o francês Kylian Mbappé) seriam ou não os que iriam festejar no final dos mesmos.

 

Tal aconteceu em três dos cinco casos, com naturalidade no tocante ao Barcelona (reabilitado por Xavi Hernández e internamente dominador em relação aos dois rivais de Madrid) e ao Paris Saint-Germain (vencedor fácil de uma liga sem graça e em que o onze do clube se fartou de evidenciar o seu desligamento em sucessivos jogos, para acabar ligeiramente à frente do modesto e surpreendente Lens, com o Marselha, o Monaco e o Lille de Paulo Fonseca a seguirem-se na tabela) e folgadamente mas com alguma emoção própria da escassa habituação quanto ao terceiro título do Nápoles (o que já não acontecia desde os longínquos tempos de Maradona), onde pontuou uma revelação georgiana (Khvicha Kvaratskhelia) para ajudar a garantir uma boa distância face a adversários como Lazio, Inter, Milan, Atalanta, Roma e Juventus.



Ao invés, em Inglaterra o Arsenal de Mikel Arteta (enorme em três quartos da época pela alegria e fluidez de jogo dos seus jovens craques ― Gabriel Jesus, Martin Ødegaard, Bukayo Saka, Gabriel Martinelli, Thomas Partey, Granit Khaka, Gabriel Magalhães, Oleksandr Zinchenko, etc.) claudicou na reta final (há quem diga que a culpa foi do Sporting e eu não questiono que assim tenha sido pela forma atónita e displicente com que enfrentaram os nossos modestos verde-e-brancos de Alvalade), exatamente quando o Manchester City de Pepe Guardiola vinha fortemente ao de cima (foi épico o jogo da segunda mão das meias-finais da Champions, com uma vitória perfeita e contundente de 4-0 frente ao crónico Real Madrid e uma fabulosa exibição de Bernardo SIlva!). E o título nacional inglês acabaria por sorrir com certa clareza aos citizens de Manchester (apesar do amargo de boca da última jornada em Brentford).



Já no que respeita à Bundesliga, Bayern de Munique e Borussia de Dortmund andaram em incompreensíveis oscilações durante a segunda volta do campeonato (que começara com o Bayern à frente com cinco pontos de avanço sobre um Borussia em quinto lugar), tendo o Borussia chegado a ocupar a liderança à 25ª jornada com mais um ponto (mas perdendo, então, por 4-2 em Munique) e estando o Bayern um ponto à frente à partida da penúltima jornada (quando perde em casa com o Leipzig e deixa o Borussia com mais dois pontos antes da disputa da jornada final de Sábado); num indescritível golpe de teatro, e no seu Iduna Park pintado de amarelo e cheio como um ovo, os de Dortmund deixam-se empatar (ou, quase mais propriamente, perder já que o golo do empate surge seis minutos depois da hora regulamentar) e acabam a entregar o décimo-primeiro título ao Bayern (vencedor em Colónia) por goal-average ― claramente, o momento mais emocionante da época futebolística que termina!