domingo, 30 de abril de 2023

TIROS AO ADJUNTO, MARCELO CALADO, A INTERVENÇÃO DO SIS E UMA REMODELAÇÃO QUE VEM DOS AÇORES

 
(Cristina Sampaio, https://www.publico.pt) 

Não se apoquente o nosso leitor habitual perante este post, só aparentemente indiciador de que aqui se irá passar a valorizar o detalhe exaustivo dos vários episódios do “caso TAP” ou, melhor dizendo, da miséria moral a que “Isto” chegou. Não, prometo que assim não faremos. Mas, e ainda assim, importará hoje registar que as horas e os dias vão passando sobre as lamentáveis revelações e os lamentáveis acontecimentos ocorridos sem que alguém primariamente responsável se digne vir a público informar os portugueses e, desejavelmente, fazer ato de contrição e apresentar um sério pedido de desculpas. O Presidente, tão prolixo em tudo e mais alguma coisa, diz agora que só falará depois de falar com o primeiro-ministro (assim o tivesse feito em tantos outros pequenos e grandes incidentes da nossa vida política); Costa está de férias em local desconhecido, procurando certamente de modo desesperado mais uma forma ardilosa de escapar às suas enormes responsabilidades (com o acrescento da incompreensível e bizarra intervenção do SIS no processo); as ministras sempre prontas a servir-lhe de escudo (Mariana e Ana Catarina) parecem baratas tontas a declarar desconexamente o que lhes é mandado; e Galamba, esse, agarra-se ao lugar num déjà vu igual a todos os que envolveram os seus igualmente desmascarados antecessores. Neste contexto, só Carlos César (quem diria!) veio deixar algum sinal de sensatez e lucidez, falando na possibilidade de uma remodelação séria, rigorosa e cirurgicamente pensada (o que não parece ser algo que caiba no código genético atual do chefe do governo). As próximas horas poderão trazer alguma(s) novidade(s), mas será que alguém que não esteja animado de uma fé inquebrantável conseguirá voltar a acreditar em lideranças destas?

sábado, 29 de abril de 2023

O DESESPERO DOS PP DO SUL

 


(Estava eu em busca de um tema que me animasse e me despertasse desta modorra que um período mais alargado de ausência do trabalho me provoca, quando esta imagem publicada pela VOZ DE GALICIA como suporte a um artigo (1) do excelente jornalista Fernando Salgado me deu o mote e que mote. Tenho seguido com alguma atenção a embrulhada em que o PP espanhol, liderado pelo tecnocrata Feijoo, de apregoada governabilidade para combater o Sanchismo em Espanha, se meteu, guerreando com a Comissão Europeia e o Comissário responsável pela área do ambiente um projeto de regadio para a área protegida de Donaña no sul de Espanha. Ainda que moderados na sua linha de PP mais respeitável, o líder da Andaluzia Juanma Moreno e o próprio Feijoo parece que tiveram que ceder as suas perspetivas sobre a mudança climática à força dos poderosos interesses do regadio em Donaña, sacrificando os valores do Green Deal aos interesses acolitados nas bandas do PP e lá se entornou o cal das relações com a Comissão Europeia.

O problema é que, neste caso, o governo espanhol Pedro Sánchez parece estar do lado certo, opondo-se a um projeto numa Comunidade Autónoma que não lidera, aliás na sequência de uma poderosa vitória do PP de Juanma Moreno que abriu a possibilidade de, sendo replicada a nível nacional, poder exemplificar a hipótese de um governo PP sem o apoio do VOX. O caldo entornado fez com o tão europeu Feijoo se deixasse seduzir pelas sereias eleitorais e comprasse uma controvérsia com a Comissão Europeia, que acusam de estar a favorecer a posição eleitoral de Pedro Sánchez. Na nossa imagem de Feijoo, não lembraria ao diabo que o líder galego seguisse por caminhos tão sinuosos, procurando envolver a Comissão Europeia numa controvérsia, na qual o PP não tem manifestamente razão e atraiçoa as suas próprias posições sobre a mudança climática. Aliás, se há coisa da qual Sánchez não pode ser acusado é o facto do PRR espanhol ter uma orientação marcadamente orientada pelo Green Deal, o que lhe terá garantido as boas graças da Comissão Europeia. Aliás, se Feijoo pensasse duas vezes, perceberia que, do ponto de vista da gestão macroeconómica e da sustentabilidade do sistema de pensões espanhol, a Comissão Europeia não tem sido meiga para o Governo de Sánchez.

E é neste ambiente de desespero de um Feijoo que já entendeu que a sua chegada ao poder não serão favas contadas que aparece esta fabulosa imagem que a VOZ DE GALICIA oportunamente publicou. O popular (pela sua formação política e não pelo seu carisma) Manfred Weber, presidente do PP Europeu, está acompanhado do desaparecido em combate de sniper de trazer por casa Nuno Melo, de um Montenegro com cara de comprometido (onde eu me vim meter), para a sua cruzada contra o topete da Comissão Europeia em apoiar a rejeição do projeto em Donaña. Melo e Montenegro talvez tenham vistas curtas para imaginar que, por um destes dias, terão de apoiar as pretensões de uma CAP, incapaz de perceber que a mudança climática não pode deixar de ter implicações nos sistemas de produção agrícola, particularmente em regiões como o Alentejo em que a seca não é pera doce. E já agora valeria a pena secundar as pretensões da Andaluzia em olhar para Donaña com a avidez de investidores para os quais a mudança climática é coisa para intelectuais.

O problema é que pelas nossas bandas temos uma Ministra da Agricultura também ela desaparecida no combate de ocultar a sua própria incompetência, não sendo percetível se temos ou não uma política agrícola de ajustamento ao cenário de mudança climática.

(1) https://www.lavozdegalicia.es/noticia/opinion/2023/04/29/bruselas-

ARRE!

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt) 

O dia que acaba de terminar foi absolutamente infernal pelo carrocel de informações e contrainformações, de acusações e denúncias e de factos pouco edificantes que se sucederam a respeito de uma nova magna questão relacionada com a gestão da TAP e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que lhe está a ser dedicada.

 

Dificilmente um cidadão normal perderá um minuto de atenção com as intermináveis incursões da comunicação social e dos agentes políticos pelos diferentes detalhes que vão sendo dados a conhecer sobre o assunto; e bem, diga-se, já que há óbvios limites de suportabilidade para aqueles que têm vida e preocupações de diversa ordem dela emergentes a que atender; só que o outro lado da moeda resulta no inevitável desligamento de um crescente número de cidadãos face à política, com as consequências de favorecimento de perigosas dinâmicas populistas que decorrem.

 

Assim vão correndo os dias, com a primeira página do semanário mais vendido do País a tornar-se o local privilegiado por Marcelo para enviar recados a Costa e este a não se fazer rogado e a responder pela mesma via enquanto os elementos de podridão alastram e se vão tornando tão manifestos que já não tenho palavras apropriadas para mais aqui vos dizer. Fico-me, pois, pelas ideias simples de que isto já não se resolve com mais uma demissão, como seria a de Galamba (que já tarda, aliás), e de que não existirão de todo condições objetivas para que possamos esperar pelo final da CPI para enfrentar esta sórdida situação de degradação institucional e democrática, como oportunamente defendeu o primeiro-ministro.


sexta-feira, 28 de abril de 2023

AMÉRICA ENCALHADA

 

Joe Biden declarou-se esta semana (re)candidato à presidência dos Estados Unidos. Uma decisão esperada e talvez inevitável, dada a situação objetiva em presença. A saber, e nomeadamente: o provável e perigoso regresso de Trump ao palco central da política americana, agravado pelo estimado efeito de boomerang em proveito próprio proveniente das acusações que o atingem; a falta de notoriedade de que goza a vice-presidente Kamala Harris, que não logrou ganhar asas para a candidatura própria que alguns previam; a ausência de um candidato Democrata forte e consensual (apesar de haver um Kennedy à boca de cena); a aparência de uma garantia de estabilidade (num contexto de incerteza e crescente populismo) resultante das sondagens relativamente favoráveis (embora não entusiasmantes). Terá, pois, dominado em Biden o sentido de dever, responsabilidade e serviço que lhe é reconhecido, mais do que qualquer ambição substantiva de prosseguir no poder.

 

Dito isto, não deixa de ser igualmente verdade que teremos com Biden o candidato presidencial mais velho de todos os tempos, o que, e apesar das evidências de longevidade que vão imperando, não deixa de ser algo de relativamente preocupante. Sobretudo porque, e para além dos riscos pessoais e institucionais existentes perante um candidato que completará o seu mandato com 86 anos de idade, a situação é reveladora de uma incapacidade de renovação de um sistema político americano que assim se mostra amarrado a dois homens idosos e de algum modo fragilizados e a dois homens que serão exatamente os mesmos que se enfrentaram há quatro anos atrás. Acrescendo, ainda, que Trump é o perigo que se sabe e me dispenso de pintar com mais cores, estando o Partido Republicano maioritariamente capturado pela sua inconsequência e desonestidade demagógica (para não falar de um discurso de mentira e ameaça mundial), e que Biden parece ser, um pouco como foi Obama, uma promessa de mudança que, sendo real no que toca à essência das essências, nem consegue produzir uma dinâmica de mobilização na sociedade americana nem incute uma cada vez mais crucial imagem de energia e firmeza junto de aliados e/ou adversários internacionais. Realidades e sensações inescapáveis e nada descansativas quanto ao que aí poderá estar para vir.


(Stellina Chen, https://cartoonmovement.com)

quinta-feira, 27 de abril de 2023

PENSANDO SERIAMENTE A COESÃO EUROPEIA

Assisti esta manhã em direto, via webinar, à terceira reunião do Grupo de Especialistas de Alto Nível sobre o “Futuro da Política de Coesão”, promovido pela DG Regio e coordenado pelo investigador espanhol Andrés Rodríguez-Pose. Umas horas bem interessantes, quer em termos das apresentações realizadas quer em termos da discussão e esclarecimentos que as mesmas proporcionaram.

 

Apreciei muito especialmente o paper da professora italiana Simona Iammarino (Universidade de Cagliari e visitante na London School of Economics), cujo título é desde logo bastante clarificador: “Cohesion Policy and its contribution to addressing diferent development needs of regions”. Nele se refere a construção que vem sendo afinada pela autora e alguns dos seus colegas de especialização temática, como Roberto Crescenzi) de um indicador visando a medida regional de armadilhas de desenvolvimento (development traps, DT index) e, por essa via, a identificação e probabilidade do grau de risco associado a uma queda das diversas regiões europeias numa tal armadilha.

 

Não cabendo analisar aqui o detalhe do paper e do indicador nele explicado, sempre direi que ali é muito adequadamente lembrado quanto o indicador resulta tributário de aspetos como o da estrutura económica em presença (designadamente indústria transformadora versus serviços não mercantis), o da estrutura demográfica, o da inovação e qualificações e o da qualidade institucional.

 

Igualmente muito curioso é o que é salientado em sede de regiões com maior likelihood de estarem numa armadilha de desenvolvimento (a vermelho mais escuro no mapa abaixo), especialmente porque os índices mais elevados surgem, a sul, em 10 regiões francesas, em 3 regiões da Itália Central, na Ilha grega de Creta, nas Canárias espanholas e na nossa Área Metropolitana de Lisboa (AML), por contraste com um registo excecional de idêntica situação a norte (limitado a duas províncias belgas, a uma região holandesa e a outra alemã).


Dada a correlação existente entre a presença de armadilhas de desenvolvimento da natureza das que os autores vão definindo e fenómenos de exclusão (left behind) e populismo político, importará ainda sublinhar que as regiões da Europa Central e Oriental não caem dentro desta classificação, o que as mostra profundamente distintas (mesmo quando apresentam níveis de desenvolvimento relativamente baixos ou em recuperação) das da Europa do Sul (genericamente mais ricas) e, sobretudo, determina a necessidade imperiosa de práticas efetivas do tipo no-one-fits-all no interior da Política de Coesão em aplicação e a redefinir.

 

Um outro tópico que nos importa em concreto é o que decorre da situação identificada para a AML como sendo de maior risco do que aquele que é obtido para as restantes regiões nacionais. Julgo que esta sinalização vai no sentido certo e é conforme a muito do que temos (eu e o meu amigo do lado) vindo a apontar neste espaço ao longo dos anos quanto à fragilidade em que assenta o modelo lisboeta de desenvolvimento (?) e ao seu visível esgotamento. Ela também contradiz os elementos que nos foram transmitidos pelo indicador de competitividade regional europeia sobre essa mesma região e a sua evolução positiva e, de algum modo, sustentada.

 

Concluo: ressaltam sinais de esperança sempre que trabalhos intelectuais rigorosos e sérios nos são facultados no sentido de melhor compreendermos a realidade que nos envolve; um aplauso, por isso, para Simona e seus pares e um apelo a que prossigam e a que outros os possam seguir e aprofundar em função dos focos específicos que afetam e afligem os seus países e regiões. Assim devera sempre ser, a bem do conhecimento ao serviço da prosperidade dos povos, da valorização e respeitabilidade da política e da legitimação e afirmação do projeto europeu!

E SE A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL …

 

(Por esse mundo fora e nos jornais e revistas de referência, a inteligência artificial agita debates e controvérsias. É a questão de saber se deve ou não ser suspensa, numa espécie de moratória para ser melhor dominada e compreendermos melhor o que podemos fazer com ela (posição suspensiva que não me agrada por aí além). É o exercício sistemático realizado por alguns, como Bradford DeLong, que experimentam o Chat GPT para demonstrar as suas inconsistências. São os que se maravilham com o device. São ainda os que engrossam as hostes do alarmismo, seja salientando o descontrolo, a revolução no emprego e nas ocupações ou outros malefícios ocultos. Todas essas perspetivas de debate são interessantes, mas existe uma, não anteriormente mencionada, que me interessa bastante. Como forma última e mais avançada da revolução no conhecimento, a inteligência artificial desperta esta questão decisiva: será ela o derradeiro argumento para consolidar o nosso pessimismo de que a inovação tecnológica favorece irredutivelmente as qualificações mais elevadas (e os empregos e ocupações que as mobilizam) em detrimento das qualificações mais baixas? Como imaginam, esta questão é crucial para percebermos se a inteligência artificial cavará ainda mais fundo a desigualdade nas sociedades mais avançadas ou se poderá trazer alguma esperança nessa matéria.

 

Para começar a manhã talvez seja uma questão demasiado densa, mas o trabalho profissional espreita na secretária e outras questões mais prosaicas têm de ser atacadas e por isso talvez seja uma boa hora para antecipar o que nos espera com a inteligência artificial em termos de desigualdade.

Num primeiro relance sobre o tema e sabendo nós que, em termos gerais, a inovação tecnológica tendeu sempre a protagonizar o que na economia da inovação se designa por “skill bias” (favorecimento das qualificações mais elevadas), seria de antecipar que a inteligência artificial operasse na mesma linha de onda, cavando ainda mais o fosso entre as baixas e as qualificações elevadas. Obviamente, que a IA está nos seus primórdios, sendo por isso provável que alguns dos seus efeitos mais ocultos não sejam ainda suscetíveis de ser antecipados. Mas seguramente que a questão do “skill bias” não terá escapado aos investigadores mais atentos e talvez exista já material sobre o assunto. O mesmo poderia ser dito quanto à hipotética destruição de emprego causada pela IA, mas aqui também economistas como Noah Smith têm-se notabilizado em demonstrar que, pelo menos por agora, a ideia de desemprego tecnológico em massa provocado pela IA é uma miragem (1).

A questão do “skill bias” é mais relevante, pois há quem defenda que essa é razão explicativa principal para o crescimento da desigualdade desde os anos 80 nas sociedades ocidentais mais avançadas.

A investigação sobre o tema começa a surgir, mas dei de caras com um artigo recente publicado pelo NBER – EUA (2) que me inspirou confiança, já que um dos seus autores é Erik Brynjolfsson, um dos mais salientes economistas da inovação, co-autor com Andrew McAfee de três obras seminais na matéria - The Second Machine Age, Race Against the Machine e Machine Platform Crowd (Harnessing our Digital Future).

O artigo estuda as condições de aplicação de um assistente de conversação concebido em IA, talvez uma das modalidades mais avançadas de inovação nesta área e por isso vale a pena refletir sobre a aparente surpresa dos resultados alcançados. Conforme era esperado, a investigação conclui sobre um aumento de produtividade de cerca de 14% nas estruturas de gestão analisadas, mas não é aí que a surpresa é notícia. O resultado da investigação demonstra que são os trabalhadores menos qualificados e com menor experiência (os noviços) que mais beneficiam do assistente de conversação e que é nesses trabalhadores que as melhorias de produtividade são mais acentuadas, estimadas em aumentos de 35% no desempenho hora. E regressamos por esta via a algo que já passou pela reflexão deste blogue e que não escapou à perspicácia de Noah Smith – no fim de contas, “os mais experimentados especialistas de engenharia de software, de gestão financeira e de comunicação empresarial podem chegar à conclusão de que com uma pequena ajuda de um assistente de IA, pessoas normais poderão fazer o seu trabalho”.

Se todas as formas de IA alinhassem por este diapasão, o “skill bias” estaria em causa. Mas estamos nos primórdios, apenas. Investigação adicional mostrará se podemos cavalgar a esperança ou se, pelo contrário, a IA colocará de vez a desigualdade como resultado da inovação tecnológica, exigindo políticas de mitigação dessa deriva.

(1) https://www.noahpinion.blog/p/four-interesting-econ-stories?utm_source=post-email-title&publication_id=35345&post_id=116988115&isFreemail=false&utm_medium=email

(2) https://www.nber.org/papers/w31161?utm_source=substack&utm_medium=email