quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

MEGAPROJETOS

 


(A edição do último trimestre de 2021 da Harvard Business Review, link aqui, traz-me o reencontro com um dos mais estimulantes conceptualizadores do planeamento que encontrei ao longo da minha já longa experiência de “reflective practitioner” no domínio do planeamento estratégico. Estou a falar de Bent Flyvbjerg, podendo dizer-vos que o nome tem tanto de dificuldade de escrita e pronúncia como elaborada e estimulante é a sua investigação. Depois de ter passado da Universidade de Aaalborg, uma das mais acolhedoras e “friendly” universidades que conheço, para Professor destacado da prestigiada Oxford’s Said Business School, Flyvbjerg enveredou por um tema apaixonante de investigação que é designada na literatura por mega-projetos. A publicação de um artigo na Harvard Business Review ilustra bem essa ascensão e a relevância alargada da sua pesquisa sobre o tema dos megaprojectos.)

Bent Flyvbjerg irrompeu na minha formação de “reflective practitioner” do planeamento estratégico, a que poderia chamar “planeador reflexivo”, com um livro simultaneamente fascinante e perturbador das ideias feitas em planeamento, “Rationality and Power – Democracy in Practice”, publicado pela University of Chicago Press em 1998. A obra materializava em termos de teoria do planeamento a intervenção cívica de Flyvbjerg na discussão participada de intervenções no Centro Histórico de Aalborg. Esse projeto era entendido pelo economista-geógrafo dinamarquês como uma metáfora da política moderna e da administração e planeamento modernos e em torno dele desenvolveu uma das mais criativas visões do poder aplicado às questões do urbanismo. Nunca mais me esqueci da frase “O poder tem uma racionalidade que a racionalidade desconhece”. E muitas vezes na minha vida de planeador reflexivo dei de caras com a sua existência.

A partir dessa experiência em Aalborg, Flyvbjerg elaborou um quadro de pensamento que vai buscar a Aristóteles e a Foucault as grandes inspirações para introduzir uma terceira via no planeamento entre a “episteme” (a racionalidade científica) e a “techne” (a visão técnica e prática), que ele designa pela “phronésis” ou como costumo verter para português “sabedoria prática” ou “prudência” na linha do que Aristóteles nos trouxe no Ética a Nicómaco. “Making Social Science Matter” publicado pela Cambridge University Press em 2001 e “Real Social Science – Applied Phronesis” publicado pela mesma editora em 2012 são as obras em que Flyvbjerg refina a sua teoria da sabedoria prática no planeamento, via através da qual ele introduziu inteligentemente a questão dos valores.

Numa linha de flexibilidade e plasticidade das transições curriculares que na Universidade portuguesa continua a ser praticamente impossível, e quem o tenta sai regra geral penalizado (sei infelizmente do que falo), Flyvbjerg rumou a Oxford, mais propriamente à SAID Business School. A partir dessa nova filiação universitária e de investigação, o economista geógrafo dinamarquês focou-se no tema dos megaprojetos, analisando com minúcia alguns mega desastres de projetos transformados em casos de estudo. Uma explicação pormenorizada e teoricamente fundamentada na sua teoria do poder conduz-nos à propensão para esses megaprojetos sobrevalorizarem receitas e subdimensionarem despesas, anunciando gigantescos casos de desastre financeiro.

Neste artigo da Harvard Business Review, a análise é alargada a outros casos de estudo e através deles Flyvbjerg mostra como a tecnologia pode viabilizar processos de construção de megaprojetos mais modulares (logo mais flexíveis e replicáveis) e mais rápidos. Como exemplos desta potencialidade, Flyvbjerg estuda a gigantesca fábrica da Tesla para produzir baterias de lítio e o Metro de Madrid como casos bem-sucedidos de uma visão mais modular e flexível na conceção/construção de projetos de grande dimensão. Como exemplo contrário, o caso do Euro-Túnel entre a França e o Reino Unido tem presença garantida nos manuais.

Nos tempos de indeterminação e incerteza em que estaremos mergulhados nos próximos tempos, e dada a conhecida incapacidade de previsão para horizontes que ultrapassem um ou dois anos, é fundamental que o conceito de indivisibilidade desses grandes projetos seja contrariado e encontradas alternativas na modularidade e mais fácil replicabilidade. Neste contexto, a rapidez com que o projeto é construído é vital para reduzir drasticamente a probabilidade de derrapagem de receitas e despesas. Qualquer alongamento de prazos de execução aumenta drasticamente o risco da incerteza. Em alternativa, a capacidade de iteração e de aprendizagem entre diferentes módulos assegura uma maior flexibilidade ao projeto.

O caso do metro modular de Madrid é também um sugestivo caso de estudo e dois aspetos saltaram-me entre outros: a decisão de não usar arquitetura de autor nas estações (entendida como fonte de derrapagem de custos e de atrasos de execução), o que me provoca uma gargalhada quando olho para o nosso caso, e a também decisão de não utilizar tecnologias ainda não testadas, no sentido de acrescentar aos riscos do megaprojeto os que resultam da introdução não testada de um novo produto.

À nossa modesta escala, estamos em época de grandes investimentos (proporia que Flyvbjerg estudasse o nosso caso do Aeroporto) talvez valesse a pena que os nossos responsáveis políticos e técnicos lessem com atenção os escritos de Flyvbjerg e que tomassem devida conta dos objetivos de modularidade, iteração, aprendizagem e rapidez.

Fica aqui assim um contributo modesto para reduzir a incidência dos casos de estudo de megaprojetos falhados, à nossa escala e dimensão, bem entendido.

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