domingo, 12 de dezembro de 2021

A FATURA COVID

 

(É generalizadamente conhecido que a pandemia tem associada três tipos de custos, alguns dos quais não são de apreensão imediata. Entre os custos sanitários, temos custos terríveis percebidos no plano imediato materializados na letalidade do vírus, mais de 10 milhões de mortes no mundo, e outros que ainda não conhecemos em toda a extensão das suas implicações, em regra conhecidos por ‘long COVID’. Depois temos os custos sociais que tanto podem resultar dos sanitários como dos custos económicos. Finalmente, temos os custos económicos, os quais foram imediatamente percebidos como de grande magnitude. Basta recordar que, na província chinesa onde o vírus brotou, Wuhan, o produto industrial caiu para metade e a construção civil teve uma perda de produto de 70%. Mas, como ao contrário do sucedido na Grande Recessão de 2008, se registou uma rápida e massiva intervenção pública, só agora começam a emergir estudos mais robustos sobre a magnitude dos custos económicos e sobretudo sobre a diversidade de situações que a tal intervenção pública rápida e decidida tendeu a gerar.

Tirando partido de uma informação económica bem mais minuciosa e atempada do que aquela a que estamos habituados entre portas, Matthew C. Klein (link aqui) é em meu entender um dos analistas mais convincentes sobre esta matéria, aliás na sequência do que lhe conhecia em algumas peças jornalísticas no Financial Times. O seu Overshoot (link aqui) merece consulta regular e justifica até uma assinatura para acesso a informação mais aprofundada.

 

Aliás, quando lemos obras mais robustas sobre os custos económicos da pandemia e quero aqui salientar o irrepreensível “Mitigating the COVID Economic Crisis: Act Fast and Do Whatever It Takes” (link aqui) coordenado por Richard Baldwin e Beatrice Weder Di Mauro e publicado pelo Center of Economic Policy and Research (CEPR) no âmbito do projeto VOX.EU, compreende-se que algumas das questões que se tornaram mais interrogadas e controversas na abordagem á Grande Recessão de 2008 se transformaram em certezas e opções assumidas na abordagem à pandemia. Creio que, por mais esforços que venham a ser tentados para reafirmar o caráter transitório destes acordos e reclamar o regresso à velha ortodoxia, dificilmente a política económica poderá ser a mesma depois deste início de década, trágico para todos nós mas fortemente inspirador em termos de mudanças de política económica.

Mas voltando ao contributo de Matthew C. Klein, ele foi dos analistas internacionais a reclamar mais rapidamente e de forma mais enfática a absoluta necessidade de quebrar a ligação entre rendimento auferido e produção para conter e mitigar a magnitude dos efeitos económicos da pandemia e dos confinamentos necessários. A lógica era simples e intuitiva: o ficar em casa não poderia ser sinónimo de não circulação de dinheiro na economia. Os valores globais que Klein vai buscar ao Fiscal Monitor do FMI são impressionantes: 10,8 milhões de milhões de dólares em termos de apoios ao rendimento (com os EUA a representar quase metade deste valor) e 6 milhões de milhões de dólares em intervenções contingenciais de modo a não permitir o incumprimento de diferentes devedores (vulgarmente conhecido na realidade portuguesa por moratórias). Tudo isto equivale a algo de próximo de 1/6 do produto mundial e essa percentagem é mesmo mais elevada nas economias avançadas, chegando a representar 40% do respetivo PIB.

O que é curioso nos dados coligidos por Klein é o facto da intervenção corretora realizada sobre o rendimento ter sido tão pronunciada que, sobretudo nos EUA, o rendimento disponível das famílias e atividade não lucrativas foi, no período de março 2020 a abril de 2021, 11% mais elevado do que o valor desse rendimento disponível nos dezoito meses anteriores ao início da pandemia. Para as empresas e atividades lucrativas era melhoria atingiu 7%. Os valores na União Europeia (zona Euro) são mais modestos, com o rendimento disponível a melhorar entre os dois períodos de apenas 2% e a atividade empresarial a não ser impactada. No Japão, a melhoria no rendimento disponível foi de 3% e a situação da lucratividade das empresas piorou. Finalmente, no Reino Unido, essas mesmas percentagens foram, respetivamente, de 2 e 7%. Curiosamente, o efeito positivo observado sobre a poupança privada (famílias e empresas) mitigou o efeito aumento da dívida.

A discussão mais relevante é o que irá ou está a passar-se no chamado “aftermath”. A verdade é que é difícil falar de “aftermath” com a sucessão de ondas pandémicas e novas variantes do vírus, como o Omícron. Segundo Klein não parece haver evidência de que uma quantidade brutal de “extra-cash” se tenha perfilado nas economias, pelo menos no que diz respeito aos EUA onde o “efeito benéfico” sobre o rendimento disponível das famílias foi mais acentuado. A poupança funcionou como almofada desse eventual dispêndio brutal, minimizando as tendências inflacionistas, antecipadas por muitos como de eventual maior magnitude. Mas isto não significa, assinala-o com subtileza Klein, que não se tenham registado efeitos relevantes no plano da realocação das despesas de consumo. Assim, para a economia americana, Klein coloca em evidência que a despesa dos consumidores se tenha reorientado dos serviços para os bens de consumo duradouros (automóveis, televisões e outros), visível no confronto entre o período de março de 2020 a abril de 2021 e o período homólogo anterior. Apesar da produção mundial ter conseguido algum ajustamento, tal situação não pode como é óbvio deixar de ter efeitos em fenómenos de escassez de oferta.

Resta sublinhar que a opção europeia de apoiar o mais possível a permanência do emprego tendeu a gerar apoios diretos ao rendimento de menor magnitude do que os praticados nos EUA parece ter sido mais sensata do que a dinâmica de despedimento em massa registada nos EUA seguida desses tais apoios ao rendimento.

Em síntese, a quantificação da fatura COVID é complexa, a procissão ainda não saiu do adro e a correta definição dos efeitos inflacionistas vai assumir aqui um lugar de realce.

Mas o que parece evidente é que senão tivesse sido seguida esta orientação estaríamos agora a começar a viver o espectro de uma nova Grande Depressão de 1930. Alguma coisa se aprendeu com a Grande Recessão de 2008, embora haja por aí muitos interessados em ignorar esse contrafactual.

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