sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

LEMBRANDO A GRANDE BOLA NA TIMES SQUARE

(Isto do Omícron está preto, a geometria variável das amizades e dos encontros para despachar 2021 e abrir a porta a 2022 está cada vez mais complicada, com os relatos de infeções e quarentenas indiretas em gente próxima a sucederem-se a um ritmo significativo e, por isso, o mais provável é festejar em casa com a Companheira e uma taça de espumante, acho que champagne não existe em stock, a marcar o ambiente. Inevitavelmente que recordações de outros tempos tendem a irromper e nesse quadro Times Square em Nova Iorque está à frente de todas…)

Uma imagem retro do New York Times é um bom pretexto para recordar a passagem de 1998 para 1999.

O hotel era muito próximo da Times Square, quase que da janela se podia ver a luminosidade da praça, mas um frio de rachar levou-nos a atrasar a hora de saída para a praça. Resultado prático, quando o fizemos vários e sucessivos quarteirões estavam já bloqueados pelos que se apressaram a ocupar os espaços de proximidade. Quando encontramos um quarteirão livre, estaríamos já provavelmente mais próximos do Central Park do que da Times Square ou talvez a meio caminho.

Por isso, embora desse para ao longe apreender a descida majestosa da imponente bola, pode dizer-se que a sua descida para as badaladas que anunciam a junção do fim e do princípio do ano equivaleu a uma semifrustração. Valeu que a multidão era tanta e entusiasta, à altura era já evidente a segurança policial mas estávamos ainda longe da ameaça islâmica, que a semifrustração foi rapidamente engolida pelo irresistível contágio da celebração.

Mas é um momento efémero como muitos outros. Pouco tempo depois, a maior parte dos quarteirões mais longínquos à Praça esvaziou-se numa operação de logística de segurança verdadeiramente notável, restando a animação nos espaços mais próximos do néon inconfundível da Times.

Imagino que por questões de segurança pandémica, a descida da bola não será hoje tão imponente como é usual e nem sei se as festividades serão permitidas, acho que não.

Ficam as recordações.

BOAS ENTRADAS EM 2022

(Idígoras y Pachi, http://www.elmundo.es) 

(Klaus Stuttman, http://www.tagesspiegel.de) 

Dois modos simultaneamente otimistas e realistas de desejar Boas Entradas. O primeiro recusando a incompetência continuada do anjo a quem se costumava pedir paz na Terra e substituindo-o por um outro que se reclama da beleza de viver. O segundo contendo a resposta certa à solicitação de entrada do Novo Ano, aceitando-a com todas as precauções vacinais e de testagem necessárias à tranquilidade de todos. Aqui ficam também os meus votos de um 2022 mais normal, acompanhado da maior dose possível de saúde e felicidade para quem por aqui vai passando.

COM OU SEM JESUS!

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt) 

Apesar da preparação mental para a noite futebolística de ontem aqui anunciada pelo meu amigo António Figueiredo ― um dos benfiquistas mais sofridos (cuidado que não digo sofredores) que conheço, dada a sua convicção anti-centralista ―, o resultado do jogo do Dragão não foi de molde a “trazer alguma esperança de que algo possa mudar lá para as bandas do Seixal e da Luz” (a esperança terá de ficar, para já, limitada ao bálsamo que será os jogadores e a estrutura ― como também os cidadãos que iam sendo sujeitos à sua insuportável bazófia e presunção ― não terem de aturar Jesus). A prestação dos “encarnados” melhorou razoavelmente em relação à da passada semana, mas foi notoriamente incapaz de fazer frente a um FC Porto que atravessa uma fase bem conseguida de confiança e qualidade de jogo, sendo aqui de louvar o modo como o treinador ― tantas vezes aqui criticado ― montou a equipa para as duas partidas em questão; em especial, a falta do craque do momento (Luis Díaz), infetado por Covid-19, foi muito bem colmatada pela arriscada chamada de Pepê, uma promessa que tardava em mostrar valor correspondente ao custo do seu passe, pela aposta em dois jovens meio-campistas da formação (Vitinha e Fábio Vieira) que são definitivamente excelentes jogadores e bem merecedores de prosseguirem como titulares e pela confiança continuada num outro categorizado jovem da formação (o guarda-redes Diogo Costa). O plantel é curto, e até poderá vir a ser afetado pelas incursões predadoras do mercado de Inverno, mas lá vai dando conta do recado e trazendo alguma da esperança a que acima aludo para o nosso mais belo lado azul-e-branco.

A FALAR DE LÍNGUAS …

 

(Múltiplos poderiam ser os temas para acabar com este ainda viral 2021 mas um artigo sugestivo de Manuel Vilas no El País transforma-se subitamente num tema possível, completando reflexão de um post anterior. Há dias trouxe aqui o complexo tema da relação entre língua e nacionalismo, pois este artigo de Vilas completa-o na perspetiva de saber se é possível escapar ao determinismo de uma outra relação – dimensão económica do país e expressão internacional de uma língua. Tudo isto porque a Espanha e a literatura espanhola serão em 2022 convidadas oficiais da Feira do Livro de Frankfurt…)

Em tudo havia beleza (Ordesa)” e “E, de repente a alegria” (Alfaguara), particularmente o primeiro, são duas recordações inolvidáveis da prosa de Manuel Vilas, picos de uma sensibilidade que é difícil manter ao nível elevado daquelas obras (estou curioso se o recente Los besos marcará já ou não uma trajetória decrescente). Por isso, aquelas obras e o infinito prazer da sua leitura são cartões de visita suficientemente convincentes para ler qualquer coisa escrita pelo autor espanhol que me apareça à frente. E nesse registo o El País continua a ser um jornal de referência. A literatura espanhola está nele sempre profundamente representada e creio mesmo que o jornal tem contribuído fortemente para a identificação do público com as obras dos autores, como se viu, aliás, no funeral da saudosa Almudena Grandes em que leitores anónimos se apresentavam com os livros da autora no seu respeito final (não é esta a expressão máxima da relação entre quem escreve e quem lê?).

A crónica de Vilas (link aqui) foca-se no efeito que a dimensão económica do país exerce como fator condicionador da expressividade e notoriedade de uma língua, a propósito da sua recente experiência pessoal de transferência de testemunho do Canadá para Espanha como países e literatura convidados da Feira do Livro de Frankfurt. Não posso deixar de pensar que a reflexão é produzida apesar da Espanha não ser propriamente uma economia pequena e a América Latina proporcionar uma notoriedade à língua espanhola que transcende em muito os limites geográficos do país nosso vizinho.

Um excerto:

Não podemos permitir que a ainda insuficiente relevância política e económica da Espanha no contexto internacional se repercuta na visibilidade da literatura espanhola. Temos de inventar algo para sair desse círculo vicioso. Os países poderosos criam literaturas poderosas. E essa é a incómoda e quase grosseira questão: como criar uma literatura importante a partir de um país pouco importante. As literaturas são espelhos dos poderes económicos, industriais e políticos dos países que as produzem. Obviamente, não é uma lei universal, mas tende frequentemente a funcionar assim. Basta ver para o verificar como a literatura em língua inglesa arrasa em todos os continentes. Um escritor em língua inglesa passeia-se pelo mundo como se este fosse monolingue, e isso é assim porque por detrás da língua inglesa não são propriamente Shakespeare e Faulkner que o alimentam, mas antes um império político, económico, industrial e tecnológico que continua a assombrar o mundo. Por vezes, nos festivais internacionais sinto-me fascinado, com olhar de aldeão, vendo os escritores em língua inglesa. Toda a gente quer falar-lhes em inglês, para que vejam que estão do lado da verdade histórica, do lado da língua certa. O grau de confiança na vida que os olhos de um escritor em língua inglesa expressam é mais um prodígio político do que literário.”

A lamentação de Vilas poderia ser mutatis mutandis a de um qualquer escritor em língua portuguesa e diria mesmo de qualquer cientista que tem de ultrapassar a barreira da língua e da realidade empírica do seu país para publicar em qualquer revista com expressão nos rankings internacionais. Há dias na Grande Entrevista de Vítor Gonçalves na RTP 3, tivemos um personagem fascinante com poder de comunicação brilhante, o Professor e químico Nuno Maulide, professor catedrático na Universidade de Viena. Não custa muito imaginar o esforço notável que o químico afro-português (mãe São Tomense e Pai Moçambicano, ambos médicos) terá realizado para ultrapassar a barreira de país, exemplarmente descrito pelo entrevistado quando recorda o momento em que de modo informal apresentou o seu poster na conferência internacional ao Professor do Instituto Max Planck que o haveria de projetar na alta-roda da química mundial.

Por tudo isto, como Portugueses não temos valorado de modo suficiente o papel de estrangeiros que se apaixonam pelo português ou por alguns escritores em língua portuguesa. Lembro-me por exemplo de Antonio Tabuchi, de Richard Zenith (cuja biografia de Fernando Pessoa em português se espera ansiosamente para 2022), Alberto Manguel e tantos outros de que neste momento não estarei a recordar-me como mereceriam. Não gosto muito do termo “embaixadores”, é mais de amantes espontâneos e cultivadores da língua portuguesa que precisamos e apoiar o seu trabalho e poder de disseminação de conhecimento é bem mais importante como serviço público do que torrar dinheiro numa TAP para dourar a pílula do tão propagado hub de Lisboa.

Feliz 2022 para todos, se possível menos viral para recuperarmos mobilidade e proximidade aos outros.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

NA SOMBRA DE LOUÇÃ

 


(Preparando-me mentalmente para uma noite futebolística que tanto pode ser tenebrosa, cavando tendências que se formaram há muito tempo, como trazer alguma esperança que algo possa mudar lá para as bandas do Seixal e da Luz, dei comigo a pensar quem serão os economistas de estimação das forças políticas que se confrontam a 30 de janeiro. O motivo direto para essa reflexão foi uma entrevista de Ricardo Paes Mamede no Público de 26 de dezembro que ficara de comentar e que ficou à espera de melhor oportunidade. Mas rapidamente percebi que valeria a pena alargar a reflexão e tentar perceber quem são os economistas que poderão ter alguma influência nos programas eleitorais e nas perspetivas de governação que lhe estarão associadas…)

Comecemos pelo Partido Socialista. Com a saída de Mário Centeno para uma posição mais institucional, a de Governador do Banco de Portugal, não é fácil antecipar quem estará mais próximo de deixar a sua marca no programa do PS. Não podemos ignorar que Mário Centeno, pelo lugar de destaque na elaboração do plano (modelo) económico que precedeu a geringonça e sobretudo pela importância que teve a sua influência na sua adaptação (para alguns, adulteração) a um posterior plano de governo, marcou um período de grande proximidade de ideias. Desse grupo, houve gente que se afastou politicamente, como Paulo Trigo Pereira e o próprio João Leão, agora com funções exigentes de Ministro das Finanças, não se percebendo com clareza qual é a sua influência no core da decisão política que acompanha António Costa. João Nuno Mendes, com experiência de governação na área do planeamento, que presidiu durante algum tempo à empresa Águas de Portugal e que foi encarregado de dirigir o grupo de trabalho para preparar medidas de intervenção na TAP costuma ser um suspeito do costume com alguma influência na defesa de algumas propostas. Não é percetível a influência de qualquer macroeconomista de renome académico, é provável que nos quadros dos Gabinetes Técnicos dos Ministérios das Finanças e da Economia haja gente com alguma proximidade à elaboração programática, mas aparentemente, em linha com o perfil do Ministro da Economia Pedro Siza Vieira, o PS estará hoje mais próximo de figuras com formação jurídica e alguma capacidade de reflexão económica. E curiosamente não têm surgido artigos de opinião de gente a perfilar-se com influência nas questões macro da governação, o que seria normal nestes tempos de proximidade a 30 de janeiro de 2022, pelo que antecipo que essa será a tendência.

No caso do PSD, assisti com curiosidade ao posicionamento de alguns economistas no combate prévio entre Rui Rio e Paulo Rangel, sendo claro que as duas personalidades que estariam mais próximas de exercer influência relevante na esfera programática se dividiram. Joaquim Miranda Sarmento é a personagem mais prestigiada junto de Rui Rio, tem um sólido perfil e percurso académico, é bastante “low profile” em matéria de exposição pública e de publicação de opinião, o que é uma grande vantagem para a matéria que estamos a tratar. Estimo que seja ele que vá marcar mais decisivamente o programa económico de Rio, estando perante uma questão crucial, o que é que vai antecipar em matéria de impostos, se uma redução à cabeça, se uma redução faseada em função dos resultados do crescimento económico. O outro economista com larga influência potencial, Fernando Alexandre, que já revê experiência governativa nos tempos de Passos Coelho, ao apostar no apoio a Paulo Rangel, fazendo com Poiares Maduro, a dupla mais ativa nesse apoio, terá comprometido por agora a sua influência programática. Mas a verdade é que o próprio Poiares Maduro já anunciou alguma flexibilidade na sua posição e estou curioso se isso vai acontecer também com Fernando Alexandre. Veremos se Rio será sensível a essa orientação. Quanto a macroeconomistas com ligação mais forte à Universidade Católica ou à Universidade Nova, tais como João Borges Assunção, não têm estado pelo que se percebe muito ativos em matéria de proximidade a Rio.

No PCP, não é visível a influência de qualquer macroeconomista de relevo académico e se o fosse ficaria admirado. Eugénio Rosa continua a ser o economista mais representativo, com forte ligação aos domínios da segurança social e do emprego, constituindo um personagem de grande competência técnica e é sempre um prazer ouvi-lo comentar algum documento ou estudo, mas não é um macroeconomista e certamente o PCP optará por processos mais coletivos de geração da sua base programática.

No Bloco de Esquerda, existe obviamente a sombra tutelar de Francisco Louçã, não tendo eu informação suficiente que me permita antecipar qual é a sua influência real no desenho dos documentos programáticos do Bloco. O que me parece é que o conjunto de economistas que escrevia no Ladrão de Bicicletas terá perdido alguma influência a partir do momento em que Mariana Mortágua, muito próxima de Louçã, começou a assumir uma larga relevância na comunicação económica do Bloco. Sempre me pareceu que Ricardo Paes Mamede, que também escrevia no Ladrões de Bicicletas, estava fadado para algum protagonismo até porque a gestão da sua trajetória feita por ele próprio anunciava algo de próximo a essa ideia. Quando deixou as suas funções na Agência para o Desenvolvimento e Coesão e se dedicou ao ISCTE, designadamente a dirigir o Instituto de Políticas Públicas daquela Escola, imaginei que, para além da sua própria carreira académica, estivesse em causa a procura de uma maior liberdade institucional para a ação política. Essa passagem coincidiu com alguma presença mediática, em algum tempo em diálogo com Fernando Alexandre, o que também é um dado curioso.

É com esse sentimento que tendo a analisar as suas tomadas de posição pública. É o caso da sua entrevista ao Público, a qual projeta sobretudo o ano de 2022 e é nessa medida que é entrevistado pela jornalista Natália Faria. Na cabeça de Paes Mamede estão sobretudo ameaças disruptivas, a mais enfática na sua palavra é a da inflação, indo mesmo ao ponto de admitir que se o crescimento inflacionista e as disrupções da produção persistirem que as políticas de austeridade podem regressar. Percebe-se nas entrelinhas da entrevista que Paes Mamede é defensor de um recuo regulado da globalização, sobretudo a pensar em oportunidades de investimento em Portugal.

Mas a ideia central de toda a entrevista pode resumir-se no tema incerteza-instabilidade. O que sabe a pouco. Não pude deixar de recordar a decisão de um intelectual ingénuo que conheci e que apostado em denunciar os malefícios de uma inflação galopante escolhia a saída dos mercados para distribuir às pessoas informação sobre a subida dos preços. Como se elas precisassem disso depois de um período de compras nesse mesmo mercado …

Pois transmitir a todo o bicho humano pensante que o ano de 2022 nos vai trazer incerteza, incerteza, incerteza é algo de semelhante ao delírio do intelectual ingénuo …

Moral da história, permanecer na sombra de Louça não deve ser fácil.

E assim concluo que, na esfera programática dos principais partidos (não tenho conhecimento para me aventurar em juízo similar quanto à Iniciativa Liberal e ao Chega), o tempo para os macroeconomistas não está famoso. O que pode ter duas leituras. Ou o academismo formalista da grande parte dos macroeconomistas decretou a sua irrelevância política ou os partidos não estão para aí virados e buscam outras influências. Não sem surpresa da minha parte, isto acontece quando noutros países, por exemplo em França, os comités de “sábios macroeconomistas” se sucedem e com composição de fazer inveja. Pois, mas são outras paragens.