quinta-feira, 31 de agosto de 2023

TAREMI COMO MAU SINTOMA

(cartoons de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt Omar Momani, https://omarmomani.blogspot.com

Chega hoje ao fim, na maioria dos países europeus, o tão nefasto período para inscrição de jogadores com vista à época em curso. No que toca a Portugal e aos clubes portugueses, e abstraindo dos inconcebíveis casos de João Félix (que talvez ainda acabe com bilhete premiado para vir a integrar o plantel do Barcelona), de João Moutinho (que foi parar ao Braga depois de ter tudo acertado com o FC Porto, num processo que tem tudo de falta de transparência) e de Odysseas Vlachodimos (que parece em vias de despacho para o Nottingham Forest por decisão inamovível do vingativo Roger Schmidt), tudo correu dentro de alguma normalidade até ontem, momento em que algo fez abortar a acordada saída do iraniano Mehdi Taremi para o AC Milan por 18 milhões de euros. Não querendo explorar um discurso em torno do meu desconhecimento quanto ao concreto da matéria, limitar-me-ei a duas “colocações” contraditórias: a do adepto, satisfeito com a permanência de um excelente atleta e com as correspondentes garantias de um contributo sem paralelo na disputa pela liga nacional e no apuramento para os Oitavos da Champions (o grupo ontem sorteado fornece razões de otimismo nesse sentido); a do portista atento e preocupado com a gestão do clube, não apenas desagradado com o termo de um negócio que evitava mais uma saída a custo zero no final da época como sobretudo envergonhado pelas referências críticas e pouco abonatórias (vindas de Itália) ao “sistema” que parece estar crescentemente a reger o modo de estar dos nossos dirigentes. Por isso, daqui me declaro solidário com a “vergonha alheia” declarada por André Villas-Boas aquando do caso João Moutinho (que ficou inaceitavelmente por explicar) e credor (enquanto sócio e fervoroso apoiante de muitas décadas) de algo mais do que um silêncio ensurdecedor por parte de quem decide e assume responsabilidades em nome do FC Porto.

TEATRO DE SOMBRAS ENTRE FEIJÓO E SÁNCHEZ

(cartoons de Idígoras y Pachi, http://www.elmundo.es e Ricardo Martínez, http://www.elmundo.es) 

O folhetim em torno da investidura espanhola prossegue com alguns laivos de ridículo para ambos os lados essencialmente envolvidos, o PP e o PSOE, e de desprestígio para o lado mais determinante da democracia enquanto sistema com proclamada dominância de valores. Não posso também deixar de sublinhar o meu espanto com a “estratégia” que Feijóo vem adotando, aliás desde o momento em que se decidiu a fazer como Rui Rio fez por cá (não impor linhas vermelhas claras em relação à extrema-direita) e em seguida com as suas aproximações mais quixotescas do que táticas a um Pedro Sánchez que visivelmente fará whatever needed para garantir a sua permanência no poder. O dia de ontem constituiu um cúmulo de fingimento de parte a parte e representou, seguramente, um momento adicional de escárnio e maldizer para a imensa maioria dos cidadãos hispânicos bem-intencionados. Até porque, com os nacionalismos a prepararem o seu regresso em força, pouco de brilhante será expectável que possa resultar de mais uns tempos de “sanchismo”.

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

AFINAL A CHINA INTERESSA MAIS DO QUE PARECE …

 


(Cheguei à conclusão por estes dias que a hipocrisia americana e ocidental em geral acerca da China é imensa. Aparentemente, está instalado um enorme desdém sobre a pretensa característica de motor da economia mundial. Mas se ouve tema económico que marcou o mês de agosto foi o debate sobre a explicação do declínio económico chinês, a ponto de se discutir a fundo se a China integra o grupo de países que se encontram presos na chamada armadilha dos níveis intermédios de rendimento. Assim sendo, se a China não interessasse, o tema de debate não teria a disseminação e intensidade que apresentou neste mês de agosto. E, como tenho vindo a salientar, entre a retórica política agressiva para cidadão papalvo se entusiasmar e a prática política concreta da administração americana para com as autoridades chinesas vai uma distância imensa, como o demonstram os sucessivos grupos de trabalho e iniciativas com os quais a administração americana tenta salvaguardar a estabilidade dos mercados globais em intenso reordenamento. Por isso, a China interessa e daí que continue a conceder-lhe o espaço que justifica nas reflexões deste blogue.

O tema é relevante, sobretudo porque a comunidade ou tribo dos economistas está longe de ter chegado a um consenso minimamente estruturado sobre as razões que explicaram quer os vinte anos de crescimento prodigioso que a China trouxe para a economia mundial, quer agora a sua estagnação. Economistas de grande perspicácia como Bradford DeLong não se inibem de proclamar aos quatro ventos essa dificuldade e foi nessa onda de influência que cheguei a uma proposta explicativa bastante compreensiva de autoria de Arpit Gupta, Professor da Universidade de Nova Iorque.

O caráter compreensivo da explicação passa por recuperar o ponto central da controvérsia entre Adam Tooze e Michael Pettis/Mattew Klein. Segundo o primeiro, a China teria entrado em estagnação económica devido ao chamado risco da expropriação económica autoritária. A estagnação seria um problema de Xi Jinping na medida em que o autoritarismo repressivo seria incapaz de dotar os atores privados dos incentivos necessários. De acordo com os segundos, seriam antes desequilíbrios estruturais internos que explicariam a estagnação. O principal desses desequilíbrios consiste no facto do peso do investimento no PIB tornar insignificante o peso das despesas de consumo, que tornou a economia chinesa excessivamente dependente da dinâmica infernal do investimento não acautelando as ambições de aumento de consumo das classes médias chinesas em ascensão. Penso que Gupta tem razão quando questiona a tese de que o aumento do peso das despesas de consumo tenderá a fazer aumentar o nível de produtividade da economia. Não é seguro que esse aumento não possa traduzir-se em desvios para o consumo de serviços. Por isso, Gupta admite que o stock de capital público e privado por trabalhador possam ainda crescer, ainda que os governos locais chineses atravessem hoje uma situação de endividamento muito problemática.


Daí que Gupta lance na discussão um terceiro elemento que radica na tradicional dependência do crescimento económico chinês do investimento imobiliário. Ora, o setor imobiliário chinês atravessa um período de crise aberta, na qual Gupta identifica quatro perversidades: (i) a baixa produtividade total dos fatores do setor da construção associa o investimento imobiliário a um clima de rendimentos decrescentes; (ii) a bolha especulativa terá rebentado e teme-se uma série de defaults de entidades promotoras que se endividaram fortemente; (iii) a euforia imobiliária terá levado a economia chinesa a uma série de investimentos cuja racionalidade económica é cada vez mais discutível; (iv) um típico problema de excesso de alavancagem, devido sobretudo ao endividamento crescente e descontrolado que a euforia imobiliária provocou.

O quarto elemento proposto por Gupta é mais sofisticado e invoca um dos contributos mais importantes do economista que mais trabalhou o planeamento comunista, Janos Kornai. O princípio de Kornai ficou conhecido por “soft budgetary constraints” (constrangimentos orçamentais suaves) e baseia-se na ideia de que como a falência de empresas é considerada uma impossibilidade isso tende a multiplicar as más decisões nas cadeias de decisão e gestão, prolongando situações de grande ineficiência e baixando a produtividade total dos fatores num número muito dilatado de setores e empresas.

Na explicação de Gupta são estas quatro razões que têm de ser combinadas para se compreender a estagnação económica chinesa. A complexidade do problema é visível. Ora é precisamente pela complexidade do problema que se compreende a importância da China para o estado da arte da economia global. Complexidade que obviamente a retórica política é incapaz de integrar. Como sempre.

 

 

O BOM VETO DELE E O NOSSO IMPASSE

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt) 

Marcelo vetou o pacote de medidas governamentais para a habitação, e muito justamente como bem aqui explicou nas respetivas essências o António Figueiredo e como bastante mais duramente explanou o diretor do “Expresso” na sua coluna (chegando mesmo a referir-se-lhe como “o mais importante [alerta de Marcelo] que ele fez nos últimos anos”). Claro que existem sempre razões do tipo das de Miguel Sousa Tavares (“Marcelo tem toda a razão nas razões invocadas para o veto ao Mais Habitação. Salvo numa: é matéria de competência do Governo, não do Presidente.”), ao que ele próprio responde certeiramente (“O que não salva a lei nem desculpa a reação do Governo.”). Com Costa a fazer constar alto e bom som que “espera ainda mais oposição de Marcelo”, como se a política se limitasse a uma interminável sucessão de jogos florais sem sentido e sem saída, estamos então assim encerrados no desesperante círculo vicioso que a vinheta de abertura tão bem ilustra. Claro que se poderá sempre vir afirmar por cima disto que a democracia encontra sempre soluções, o que já foi uma verdade mais consequente pese embora algum arrepio de caminho que o PSD vai esboçando nesta rentrée. Vem aí um ano que promete!

terça-feira, 29 de agosto de 2023

A SEMANA PASSADA É QUE FOI!

 


(Alguém próximo me dizia que quando duas pessoas ou amigos se encontram, tendo por ponto comum serem ou terem sido frequentadores da praia de Moledo em Caminha, a expressão mais habitual é a de que na semana passada esteve uma praia fantástica. Esta expressão é curiosa porque revela que a nossa impressão positiva é sempre influenciada por um dia ou dois no passado, em que mar e o não vento se combinaram para proporcionar uma praia invejável a qualquer um. O poder de amplificação de impressões agradáveis provocado por esses dias excecionais prolonga-se no tempo e daí ser comum a referência à semana anterior, nunca o tempo presente. Faz parte do ritual e todos os anos ele se repete, no meu caso até regressar às estadias de fim de semanas, que retomarei em breve para a recuperação de energias semanal, enquanto a idade e a saúde o permitirem. O ritual de fim de agosto está aí à porta e todos os anos nos interrogamos se o declínio do destino Caminha e arredores é real. A indeterminação persiste sobretudo pela dificuldade de perceber se o envelhecimento dos habitués de longo tempo está ou não a ser compensado pela chegada de gente mais nova, designadamente filhos e netos dos que vão envelhecendo. Pela minha parte, tenho prazer em confirmar que filhos e netos serão frequentadores destas paragens, como aliás o sortilégio dos objetos de casa o revela.

A indeterminação do tal declínio é confirmada pelo facto de bastar um simples dia de nortada intragável para parecer que a debandada está em marcha, mas ao primeiro dia favorável de combinação de fatores climáticos já o estacionamento se torna uma aflição, mostrando que a procura anda por lá expectante e aguardando os tais dias de exceção. E há o fator volante e tremendamente variável dos espanhóis que fazem sempre a diferença, não apenas nos dias de feira (quarta em Caminha e sábado em Vila Nova de Cerveira) mas praticamente em todos os dias, naquela troca transfronteiriça de há longos tempos (eles visitam-nos a pensar na nossa gastronomia e nós retribuímos perdidos de amores pelas eternas tapas que só eles sabem cultivar. Nem mesmo a irritante avaria do transporte fluvial entre Caminha e Goiã, dizem-me por problemas de infraestruturas no local de atracagem em Espanha, é suficiente para desincentivar a vinda dos galegos e dos espanhóis de outras paragens que veraneiam na Galiza.

De resto, Caminha inaugurou finalmente o seu mercado municipal de linhas arquitetónicas sóbrias (Rui Rosado Correia e Tiago Sousa), apresentando ainda uma dinâmica de oferta de serviços bastante limitada, a COOL é um fenómeno de procura feminina, do Central já falei em post anterior e os restantes símbolos do nosso consumo diário (a Tabacaria Gomes, o Dino, a irrepreensível loja de decoração da D. Regina, o Alberto da Boutique dos Vinhos, a Riviera, a fiabilidade do restaurante a Gaivota, a vivacidade da praça central) continuam lá, para nos fazer sentir em casa (primeira ou segunda não interessa, neste tempo em que a mobilidade é crucial).

Até ao próximo fim de semana.

 

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

O ENDIVIDAMENTO PORTUGUÊS

 
(Elaboração própria a partir de https://bpstat.bportugal.pt

A questão do endividamento português tornou-se uma constante da nossa análise económica e tem sido largamente explorada neste espaço. A pretexto dos dados recentemente publicados pelo Banco de Portugal sobre o primeiro semestre de 2023, volto aqui ao tema para repisar alguns factos e ideias que disso julgo merecedores.

 

A saber: (i) que o endividamento do setor não financeiro em Portugal (Estado, empresas e particulares), apesar de ter vindo a registar uma nítida quebra após o máximo atingido em finais de 2012 (426% do PIB) e a observância de resultados do programa de resgate financeiro (com a consequente “saída limpa”), está hoje a um nível global mais ou menos equivalente ao de antes da grande crise internacional e europeia, valor no gráfico reportado a finais de 2007 (320% do PIB contra 315%, respetivamente); (ii) que esta evolução é bastante mais uma decorrência da baixa do endividamento das empresas após 2012 (de 170% do PIB para 115% hoje) e da gradual quebra do endividamento dos particulares ao longo de todo o período contabilizado (de 89% do PIB no final de 2007 para 115% na atualidade) do que de esforços visíveis de redução do endividamento público; (iii) que o endividamento público experimentou um muito significativo aumento nos anos de crise (de 91% do PIB em 2007 para 169% no primeiro semestre de 2013), tendo depois vindo a ser lentamente corrigido a partir deste nível mais elevado até atingir 148% do PIB imediatamente antes da pandemia e, após o novo aumento por esta fortemente determinado (170% em final de 2020), e os 145% a que já conduziu a estratégia de combate à inflação (com a correspondente arrecadação fiscal) e a política das “contas certas” (cada vez mais, e à falta de melhor, a “menina dos olhos” da dupla Costa-Medina).

 

E assim estamos, portanto, observando uma situação que cada vez mais parece stuck e suscetível de evoluir em vários e desencontrados sentidos sem que o País tenha devidamente aproveitado os potenciais efeitos positivos daquilo que uma leitura literal e imediatista dos números em presença parece indiciar.

domingo, 27 de agosto de 2023

O BRICABRAQUE DOS BRICS +

 


(A decisão assumida em Joanesburgo de alargar o agrupamento dos BRICS com a integração de países como a Arábia Saudita, a Argentina, o Egito, os Emiratos Árabes Unidos, a Etiópia e o Irão veio de novo colocar a pretensa linha independente desses países no centro dos comentários internacionais. Temos de convir que a notoriedade mediática, primeiro dos BRIC’s, depois dos BRICS (com a inclusão da África do Sul) e agora com este novo alargamento, a que se seguirão outros candidatos como a Indonésia, é desproporcionadamente elevada face às realizações alcançadas. A natureza da organização tem sido objeto de interpretações abusivas, sendo a mais realista a que corresponde ao entendimento de que um determinado conjunto de países pretendeu inicialmente encontrar um espaço que lhe permitisse evitar o posicionamento num dos lados do confronto da Guerra Fria. Como seria de esperar, acabada a Guerra Fria, a mudança de contexto teria de determinar uma adaptação forçada do posicionamento do agrupamento. Mais recentemente, dois novos acontecimentos impactaram a lógica inicial de constituição. Primeiro, a necessidade de condenação da invasão russa da Ucrânia foi um duro teste para a sua lógica. Segundo, a agudização da tensão Estados Unidos-China teria obviamente de impactar o agrupamento, discutindo-se hoje se o alargamento agora decidido em Joanesburgo não representará uma forma velada de influência da China no sentido de retirar da influência ocidental um número crescente de países.

As realizações alcançadas pelos BRICS ficaram na prática bastante aquém do inicialmente projetado, com especial referência para o Banco de Desenvolvimento que deveria afirmar-se como alternativa ao Banco Mundial e para a intenção de criar dispositivos monetários de intervenção e resgate em momentos críticos.

Perante esta conclusão que parece indiscutível, é difícil compreender o alcance do alargamento agora promovido. Se anteriormente era já complicado encontrar um racional comum, então agora com o novo grupo de seis essa heterogeneidade aumenta substancialmente, pelo que a rivalidade China-Índia é substancialmente alargada. E mesmo na lógica do posicionamento no triângulo USA-Rússia-China a situação do agrupamento permite encontrar posições para todos os gostos.

Claro que nos vem à memória o movimento dos Não Alinhados que se confundiu com a designação de Terceiro Mundo, mas mesmo esse movimento dificilmente poderia ser caracterizado por um racional comum positivo, já que como nos lembra Branko Milanovic a agenda era negativa e confundia-se com o não querer estar alinhado com nenhum dos lados da Guerra Fria então instalada.

Face ao que conhecemos das economias hoje pertencentes ao novo universo dos BRICS, emerge tentadora a ideia de que se pode tratar de blocos alimentados pela ambição de liderança da China e da Índia. Mas na situação presente não sabemos qual vai ser a saída da China para a crise atual em que está envolvida e a Índia está ainda longe de poder aspirar a um projeto de liderança do mundo não comprometido com a NATO.

Por isso, inclino-me mais para a ideia de que a evolução dos BRICS alargados vai depender essencialmente do modo como a incerteza mundial irá estruturar-se no futuro próximo. Projetar desde já a emergência de algo sólido neste novo agrupamento é algo de muito pouco consistente, sobretudo se quisermos um pouco além da simples retórica política dos comunicados dos grandes eventos como o de Joanesburgo. Pelo contrário, estamos perante algo de tão indefinido como o é o estado atual da economia mundial.