(Com o escrutínio em 99,63%)
(As aleluias de Seixas já se foram, algumas resistiram às
últimas chuvas, mas as lavandas parecem querer emergir com garbo e preencher o
espaço visual. Um domingo com primavera amedrontada e tempo para procrastinações
diversas pelo mundo da arte e da literatura a partir do Babelia e do Guardian
semanal. Com o fim do dia, tempo para
os festejos desportivos, com um apagão inicial preocupante, e a certeza de que
a direita não governará sozinha em Espanha, o que não significa que a esquerda
o possa fazer com conforto.)
O suplemento do Babelia do El País de sábado (alguém me explica porque é que
no Alto Minho o El País é distribuído com um dia de atraso?) é um manancial de
procrastinação cultural e, pior do que isso, uma tentação de compras
por via da Amazon Espanha, agora que começo a aventurar-me em leituras em castelhano,
como autodidata talvez precoce ou pretensioso. A leitura do suplemento quando
acontece com um sol retemperador é um prodígio de ideias e de projetos de leitura,
seja nas crónicas deliciosas de António Muñoz Molina, seja na crítica literária
com cobertura de uma realidade pouco explorada em Portugal a literatura
latino-americana, seja ainda em peças desconcertantes como, por exemplo, a que discute
as crenças dos ateus. Claro que o orçamento de compras pela Amazon Espanha ressente-se
e tem de ser controlada com mãos de Centeno. As minhas cativações quedam-se num
caderninho da Clairefontaine um dos resquícios da cultura francesa que se
enraizaram nos meus hábitos.
Apesar dos festejos desportivos que já me passam um pouco ao lado, são as
eleições em Espanha que marcam este domingo, reportando-me neste momento a cerca
de 99% dos votos contados.
Primeiro as grandes conclusões:
- 1. A direita não conseguirá governar sozinha, faltando-lhe muitos lugares para a maioria de 176 lugares no Congresso; o que é para festejar com um bom copo;
- 2. O PSOE afirma-se a única força política espanhola capaz de se afirmar em todo o País, incluindo a Catalunha, o que não é coisa pouca, sobretudo a partir de um Pedro Sánchez, instável por certo, que já foi defunto, que se levantou, arriscou tudo e acabou por mostrar que estava vivo, o que dá bem conta da vertigem em que a política espanhola se transformou;
- 3. O fantasma de Aznar não se deu bem com o clima do regresso e Rajoy e Soraya Saenz de Santamaría devem estar a rebolar-se de riso perante os resultados de Casado; o eleitorado mostrou mais uma vez que prefere os originais (VOX, por mais aterradores que eles sejam) às cópias de última hora em que o líder do PP se deixou transformar;
- 4. O independentismo está aí com força reforçada no Congresso, graças sobretudo à subida da Esquerra Republicana catalã e ao Bildu basco que passa de 2 para 4 deputados;
- 5. Finalmente, a extrema-direita (VOX) existe mesmo, e a sua representação é o resultado de alguma decomposição do PP e também da passagem para o espaço eleitoral de algum conservadorismo espanhol que já não votava há largo tempo.
Estas são as grandes ideias, e talvez a que me dê mais gozo é a estrondosa
queda do fantasma de Aznar, com 66 deputados por agora, desconhecendo-se qual vai
ser a estratégia futura de Casado: resistir à ideia de que Rivera (Ciudadanos) é
o futuro da direita espanhola ou amoldar-se cada vez mais à ameaça do VOX? Mas
a presença nacional do PSOE é de facto impressionante e o seu papel de charneira
futura em Espanha e na Europa não pode ser ignorado, ouça-o a social-democracia
europeia.
Mas depois da emoção dos festejos vem a pressão do racional. Como vai o
PSOE governar? Sánchez na sua intervenção na varanda da Calle Ferraz de Madrid teve
o cuidado de se demarcar do CIUDADANOS afirmando que não fixaria cordões sanitários
em seu redor, pactando com toda a gente que respeite a Constituição. Por agora,
a soma dos deputados do PSOE, PODEMOS (reforçado com os votos do partido de Ada
Colau) e algum partido regionalista não independentista não é ainda seguro que
proporcione a maioria desejada. Maioria absoluta segura seria observada se
acrescentássemos a Esquerra Republicana, mas não é difícil imaginar que reflexos
teria essa negociação. Claro que PSOE + CIUDADANOS proporcionaria uma maioria absoluta
relativamente estável e, no painel da TVE 24 horas que realizou uma competente
e democrática cobertura do dia eleitoral em Espanha, o diretor do El Español algo
de semelhante ao Observador de cá bem se esforçou por clamar por essa necessidade.
Com eleições locais e autonómicas em 26 de maio, conjuntamente com
Europeias, compreende-se bem como será longa a maratona para a formação de um novo
governo. O PSOE com quase o dobro dos deputados do PP, partido mais votado da
oposição à direita, estará seguramente no Governo, não se sabe é com quem. Gostaria
de saber como se diz em castelhano a procissão ainda vai no adro, embora a religiosidade
em Espanha já viveu melhores dias. Mas um longo processo político abre-se a
partir da noite de hoje, que vai exigir nervos de aço, mas parece poder
concluir-se que a Andaluzia não é a Espanha e que o afastamento do PSOE da
governação regional deve-se a uma longa permanência no poder sem agilidade de
mudança. E com esta vitória Susana Diáz pode hipotecar as suas hipóteses de
futura liderança do PSOE.
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