sexta-feira, 30 de julho de 2021

GASTAR, GASTAR, GASTAR!


Prossigo este meu momento de assumida preguiça bloguista com o simplificado recurso ao artigo assinado por Pedro Santos Guerreiro (PSG) no “Expresso” de hoje, “A máquina de gastar fundos” (um grande título, diga-se de passagem!). Que termina assim: “António Costa sabe que há uma máquina engrenada há décadas que Governo nenhum quer ou consegue desmantelar, sobretudo quando está com pressa para gastar, como este está. Essa máquina recebe agora mais €5,5 mil milhões. Mas está tudo bem, não nos preocupemos, será para ‘aproveitar bem’, será ‘para as pessoas, para as empresas e para o país’.”

 

Não era minha intenção insistir na tecla dos fundos estruturais europeus, mas a leitura de PSG seguida de um telefonema matinal (que um dia revelarei em mais pormenor, até para que eles saibam que eu sei) trouxe-me à tona alguma irritação, motivada pela indigência, pelo desperdício, pela conversa fiada e pela intrujice em que andamos metidos desde há anos, com claríssimo agravamento nos mais recentes (também pela responsabilidade exigível a quem já anda nisto há tempos imemoriais). A área da formação profissional, mais ou menos desejavelmente repercutível em suposta qualificação do nosso capital humano (uma palavra duplamente feia no contexto!), foi então contemplada esta semana com mais um anúncio chorudo (os tais 5,5 mil milhões de euros) e lá estiveram na fila da frente, em vivo aplauso, os tais “suspeitos do costume”. Prometendo que desta vez a massa vai ser bem gasta, agora sim!

A POLÍTICA VAI PARA FÉRIAS?

 

(Com as eleições autárquicas no horizonte próximo, poderia dizer-se que as férias políticas estariam este ano mais ou menos comprometidas. Mas embora alguns autarcas (mas também as políticas públicas em geral) tenham levado alguns murros no estômago com a publicação dos resultados preliminares dos Censos 2021, tudo parece estranhamente calmo. A grande generalidade dos nossos comentadores políticos, particularmente os mais assanhados com o primeiro-Ministro, parecem rendidos à perceção de que afinal a gestão da pandemia não atirou ao tapete o governo socialista e António Costa. E o simples facto de que a controvérsia em torno da morte de Otelo dominou esmagadoramente a cena política dos últimos dias mostra que, apesar da sua legitimidade e envolvência democráticas, as autárquicas permanecem algo estranhamente na sombra, expectantes.)

Agosto está aí no horizonte próximo e, embora para alguns corresponda ao incómodo de pagar os adicionais de IRS não cobrados ao longo do ano, cheira a férias, mesmo que gozadas jogando ao gato e ao rato com a pandemia. Mas esta parece amainar cá pelo burgo, com o famigerado R(t) de novo abaixo de 1 e a incidência a dar mostras de finalmente começar a ceder. A taxa de vacinação total da população portuguesa já atingida coloca-nos numa situação a que não estamos habituados no plano comparativo europeu e mundial, a população jovem parece também disposta a colaborar e, quando nos recordamos de que nos EUA se oferecem 100 dólares aos renitentes em serem vacinados, isso dá-nos alguma esperança. Entretanto, nos EUA é cada vez mais evidente a correlação existente entre a distribuição territorial da taxa de vacinação com a distribuição dos eleitores que apoiaram Trump, claramente menor nestes últimos. Os RED STATES são a maior ameaça à estabilização pandémica nos EUA e isso tem uma explicação, a estupidez republicana, apostada em seguir o seu Amo e Senhor. Biden não esperaria por este motivo confrontar-se com a estupidez republicana, mas a verdade é que o terreno da pandemia é aquele em que ela melhor se tem manifestado.

Por cá, o nosso Vice-Almirante prossegue a sua saga (quem está meses num submarino tem esta espantosa capacidade de resistência às contingências do planeamento). Por sua vez, Costa encontrou o seu timing para preparar o horizonte do chamado regresso à normalidade na anormalidade, ganhando balanço seja com a impaciência de Marcelo, seja com a abertura dos especialistas que vão por aí manifestando a sua avaliação e não apenas nas sessões do INFARMED. Podemos reconhecer que Costa se deixou entusiasmar com o brilho do dinheiro europeu (a deixa para a ida ao banco é lamentável). Podemos ainda torcer o nariz ao facto de ter entregue a chave do PRR a alguém como Nelson de Souza, que controla e desconfia da própria sombra, que navega no centralismo com grande à vontade e que a territorialização da sua aplicação é pouco transparente. Mas, sopesados todas essas fragilidades e desvios desnecessários e apesar das insistências de remodelação e de Cabrita, a verdade é que Costa entra no estio de agosto com margem de manobra para uma rentrée bem-sucedida. Muita gente terá de meter a viola no saco e adiar uns acordes pela exaustão do primeiro-Ministro com a gestão da pandemia. Acho que Costa terá de agradecer, entre outros, à tenacidade e resistência de Marta Temido e da sua equipa e também à circunstância do líder inicial da Task Force da vacinação se ter passado dos carretos e ter dado o lugar ao Vice-Almirante.

É também verdade que, para cómoda entrada em Agosto, também contribui e de que maneira a desorientação da direita, de todos os quadrantes. O CDS parece apostado em secar os seus recursos mais valiosos e imagina-se a elevação que constituirá a disputa de liderança entre Rodrigues dos Santos e Nuno Melo. O próprio Chega parece ter-se eclipsado, talvez assoberbado com as autárquicas, dando alpista aos trânsfugas locais, a espécie mais odiosa do mundo local. A Iniciativa Liberal parece destinada a esgotar-se na criatividade dos cartazes. O PSD pena a bom penar, restando a dúvida se Rui Rio ainda acredita em alguma coisa ou se desabafa com os seus botões, “vou ver-me livre disto”. E aquilo a que chamo a direita Observador parece também condenada a uma espécie de Carochinha que clama permanentemente “quem quer casar com os nossos princípios e valores”, com que raio de partido poderemos trabalhar. Neste campo da direita, a única novidade e essa perigosa que baste é a manifesta tentativa de encontrar uma outra narrativa explicativa para o 25 de abril, para nela finalmente poder integrar algumas personagens que carecem desse lastro.

Dir-me-ão que os problemas estruturais do País estão aí para nos atormentar a acalmia retemperadora de agosto. Mas uma coisa pode o governo de Costa reivindicar, curiosamente através do ministro que mais impaciência gerará no primeiro-Ministro. O Plano Ferroviário Nacional poderá marcar uma nova imagem de País, isto a partir de dentro e a partir de fora. E se na região Norte houver arte e engenho para colocar Vila Real e Bragança no mapa ferroviário, então teríamos um outro Norte.

Como diria o outro, uma coisa de cada vez. E agosto começará ainda com todos mergulhados na indeterminação do que se passa no Reino Unido: por que motivos desceu a incidência pandémica com o desconfinamento total, mesmo que mitigado com os avisos à prudência por parte das autoridades? Embora o Reino Unido seja um dos países com uma taxa de vacinação total das mais elevadas no mundo (56% pouco acima da nossa própria taxa) o corpo científico britânico não tem ainda uma explicação cabal para a descida da incidência após a “libertação” do 19 de julho. Ou será que o vírus se encontra ele própria em fase expectante ou talvez com novas mutações?

Cá por mim continuo prudente.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

DOS JARDINS DA CASA DE S. ROQUE ÀS BODEGAS LA VAL

 

(Título algo estranho mas que explica a minha ausência por alguns dias do espaço do blogue, pois o tempo é escasso e não dá para tudo. A questão explica-se facilmente com duas intervenções consecutivas: a da intervenção no debate O Porto e a escala metropolitana inserido na animação da campanha de Rui Moreira e a da presença no XII Plenário da Comunidade de Trabalho Galicia-Norte de Portugal para apresentar o Plano de Investimentos Conjuntos das duas regiões para o período 2021-2027. Deixo-vos com algumas reflexões inspiradas por estas duas expressões da minha intervenção cívica.)

A primeira questão consiste em explicar o que faz um residente em Vila Nova de Gaia e próximo ideologicamente da área socialista a participar na animação da candidatura de Rui Moreira à sua reeleição na Câmara Municipal do Porto. Vários fatores explicam a minha aceitação do convite que me foi dirigido. Primeiro, não me agradou a falsa e mal contada partida do Partido Socialista em matéria de preparação da candidatura ao Porto. É demasiado má para ficar indiferente, ao que associo uma outra deceção, a incapacidade do PS gerar uma plataforma metropolitana de explicitação dos projetos que os seus candidatos apresentam. Segundo, embora não me seduza a área política que apoia Rui Moreira, acho que ele encarna bem e melhor do que ninguém nos tempos de hoje o espírito de uma certa burguesia independente que faz parte da tradição identitária do Porto. Terceiro, não vejo outra VOZ para afirmar os interesses e a projeção do Porto na Região e no mundo. Razões suficientes para aceitar debater o tema do Porto e da escala metropolitana naqueles jardins, ainda por cima dialogando com o meu Amigo Professor Paulo Pinho da Faculdade de Engenharia do Porto com quem tenho algumas experiências conjuntas de planeamento.

Levei ao debate cinco tópicos de discussão, alguns dos quais já não são novos face ao abundante material de escrita neste blogue ao longo de tantos anos.

Ponto 1

O Porto metropolitano é uma matéria atribulada e com forte conflitualidade.

Recordo-me perfeitamente dos tempos em que o PS, pela pena do arguto Arquiteto Gomes Fernandes, clamava contra a cidade muralhada e contra a incapacidade do planeamento do Porto considerar a escala metropolitana. Paradoxalmente o PS nunca conseguiu levar à prática consequentemente essa crítica.

A composição geográfica da Área Metropolitana do Porto não é pacífica. O seu alargamento surgiu pelos piores motivos, a captação de fundos europeus, e disso não tem recuperado, apesar da relevância de alguns projetos concretizados nesta composição atual de 17 municípios.

Não está isenta de questões constitucionais. O PS ensaiou atabalhoadamente o tema das eleições diretas para as Áreas Metropolitanas, mas não preparou o flano do facto das Áreas Metropolitanas segundo os constitucionalistas mais reconhecidos não serem uma autarquia e daí o imbróglio. Falsa partida, pois.

Finalmente, muitos têm-se batido pela singularidade da AMP quando confrontada com a AML: mais policentrismo e biodiversidade são os argumentos, com os quais concordo, mas tem havido incapacidade de formulação de políticas públicas.

Ponto 2

Este é talvez o meu interesse fundamental nesta questão. Há um conjunto vasto de matérias relativamente às quais existe défice de escrutínio democrático. Não são objeto de debate e escrutínio político a nível de eleições locais. E não têm envergadura suficiente para o serem à escala das legislativas. Logo, um cidadão metropolitano como este vosso Amigo, que reside em Vila Nova de Gaia, trabalha em Matosinhos, tem o lazer e o afeto dos netos no Porto não tem representação democrática em alguns dos temas e assuntos que condicionam a sua vida.

Ponto 3

As diferenças entre a AMP na sua configuração atual a 17 municípios e a “verdadeira” AMP ou coração metropolitano, o Grande Porto, são melhor compreendidas quando se discute a lógica da concertação intermunicipal nesses dois espaços. Na AMP atual, a única matéria para objetivamente exercitar a perequação do financiamento é a da coesão territorial. Já no Grande Porto, a questão da concertação tem por base a questão das relações residente-utente (os que usam a Cidade do Porto e nela não residem), confrontada depois com a questão das principais infraestruturas para a competitividade e internacionalização estarem localizadas nos municípios vizinhos.

Ponto 4

A chamada governação económica da aglomeração metropolitana é no domínio do Grande Porto que melhor é compreendida. Está em causa a governação do sistema de infraestruturas para a internacionalização e competitividade (porto de mar, aeroporto, infraestruturas logísticas) e também mais modernamente a questão da atração de investimento estruturar para interagir com o sistema científico e tecnológico aqui localizado e valorizar o seu conhecimento. É de governação de uma área funcional que estamos a falar e sabemos, infelizmente, a falta de tradição que temos nesse campo.

Ponto 5

Um tema novo e promissor, a escala metropolitana do Porto e a biodiversidade. Será talvez a dimensão que melhor pode virtualizar a composição atual da AMP e melhor afirmar a sua singularidade. E esta escala temática faz-se com projetos estruturantes. Trago à reflexão um dos mais promissores – o BIOPÓLIS, liderado pelo CIBIO e integrando na parceria a Universidade de Montpellier e a Porto Business School e mobilizando o entusiamo contagiante do Professor Nuno Ferrand (CIBIO), implantado no polo de Vairão (Vila do Conde). O que me leva à minha conceção do planeamento esperançoso. Mesmo com contextos desfavoráveis é possível fazer coisas. O BIOPÓLIS pode marcar uma viragem significativa na área da biodiversidade, dados os objetivos de excelência científica e de translação de conhecimento que inspirarem este importante financiamento europeu.

* * * 

E dos jardins da Casa de S. Roque na parte oriental da Cidade, com uma passagem por Seixas para ganhar forças e tempo de viagem, lá estava eu bem cedo, nas Bodegas La Val (belo Alvariño) em Salvaterra de Miño, numa zona deslumbrante de vinhedo galego. Oportunidade para recordar o ritual dos Plenários da Comunidade de Trabalho Galicia-Norte de Portugal, neste caso o XII, em que me cabia, por impossibilidade do meu Amigo Professor Luís Dominguéz da Universidade de Vigo, apresentar o Plano de Investimentos Conjuntos 2021-2027 que elaborámos colaborativamente. O ritual de sempre. Nuñez Feijoo como peixe na água a proceder à transmissão de testemunho ao Professor António Cunha, novo Presidente da CCDR-N, com um bom discurso final, emotivo e carregado de referências histórico-culturais à Galiza e citando Castelao. Ainda com a presença veneranda do Engenheiro Valente de Oliveira a dar à reunião um toque de elogio ao passado. Mudança de testemunho também na direção técnica do AECT Galicia-Norte de Portugal, com o meu Amigo Xosé Lago a ceder o lugar ao Nuno Almeida, que porfiando chega à direção do AECT, culminando a sua carreira como diplomata da cooperação.

Tomei contacto com uma Comunidade de Trabalho mais viva do que há algum tempo, em que chegou a estar moribunda, sobretudo nos tempos da passagem de Emídio Gomes pela CCDR-N. Lá estava também Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga, mas na qualidade de Presidente do Eixo Atlântico (e também exultante pelo crescimento demográfico da década em Braga que os resultados preliminares dos Censos lhe atribuem), anunciando talvez o enterrar do machado de guerra entre as duas instituições que por vezes esteve em riste. A cooperação parece estar madura para um salto disruptivo, sobretudo a partir do momento em que dispõe de instituições de proximidade que estão a consolidar-se e isso é um lastro poderoso para outros voos.

Consultando depois a imprensa galega, apercebo-me que, apesar da costumeira elevada presença da comunicação social galega na reunião, a notícia de que a ligação pela AP-9 entre o Ferrol e Tuy ficará mais barata 15 euros, por decisão do governo espanhol, apagou quase completamente os ecos da mudança de testemunho que Feijoo trouxe para António Cunha.

Como diria o outro, é a Vida e haverá mais plenários.

Ainda não totalmente confiante em refeições com muita gente em recinto fechado, mesmo em áreas generosas, acabei com umas tapas no centro histórico de Tuy, cada vez mais acolhedor. E um copo de Albariño para acompanhar, por coincidência com a marca La Val.

PORTUGAL TAMBÉM NÃO É ISTO

Indisponibilidade bloguista quase completa nestes breves dias de paragem a meio do mar. Tempo apenas para ver rapidamente “as gordas” nas capas e nos sítios dos órgãos noticiosos (os nossos e alguns outros). Não sendo jornal que frequente de todo, o “Correio da Manhã” de hoje saltou-me aos olhos pelo país que alguns tentam vender: Berardo, Vieira, Proença e Salgado preenchem quase tudo o que importa, com um pequeno espaço marginal para a marquise de Ronaldo e os milhões perdidos pelos restaurantes com a pandemia. O Portugal a que por vezes aqui tenho chamado “Isto”, na esteira de comentadores famosos, tem muito de mau pelo que não elege nem aborda como essencial, mas também não é isto que aqueles nos querem impingir, um mero antro de corrupção e casos judiciais.

terça-feira, 27 de julho de 2021

E DEPOIS DE IRMOS AO BANCO?

Será certamente repetitivo e cansativo algum bater na tecla das limitações do nosso PRR. Mas também não o será menos a insistência governativa no imenso dinheiro que está a chegar para injetar na economia, na prioridade a triplicar que se irá dar à sua execução, nos múltiplos envelopes que irão ser destinados a todos quantos façam prova de existência no sentido de os merecer, nas maravilhas da descarbonização e da digitalização que se está a preparar tão obediente quanto afincadamente (o exemplo dos computadores para as escolas não passou de uma azarada exceção para confirmar a regra!)... Para onde queremos ir e por que caminhos, isso já é outra história, bem menos concreta e definida (como diz a canção), algo que a divina providência se encarregará (pelo menos assim se espera!) de orientar au fur et à mesure, haja é dinheiro disponível no banco!


Isto mesmo sublinhavam alguns articulistas do “Expresso” deste último fim de semana — como esses mesmos e outros nas semanas transatas —, numa emissão de convergentes sinais dos tempos, ainda que sob formas mais arrasadoras ou mais moderadas... e com Clara Ferreira Alves a primar pelo destrutivo “Como dar cabo de um país” em que quis situar neste período que vivemos aquele que será talvez o pior de sempre da nossa democracia: “(...) nunca imaginei que tal sabor amargo viesse à força, o de não ver futuro para Portugal, de não descobrir chefes respeitáveis que não façam da mentira a verdade da propaganda” ou “Estamos no oásis ou estamos de mão estendida, estamos de tanga, estamos no buraco, logo salvos pela miragem cristalina do oásis chamado Europa. Ou, na frase reveladora de António Costa a Ursula von der Leyen: ‘Já posso ir ao banco?’”.


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)