quinta-feira, 25 de abril de 2019

NORMALIDADES, IMPERFEIÇÕES E O RESTO


Quarenta e cinco anos! Lamentações destas à parte, celebra-se hoje um dia que mudou Portugal, abrindo ao coletivo nacional o incomparável horizonte da liberdade. Mas, há que dizê-lo com frontalidade: nos tempos que correm, é crescentemente notória a necessidade de uma pedagogia da liberdade a trabalhar nas sociedades modernas e, em especial, junto das novas gerações e de franjas mais marginalizadas da população (veja-se a sondagem levada a cabo pelo JN e TSF, segundo a qual o esquecimento já começa a imperar no seio dos nossos concidadãos e, naturalmente, dos jovens). 

Mas o 25 de Abril abriu também ao coletivo nacional a possibilidade democrática e desenvolvimentista a que tinha todo o direito. O editorial do “Público”, assinado pela pena fina do seu diretor, parece mais humilde nas palavras ao apenas evidenciar o “país normal” que hoje claramente somos se não nos ativermos aos extremados excessos interpretativos de alguns. Mas o que ele afinal sublinha é a luz que, “no realismo do país imperfeito que temos”, se tem dominantemente feito no meio das sombras, escolhendo para tal enumerar a solidez da democracia e a sua evolução para novas soluções de estabilidade política, a imunidade até agora conseguida em relação aos fenómenos do populismo, a capacidade de resistência das empresas nacionais, a sociedade mais qualificada de sempre e a modelar paz e tranquilidade em que vivemos.

Manuel Carvalho estará talvez a ir longe demais ao associar à Revolução de 1974 “um rumo e um modelo para uma ideia de país” – ou talvez até não se tivermos em conta o tiro que logo acrescenta e com que termina: “Corrijamos o rumo e sejamos mais exigentes com o modelo. Só assim conservaremos o sentido da ideia.” Pois é quase isso mesmo, diria eu que sou algo mais pessimista – assumamos, então, o sentido da ideia e foquemo-nos em clarificar o rumo e definir o modelo, tarefas hercúleas que apenas temos vindo a cumprir a custo e aos repelões no meio da descontrolada confusão institucional e organizacional em que teimosamente insistimos em travar autênticas lutas titânicas para desenrascarmos o que a dinâmica de cada momento nos for podendo viabilizar a contento.

Termino com uma nota diferente que ainda aqui quero deixar com vista a sinalizar um outro grande 25 de abril em celebração hoje, a saber, o que assinala a libertação italiana do fascismo mussoliniano. No caso, uma celebração que ocorre no quadro de uma deriva bem mais gravosa do que a que atrás se equaciona a nosso propósito – é que todos os indicadores apontam para um país doente que, pela sua dimensão e peso específico, se arrisca a tornar-se num expoente maior de problemas económicos, sociais e políticos complexos no seio de uma Europa fragilizada. Acrescem as óbvias preocupações associadas às recentes notícias sobre divisões no seio do governo populista, muito em resultado das ambições totalitárias de Salvini e da sua “Liga Norte”, e sobre movimentações a ocorrerem com significativo impulso deste no sentido de uma federação das principais forças da extrema-direita europeia. E volto à minha: a liberdade é um dado tão naturalmente adquirido que carece de ser recorrentemente valorizado na sua essência e assim confrontado com o acesso às suas entranhas que também proporciona aos seus inimigos – trata-se afinal, e mais uma vez, da imperiosidade de lhe fazermos uma pedagogia permanente e sem concessões.


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