terça-feira, 16 de maio de 2023

TURISMO E CRESCIMENTO

(O debate económico em Portugal faz-me lembrar aquelas velhas grafonolas que, apesar dos nossos esforços, não conseguem passar de uma determinada parte do disco, repetindo para todo o sempre a passagem musical que nem sempre é aquela que gostaríamos de ver repetida até à exaustão. Assim também, em matéria económica, ou não crescemos, ou quando o fazemos nem sempre com os ritmos desejados lá está a almofada do turismo para arrefecer todo o entusiasmo possível, desvalorizando assim os pergaminhos que qualquer governante possa reivindicar acerca da matéria. Existem várias maneiras possíveis de avaliar criticamente o padrão e intensidade de crescimento de um país. Das visões mais tradicionais, o que não significa necessariamente menor relevância, como a que o Amigo Daniel Bessa apresenta no Expresso deste último fim de semana em que coloca a ênfase no aumento de capacidade produtiva e de produtividade, a visões mais modernas inspiradas pelos modelos de crescimento endógeno, com maior diversidade de fatores de crescimento, existe todo um manancial para termos uma perspetiva mais crítica do crescimento económico português e, como a maioria dos comentadores económicos o assinalam, da ambição que lhe anda associada. Como é óbvio, a análise comparativa e de contexto, global e de cada país, normalmente não replicáveis, não pode ser ignorada. Com uma pandemia em cima do lombo, logo a seguir com adaptação a uma guerra estúpida e com a ampla adaptação global a que a economia mundial está hoje sujeita, obviamente que uma economia portuguesa de média dimensão e forte extroversão não foge a essa regra. O ponto essencial deste meu post é ensaiar a explicação de que a associação turismo e crescimento, que não significa de todo determinação do segundo pelo primeiro, pode não constituir necessária e obrigatoriamente uma má opção de padrão de crescimento.

 

As estimativas de crescimento económico que têm agitado recentemente o debate público, curiosamente com o Governo a ser mais moderado do que a Comissão Europeia e FMI, parecem representar algo mais do que a simples consequência de termos tido um choque pandémico mais acentuado do que os restantes países e assim beneficiarmos do efeito percentagem (recuperação mais alta dada a mais forte queda anterior). E assim surge a ideia de que as estimativas para 2024 são essencialmente puxadas pelo crescimento do turismo, do qual temos evidência segura nas nossas principais cidades.

Desde que os seus efeitos de massa sejam controlados e evitados, o turismo a partir do momento em que pode ser considerada uma atividade transacionável, exportação de serviços, é um fator de crescimento como outro qualquer. Isso é assim apenas enquanto não integramos na análise considerações de eficiência dinâmica (inovação) e de transformação estrutural das exportações (vantagens comprativas dinâmicas). Primeiro, se bem que atividade transacionável, o turismo tende a potenciar um conjunto diverso de atividades não transacionáveis, designadamente o imobiliário e a construção civil além do nível desejável para uma economia que busca não entrar de novo no desvio de especialização que os não transacionáveis representaram na crise das dívidas soberanas e na exaustão desse modelo de crescimento. Segundo, o potencial de eficiência dinâmica do setor é comparativamente mais baixo do que o observado noutros setores potenciais motores de crescimento. Em Portugal, sobretudo, tende a transformar-se num outro reduto de mão-de-obra menos qualificada ou de parqueamento de sobre-qualificações, retardando assim o processo de alinhamento da especialização produtiva nacional com a melhoria de qualificações em curso. Terceiro, o turismo é muitas vezes fonte de estratégias imediatistas de procura de lucros, das quais os atropelos ao ordenamento do território constituem a evidência mais frequente, com sérias consequências para a preservação da biodiversidade e da sustentabilidade ambiental. Quarto e último, quando reveste a forma de monoespecialização (caso típico da Região Autónoma da Madeira que começa finalmente a dar sinais de querer fugir a essa trajetória), o turismo pode ser equiparado à chamada maldição dos recursos naturais, gerando problemas de diversificação e até de estagnação económica.

Tudo isto pode ser evitado se o turismo não representar o motor do crescimento económico, se a monoespecialização dos territórios for contrariada e se o turismo for apenas uma almofada de geração de rendimento, numa trajetória de crescimento e desenvolvimento em que outros ramos de atividade assumam o papel de liderança nos efeitos de crescimento e de inovação, suscetíveis de dar resposta e alinhar com a melhoria de qualificações que paulatinamente vai sendo registada na sociedade portuguesa.

Na mais recente informação publicada pelo INE relativa a evolução de remunerações (março de 2023), o setor do turismo que está inserido no grupo I (ramos 55 e 56) da CAE Rev 3 das atividades económicas apresenta uma variação homóloga da remuneração bruta total mensal média por trabalhador que é das mais elevadas das observadas em Portugal. Em meu entender, essa evolução refletirá não propriamente uma mudança estrutural significativa do setor de alojamento, restauração e similares, mas provavelmente o efeito da escassez de mão-de-obra que muitos empresários do setor assinalam e que a população estrangeira, essencialmente brasileira, não estará plenamente a colmatar. Mas convém recordar que o alojamento, restauração e similares continua a ser considerado um setor de serviços pouco intensivos em conhecimento cuja remuneração bruta total mensal média por trabalhador é segundo a já citada publicação do INE igual apenas a 1.165 euros. Com este valor, tudo indica que a variação de 10% observada na remuneração refletirá essencialmente o processo de adaptação do setor às por agora observadas condições de escassez de oferta de trabalho. Acresce que os já referidos números do INE permitem concluir que as variações positivas mais elevadas face a março de 2022 da remuneração média mensal acontecem nas empresas com 1 a 4 trabalhadores (8,6%) e com 5 a 9 trabalhadores (8,5%).

Quer isto significar que o turismo deve ser considerado uma espécie de almofada de crescimento, destinada a ser acompanhada por fatores mais dinâmicos de crescimento, designadamente do ponto de vista de atingir um melhor alinhamento da evolução da estrutura produtiva nacional com a melhoria paulatina de qualificações observada na sociedade portuguesa. Crescermos a 2,4 ou a 2,6% em 2024, mesmo que puxado pelo crescimento do turismo neste país hospitaleiro, não deve limitar a nossa ambição, mas tão só a de almofadar decisões mais importantes de investimento que estarão a acontecer (por via do PT 2020, PT 2030 e PRR) mas cuja maturação de efeitos só poderá ser projetada para a segunda metade desta década.

A esse propósito, a CCDR-N, com autoria do Amigo José Maria Azevedo, acaba de publicar um estudo intercensitário da evolução das qualificações escolares e de sucesso educativo da Região, ao qual me referirei em próximo post.

Atualização de dados

Os dados publicados hoje pelo Eurostat confirmam que, em relação ao trimestre anterior, Portugal é a economia que mais cresce na UE - 1,6% com a Finlândia como a economia mais próxima com 1,1; a maioria das restantes economias tem crescimentos negativos.

Em termos homólogos face ao 1º trimestre de 2022, Portugal não é a economia que mais cresce: os 2,5% ficam abaixo da Espanha (3,8%), da Roménia (2,8%) e da Irlanda (2,6%).

 

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