terça-feira, 30 de abril de 2019

BARTOON NA INDONÉSIA

(cartoon de Luís Afonso, “Bartoon”, https://www.publico.pt)

Estão em curso umas gigantescas eleições na Indonésia e suas dezassete mil ilhas, no caso presidenciais (o vencedor será o atual ocupante do lugar, Widodo, contra um adversário maior vindo das proximidades do antigo regime de Suharto), municipais e locais. Estão envolvidos 245 mil candidatos e 20 mil cargos, 193 milhões de votantes e 800 mil secções de voto. Pois a infeliz curiosidade a que aqui venho dar realce é a que decorre do anúncio de 270 mortes já ocorridas na sequência de uma esgotante contagem de boletins – com o nosso Luís Afonso, que há algum tempo aqui não visitávamos, a glosar o facto de um modo que não deixa de ser surpreendentemente imprevisível. Aqui fica o registo, com a devida vénia e porque amanhã é feriado...

CAIRÁ O PODER DE MADURO?



(Aquilo que parece ser uma jogada de antecipação de Juan Guaidó, tentando precipitar os acontecimentos apelando a uma sublevação global das Forças Armadas e a uma marcha libertadora da população, está por demonstrar em que condições de informação e negociação ocorreu. À medida que os acontecimentos se precipitam, cada vez mais me parece um voto pio o apelo ao diálogo e a esperança numa solução político-pacífica para a Venezuela. Bem gostaria de estar enganado.)

Não se imagina que Guaidó tenha partido para uma solução de afrontamento simbólico ao regime de Maduro, indultando e libertando o principal líder da oposição em prisão domiciliária, sem informação e negociações prévias que justificassem a precipitação dos acontecimentos. Guaidó não parece ser um líder irrefletido, tem medido bem os passos que dá e se avançou temerariamente isso poderia representar um afunilamento preocupante de posições. Imagina-se também que complexas e obscuras negociações de política internacional estarão a ocorrer, num xadrez que inclui também a cada vez mais isolada Cuba. Não são ainda claras as posições de países como a Rússia e a China, não necessariamente com posições convergentes e muito provavelmente é nessa base que Nicolás Maduro vai encontrando algum apoio tático, já que neste momento tudo leva a crer que Maduro tem o poder por um fio. DE qualquer modo, pareceu-me um pouco patética e preocupante pelo vazio que comporta a posição de espera de Guaidó, aguardando pelo engrossar das multidões e pela chegada de mais militares desavindos com Maduro.

Mas isso não significa que os corpos pretorianos de apoio ao cada vez mais isolado líder chavista da Venezuela, que são sempre os que têm mais a perder em processos abruptos de destituição, não se estejam a preparar para um afrontamento sanguinolento e fortemente repressivo. Aliás, os apelos da diplomacia ao diálogo e à negociação política tendem a transformar-se, à medida que a situação se deteriora, no mais puro “wishful thinking”, pio e bondoso, mas inconsequente. Na verdade, os jogos de tensão que se desenvolvem regra geral neste tipo de situações quebram normalmente pelos menos resistentes à guerra de nervos e quando alguém quebra a precipitação da violência e da guerra civil tornam-se inevitáveis, quedando as esperanças limitadas a um enfrentamento tão curto no tempo quanto o possível.

A não ser se for forçado pelos interesses políticos maiores que se movimentam na zona, esperar que Maduro ceda aos apelos do diálogo e da negociação política é uma pura declaração de intenções. Forçar Maduro a partir de dentro com manifestações massivas de massas parece-me muito arriscado e forçar a partir de fora pode ser rapidamente lido como uma não recomendável ingerência externa. Por isso, à medida que a situação se vai tornando mais tensa a probabilidade do confronto entre militares e milícias de Maduro e o apoio popular a Guaidó vai-se intensificando até ao inevitável.

Num contexto desta natureza, a candura de Catarina Martins sobre o regime de Maduro soa a canto de beata. Já o discurso do PCP soa a velho sabidola que não abdica casmurramente de marcar a sua posição mesmo que a casa esteja a cair de pobre e prestes a desabar.

ORGULHO E CONSOLAÇÃO


Nesta fase da época futebolística, a vitória dos Sub-19 do FC Porto na UEFA Youth League funciona como um simples “prémio de consolação” para as hostes portistas. Não obstante, trata-se de um feito relevante e inédito para Portugal lograr vencer uma “Champions dos pequeninos” numa final four em que estiveram o Chelsea, o Barcelona e o Hoffenheim (este após afastar o Real Madrid) e numa competição por onde também andaram os jovens do Lyon, Dinamo de Zagreb, Tottenham e Manchester United, entre outros. Parabéns merecidos a todo o grupo de trabalho capitaneado pelo treinador Mário Silva e seu adjunto António Frasco. Mas tão ou mais importante do que o facto em si será ainda a possibilidade de se retirar deste feito uma lição para efeitos de constituição do plantel da próxima época, sabendo-se que andam por ali uma série de “miúdos” de elevado potencial – ouço falar de um dos mais novos, o ponta-de-lança Fábio Silva (na imagem) ainda a caminho dos 17 anos, mas há vários e praticamente todos nascidos já depois do ano 2000.

SUBSÍDIOS PARA O TAL DEBATE EM FALTA



Volto brevemente às nossas grandes questões macroeconómicas, no final de um mês que se iniciou com uma grande entrevista do ministro das Finanças – sem novidades de maior, diga-se – e que acabou por ficar marcado àquele nível pela apresentação do Programa de Estabilidade 2019-2023 por parte do ministro das Finanças. Sublinharam os analistas que se trata de um documento defensivamente filigránico, sobretudo porque “menos ambicioso” do que se parecia pretender anunciar (designadamente em termos de défice público) e porque assente em projeções construídas com base em vários pressupostos altamente discutíveis e/ou, segundo alguns, estruturalmente preocupantes (investimento público, cobertura das despesas sociais, banca e punção sobre a economia real). Um exemplo? O caso mais evidente será talvez o que se reporta ao crescimento do PIB (veja-se o eloquente gráfico seguinte, reproduzido a partir do “Parecer do Conselho das Finanças Públicas” relativo às previsões subjacentes ao Programa de Estabilidade). Os dados estão lançados, o que for soará...

A BATALHA DE WINTERFELL

(The Night King is dead, killed by Arya Stark)


(Depois de um dia eleitoral intenso, à espera de bons resultados, é tempo de regresso ao trabalho e parar para o novo fetiche das segundas-feiras depois das vinte e duas, a última época da Guerra dos Tronos. Embora já não tenha energia e stocks de sono para aguentar a visualização dos episódios na madrugada de domingo para segunda, não é por me limitar à edição de segunda à noite que se perde a sensação de estarmos perante um espetáculo global, entusiasmando tantos analistas como se tratasse de uma guerra contemporânea.)

Não escondo que sou um devoto amalucado da Guerra dos Tronos (prefiro a designação de Game of Thrones porque mais em linha com a trama das tramas). Sempre entendi as sucessivas edições da série como uma longa metáfora sobre o nosso tempo, com vários poderes disputando o Poder Global, as lutas entre os mortes e os vivos, a luz e as trevas, o Norte e o Sul e sobretudo a última metáfora com o Norte e o Sul a unirem-se para o combate ao inimigo comum. O artigo do New York Times sobre o terceiro episódio já ia há pouco em mais de 700 comentários interpretativos, grande parte dos quais sobre as características dos aparelhos de televisão mais adequados para uma visualização perfeita das imagens mais escuras, quase impercetíveis a pitosgas com cataratas a precisar de ser retiradas. Não interessa a época porque não tem época.

O segundo episódio tinha deixado uma tensão fascinante no ar, pressentindo a morte possível na batalha de todas as batalhas. Dois momentos belíssimos tinham-me ficado na retina: a cavaqueira dos cavaleiros enganando o sono antes da batalha até que o vinho acabe, com uma cena belíssima como a da coroação como cavaleiro de Lady Brienne of Tarth por Jamie Lannister e a surpreendente cena da iniciação sexual da intrépida Arya Stark com o ferreiro Gendry.

Por isso a expectativa era grande para o longo episódio de 82 minutos centrado na icónica batalha entre os mortos-vivos (chefiados pelo Night King) e os vivos (liderados por Jon Snow e Daenerys Targaryen e por uma série de outros cavaleiros numa hierarquia difícil de destrinçar, não esquecendo os dois dragões sobreviventes e o inconfundível Ghost, cão branco das estepes e amigo de Jon Snow). A passagem do segundo para o terceiro episódio foi marcada por uma longa e complexa troca de argumentos entre especialistas acerca de quem se finaria pelas incidências da feroz batalha, não ignorando a enigmática declaração de Jon Snow segundo a qual se o Night King fosse morto todo o seu exército de mortos vivos seria simultaneamente destruído, algo que foi entendido como algo de misterioso e inexplicável. Recorde-se ainda que a força dos mortos vivos transforma cada morte à sua mercê em novos elementos do estranho exército. Confuso? Talvez, mas apenas para quem nunca viu a série de culto.

Pois, ao contrário dos que se sentiram defraudados tamanhas eram as expectativas, o recitativo da batalha de Winterfell é, em meu entender, um documento prodigioso de um confronto sem tréguas dos mortos vivos contra as defesas do exército reunido por Jon Snow e Daenerys Targaryan, com alguns momentos de surpresa inolvidáveis como por exemplo o retorno da Melissandra, a feiticeira. Para um inimigo estranho e não convencional, os mortos-vivos, o epílogo do combate teria de processar-se de modo também estranho e misterioso, cumprindo-se a profecia de Snow: a morte do Night King destruiria todo o seu exército num esmigalhar apocalíptico dos corpos como se fossem vidro. Pois a profecia cumpriu-se mas a intrépida Arya Stark é quem desfere o golpe fatal numa espécie de reedição do velho argumento de David contra Golias.

Certamente que o quarto episódio fará regressar a série à calma aparente de futuras negociações, clarificando quem se finou em tão tremendo combate. Pelo desenrolar do recitativo de Winterfell um conjunto relativamente reduzido de personagens relevantes da história terá desaparecido, designadamente o eterno protetor de Daenerys Targaryan Ser Jorah Mormont, o expressivo antigo elemento da Patrulha da Noite Edd Tollett, Theon Greyjoy protetor do misterioso Ban, Lyanna Mormont (Little Lady Lyanna que morre às mãos de um zombie de gelo embora o matando. Todas as restantes personagens, incluindo, espera-se, o famoso cão –lobo Ghost, regressarão para o retorno da trama.

Mas a cena em meu entender de maior impacto e criatividade é o encontro de Arya Stark com as criaturas zombie na biblioteca,um prodígio de imaginação.

Não sei se conseguirei dormir em paz esta noite.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

O PACTO DEL ABRAZO




(El Español)
(Comparando os mapas eleitorais de Espanha por província e por município, a onda vermelha do PSOE está lá, menos evidente como seria de esperar na Espanha local. A afirmação nacional do PSOE por toda a Espanha não anula, porém, a difícil questão dos pactos de governação. Face aos resultados e ao estrondo da queda do PP, até na Galiza de Nuñez Feijoo, a imprensa liberal espanhola aposta as cartas todas no chamado Pacto del Abrazo. O problema é que la calle não parece convencida.)

Não parece haver dúvidas de que o PSOE derrotou nas urnas as direitas que se juntaram taticamente na Plaza Colón e que constituíram governo na Andaluzia. Os resultados nacionais mostram que os espanhóis quiseram devolver ao PSOE o seu papel de charneira, como o único partido que consegue uma expressão democrática nacional e o único que conseguirá suster a fragmentação do país. E, o que é mais importante, depois do partido ter tentado sem êxito demover os independentistas catalães do seu aventureirismo. Até na Galiza, o feudo mais relevante do PP liderado por um Feijoo que se retirou da sucessão a Rajoy vá lá saber-se porquê, o PP passa a segunda força política mais votada, com um Partido Socialista Galego a lamber ainda as feridas de profundas fraturas no seu seio. Na Catalunha, o PSOE mostrou de novo que é a única força política capaz de suster e dialogar o reforçado independentismo sobretudo com o êxito dos 15 deputados da Esquerra Republicana. Para nosso descanso, não sabemos se definitivo, isso dependerá das unhas de Sánchez, a erupção do VOX acabou por esfrangalhar a direita e dar ao PSOE o estatuto de salvador das liberdades por toda a Espanha. A extrapolação da experiência da Andaluzia revelou-se um fracasso e a grande manifestação da praça Colón foi um fogacho. E, mais do que tudo, o PP está agora entre três fogos sabe-se lá qual o mais mortífero: (i) recuperar votos perdidos; (ii) combater o cenário do CIUDADANOS emergir como a direita do futuro em Espanha; (iii) resolver o seu problema com o VOX, pois não esqueçamos, Abascal militou durante muito tempo no PP, embora o seu êxito esteja a meu ver no ter trazido para os votos e para a rua a Espanha mais conservadora e franquista que se tinha já resignado a não votar.

Na excelente cobertura que a TVE 24 horas realizou do ato eleitoral do 28 de abril, com uma forte pluralidade de analistas e comentadores políticos, dei especial atenção à presença de Pedro José Ramírez, diretor do jornal on line EL Español, o jornal eletrónico mais lido em Espanha, uma espécie de Observador de cá, com mais irreverência e arrojo nas suas abordagens, mas claramente representante de uma direita liberal, assumida, descomprometida não sei, talvez não, abominando obviamente os independentistas. Pedro Ramírez é uma personalidade inconfundível, licenciado em Navarra, marido de Ághata Ruiz de la Prada desde 1986, naquele registo que todos conhecemos de um Senhor espanhol, visível nos seus fatos, camisas e gravatas. À medida que os resultados iam atingindo níveis de escrutínio cada vez mais amplos, o diretor do El Español ia vincando duas ideias essenciais: primeiro, a expressiva demonstração de que o VOX não tinha somado na direita espanhola, mas antes destruído e fragmentado e colocado a passadeira vermelha ao PSOE; segundo, que o Pacto del Abrazo (uma aliança PSOE + CIUDADANOS) somava finalmente com uma maioria estável de 180 deputados. A posição de Ramírez e do El Español é muito esclarecedora em termos de leitura do futuro das transformações desejadas para o país vizinho.

O problema é que o cordão sanitário imposto pelo CIUDADANOS de Rivera e Arrimadas ao vetar ex-ante qualquer pacto de governo com o PSOE, bem mais taxativo do que as posições assumidas pelas principais vozes do PSOE, provocam um engulho visível no Pacto del Abrazo. Pode até especular-se se Rivera não está mais interessado em conquistar as rédeas da direita espanhola mais do que governar. E os manifestantes da calle Ferraz que ontem festejavam efusivamente o regresso do PSOE aos seus melhores tempos (creio que personalidades como Felipe González e Alfonso Guerra meterão contrariados a viola no saco por uns tempos) não pareciam entusiasmados com a hipótese desse pacto: "con RIVERA NO"!

A calle nem sempre é, como sabemos, boa conselheira em matéria de ordenamento de forças para a mudança. Compreendo a leitura interpretativa do El Español e de Ramírez. Mas o que me parece é que a leitura constitucional do CIUDADANOS sobre a Espanha territorial não soma à resolução dessa questão. Por muitas voltas que Ramírez antecipe, com os independentistas reforçados no Congresso de Deputados, só o PSOE parece com força e engenho para a tentar resolver por algum tempo (friso por algum tempo, pois o sentimento independentista, não hegemónico na Catalunha e no País Basco, veio para ficar), contendo-o nos limites da Constituição espanhola. Por isso, a justiça espanhola condenará provavelmente os líderes catalães e a hipótese de um indulto para um momento de trégua estará mais aí à porta do que se imagina.