sábado, 4 de dezembro de 2021

CRESCIMENTO INCLUSIVO

 


(A progressiva relevância que o tema da desigualdade tem vindo a assumir na avaliação do desempenho do capitalismo nas economias mais avançadas tem praticamente conduzido a uma identificação desse tema com um outro que poderíamos designar de crescimento económico inclusivo. Como regra geral acontece, quando um novo conceito emerge, como é o caso do crescimento inclusivo, tende a assistir-se a uma lenta evolução do conhecimento sobre os caminhos que poderão ser trilhados para se concretizar desempenhos do capitalismo avançado com conteúdos de crescimento mais ou menos inclusivo. No plano da vocação que este blogue se reivindica de sinalizar neste espaço de momentos e contributos importantes para saltos de conhecimento em diferentes matérias, aqui estou hoje a assinalar a publicação de investigação que nos coloca em melhor posição e com melhores fundamentos para compreendermos as dimensões e mecanismos do crescimento inclusivo. Matéria tão mais importante quanto mais a pandemia o volta a colocar no centro do debate, algo em torno da ideia de recuperação inclusiva.)

No âmbito de uma pequena introdução para situar a questão, podemos dizer que nesta matéria se confrontam dois entendimentos, com consequências muito diversificadas do ponto de vista das políticas públicas e daí ser espaço central do âmbito deste blogue.

Uma das conceções não ignora que os processos de crescimento económico e de mudança estrutural associados podem determinar consequências sociais muito diferentes, justificando-se, segundo os defensores desta ideia, que a variável inclusão seja considerada um elemento de regulação dos padrões de crescimento. O caráter inclusivo ou exclusivo do crescimento económico deveria assim ser corrigido após a evidência observada de que estará a operar num ou noutro sentido. O grau de diversidade política dessa correção dependeria dos projetos políticos, consoante eles medem com mais ou menos preocupação a necessidade de inclusão.

A outra conceção opta por não valorar esta questão, ou seja apenas com evidência observada. Trata-se de conseguir influenciar o próprio padrão e modelo de crescimento do país, inserindo as preocupações da inclusão no desenho do próprio modelo de crescimento e integrando esse critério em todas as decisões da política económica que podem não ser neutras em termos de crescimento.

A discussão destas duas abordagens é, como se compreende, muito tributária de se conhecer melhor ou pior os canais ou vias através dos quais um determinado ritmo de crescimento económico pode ser mais ou menos inclusivo. E é neste aspeto que a evolução do conhecimento é determinante. Até aqui, a pedra de toque da desigualdade entrou no debate essencialmente através de indicadores globais de desigualdade, como, por exemplo, a evolução do Coeficiente de Gini ao longo de um determinado período de crescimento económico. Como se percebe facilmente, é importante saber se o crescimento económico observado o foi com melhoria, estabilidade ou deterioração desse indicador de desigualdade. Mas isso não chega para se compreender como é que o processo de crescimento poderia ser mais ou menos inclusivo.

É neste âmbito que se justifica sinalizar neste blogue a publicação recente pela American Sociological Review de um artigo de dois investigadores, Zachary Parolin da Bocconi University de Milão e de Janet Gornick uma das mais graduadas investigadoras do Stone Center on Socio-Economic Inequality da Universidade de Nova Iorque, o tal em que trabalham Paul Krugman e Blanko Milanovic.

Os dois investigadores desenvolvem uma técnica de decomposição dos ritmos de crescimento económico aplicando na prática o próprio conceito de crescimento inclusivo: “níveis crescentes de rendimento e igualdade no modo como esse rendimento cresce para todos os grupos de distribuição do mesmo”. Com base num trabalho de análise crítica de literatura, o trabalho dos dois indicadores acaba por traduzir-se na proposta de um conceito alternativo, o de perfis ou modelos de crescimento para cada país analisado.

Recorrendo aos já mencionados métodos de decomposição e tirando partido da melhoria da informação sobre evolução do rendimento em diferentes grupos estatísticos de população, distinguindo ainda entre níveis de rendimento e de desigualdade e tendências de evolução. Esta última ideia está de corresponder a um preciosismo de análise, pois nos tempos mais recentes temos agravamentos de desigualdade sérios em economias com elevados níveis de igualdade.

As análises realizadas identificam sobretudo três famílias de variáveis como potencialmente influenciadoras do crescimento inclusivo: (i) políticas fiscais e de transferências sociais; (ii) aumento dos níveis de qualificações obtidas essencialmente através da educação; (iii) fatores de natureza institucional com relevo para os modelos de mercado que prevalecem nos países. O último dos elementos continua a carecer de desenvolvimento futuros, pois na análise ainda apresenta uma natureza mais de resíduo (uma caixa negra) do que de variável explicativa consistente.

Os resultados constituem em meu entender um marco que vai dar origem a um redireccionamento dos estudos sobre o crescimento inclusivo.

A primeira conclusão, algo surpreendente, é a de que é nos países mais igualitários da amostra (por exemplo a Finlândia) que se observam os maiores agravamentos relativos de desigualdade. A conclusão principal, sobre os tais perfis ou modelos de crescimento económico a nível nacional, estrutura-se em função do peso explicativo das variáveis de decomposição:
  • Os impostos e as transferências são o fator mais influente na dimensão inclusiva do crescimento, sobretudo no percentil dos 10% mais pobres das populações dos países analisados (neste caso via transferências) e nos grupos de rendimento mais elevados (neste caso via impostos); isto significa que são um fator influente nas abas da distribuição do rendimento;
  • A influência das variáveis educativas é praticamente transversal a toda a distribuição, sendo sensível para praticamente todos os grupos de rendimento, mas globalmente o seu efeito pende mais para um crescimento menos inclusivo do que para o contrário; paralelamente, os dois investigadores concluem que, no caso das variáveis “educação” serem consideradas, questões hoje muito estudadas como as condições sociais no casamento ou a existência de mães ou pais sozinhos perdem poder explicativo;
  • Finalmente, as características institucionais do mercado apresentam um elevado poder explicativo em alguns países, contribuindo para um crescimento menos inclusivo, caso ilustrativo dos EUA.

Temos aqui um daqueles casos em que a existência de um marco de investigação traz resultados intuitivos, caso do efeito das transferências e dos impostos nas abas da distribuição, da relevância das condições educativas assumindo mais o contributo para o caráter não inclusivo do crescimento e das características institucionais do mercado, sobretudo do mercado de trabalho, como os investigadores concluíram. Mas a verdade é que, embora com resultados intuitivos, a ideia de perfil nacional de crescimento estava pouco trabalhada, e os investigadores avançam decisivamente nessa matéria, acrescentando conhecimento ao tema das variedades do capitalismo.

Mas, quando na parte final do artigo, os autores lamentam não terem tido a possibilidade de trabalhar mais aprofundadamente o “resíduo” dos aspetos institucionais do mercado, a sua honestidade representa bem o papel de marco desta investigação. Também já há muitos anos atrás, quando alguns investigadores trabalharam a caixa negra do crescimento, apresentando resultados para a produtividade total dos fatores (o chamado crescimento intensivo quando contraposto ao extensivo determinado pelo crescimento dos fatores de produção capital e trabalho físico), se percebeu perfeitamente que se tratava de um marco. A partir daí muitos trabalharam o conhecimento sobre a caixa negra, que me parece ir acontecer também com este resíduo de Parolin e de Gornick, o lado institucional do mercado.

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