sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

AMANHÃ É O PRIMEIRO DIA DO RESTO DA VIDA DELES (II)


Uma resenha das principais capas dos jornais britânicos de hoje, para mais tarde recordar o que disseram – dos institucionais na sua discrição aos mais ou menos claramente enviesados a favor e contra e aos inconcebíveis tabloides no seu triunfalismo bacoco. Deixo também o registo de uma capa notável vinda da Escócia (dirigida a uma dear Europe, recordando que we didn’t vote for this, contendo o pedido de um remember to... e apelando esperançosa a um leave a light on for Scotland). E, ainda, alguns exemplares de diários europeus (mais abaixo, sendo que o nosso “Público” já foi objeto de presença no post desta manhã), uns mais imaginativos do que outros mas todos a reportarem o obrigatório tema do dia. Assunto encerrado, e fecho-o simbolicamente com as duas caras mais irresponsáveis do processo – Farage, o palhaço aproveitador, e Cameron, o culpado objetivo ou o idiota útil –, um assunto a retomar em novos e por ora imprevisíveis moldes.




UMA SENSAÇÃO ESTRANHA



(O 31 de janeiro marca simbolicamente uma outra forma de compreendermos a União Europeia. Não comungo de ideias muito catastrofistas relativamente ao futuro estado da União (se as tivesse elas já estariam formadas) e ao Reino (Des)Unido a médio prazo. Mas tenho uma sensação estranha, de alguma inquietação, acerca das causas e antecedentes que conduziram a esta decisão da democracia britânica.)

Bem sei que o Reino Unido entrou tardiamente no processo de construção da União, que talvez nunca tivesse comungado dos mesmos ideais que inspiraram os fundadores e que, talvez por nosso descuido ou arrogância, nunca tivéssemos feito compreender à população britânica, não à sua elite ou elites (tão fraturadas que elas andam) a importância da sua presença e do espírito crítico que a acompanhava.

Sei também que com decisões democráticas não se brinca, mesmo que seja hoje cada vez mais claro que tais decisões foram construídas com base em enviesamentos de informação, desonestidade de princípios, perceções acicatadas por tabloides ao serviço de uma internacional populista que se vai formando com apoios por todo esse mundo fora.

Estou ainda convencido que os britânicos não têm ainda hoje uma compreensão clara dos custos e riscos que aquela decisão democrática pode gerar, em primeiro lugar do ponto de vista dos elementos mais básicos das suas condições de vida. Por isso, Boris Johnson se apressou, após eleições, a orçamentar uma injeção de capital público em matérias a que a idiota política de austeridade de Cameron-Osborne submeteu a população britânica mais desfavorecida. Basta lembrar a elevada vulnerabilidade a catástrofes naturais, a miserável política de habitação condenando cruelmente gente envelhecida a deslocações de residência de mais de 300 quilómetros e à progressiva degradação dos serviços públicos. Mas também do ponto de vista da unidade política e territorial do Reino Unido, a decisão democrática do BREXIT não antecipou todas as suas possíveis consequências e tratou a chamada questão irlandesa com uma leviandade típica dos que desdenham da história, simplesmente porque não a conhecem, não a querem conhecer ou por meras questões de classe e de casta.

Embriagados pela ilusão do retorno aos grandes tempos, os britânicos tomam a decisão no contexto mais desfavorável para uma visão desbotada do império que já não existe. Como a lúcida Teresa de Sousa tem sublinhado, rapidamente os britânicos compreenderão que, ainda que ressalvando e protegendo toda a sua especificidade, estão mais próximos da Europa democrática do que dos Estados Unidos, onde sob a capa do interesse nacional (que deve ser a coisa mais plástica deste mundo) o presidente verá provavelmente validada a sua peculiar interpretação do “quero, posso e mando”.

É óbvio que nada está perdido do ponto de vista do após-BREXIT. Os canais de comunicação não foram cortados ou sabotados e para a própria luta contra a desagregação possível do Reino Unido e a minimização dos engulhos da questão irlandesa canais fluidos de diplomacia com a União serão absolutamente cruciais.

A minha conceção de União Europeia nunca favoreceu a aprovação de uma homogeneidade forçada e o esbatimento de algumas identidades nacionais. A presença do Reino Unido com a natureza vetusta da sua democracia e do seu Parlamento faziam parte da minha ideia de Europa. O contraponto entre as instituições insulares e continentais fazia bem ao espírito europeu, confrontava-o permanentemente com a necessidade de confrontar e integrar os parlamentos nacionais e relembrava-nos da imperiosa construção de consensos, de visões partilhadas e tudo menos aprovações laudatórias de decisões provenientes de diretórios ideológicos e representantes de grupos de interesses que instrumentalizaram a ideia de Europa.

Este 31 de janeiro traz-me assim uma sensação estranha de perda como quando se perde um amigo e a memória da sua presença continua viva e persistente.

Mas também a 31 de janeiro, mais propriamente a 31 de janeiro de 1797 num subúrbio de Viena nascia Franz Schubert.

223 anos depois a memória de Schubert é revivida e realimentada permanentemente sempre que a sua música me envolve e comove.

Comemoremos assim um nascimento para atenuar a sensação de perda com o último disco com música de Schubert que me chegou às mãos por encomenda da Presto Classical, a minha fonte preferida de importação, já que a FNAC está cada vez mais escanzelada e subnutrida em termos de música clássica.

O disco em causa é uma edição de 2019 da insuperável BIS e oferece-nos o primeiro volume da Música para Violino de Schubert com a DIE Kölner Akademie dirigida por Michael Alexander Willens e com Ariadne Daskalakis no violino e Paulo Giacometti no piano forte.

Schubert capital da minha ideia de Europa.

AMANHÃ É O PRIMEIRO DIA DO RESTO DA VIDA DELES (I)

(Morten Morland, https://www.spectator.co.uk)



(Bill Butcher, https://www.ft.com)

Teve o seu lado comovente a despedida dos eurodeputados britânicos, tal como tudo quanto aconteceu desde o referendo de 23 de junho de 2016 mantem ainda uma forte vertente de inusitado e inopinado. A partir de amanhã começa a negociação da transição – e difícil que vai ser! –, mas inicia-se sobretudo uma nova e imprevisível fase para a vida económica, social e política dos britânicos (o “Financial Times” de hoje fala em mixture of optimism and regret). Pela Europa fora, as opiniões mais ou menos especializadas dividem-se entre os que pensam que há boas razões para tudo lhes possa correr mal e os que pensam que eles têm atributos e ativos para agarrarem a oportunidade de darem a volta e conseguirem que tudo acabe por lhes correr bem; assim como se dividem igualmente os desejos, entre uns a rezarem para que Deus os castigue bem castigados e outros a considerarem que nada têm contra a hipótese alternativa de Deus os proteger. Interessante, nesta linha, o artigo de Teresa de Sousa no “Público” de Domingo.

(Pierre Kroll, http://www.lesoir.be)


Olhando para a frente, e para além da negociação com a União Europeia, a grande questão e a grande expectativa residem em torno do modo como Boris Johnson virará a página e (re)focará o país em termos estratégicos. Este tópico, quando encarado pelos conhecedores da realidade política em presença e da circunstância do atual líder conservador e primeiro-ministro, resulta em que os olhares e as atenções se tendam a dirigir para o homem discreto mas algo visionário e implacavelmente metódico que é o consultor todo-o-terreno de BoJo, Dominic Cummings de seu nome – o “Financial Times”, designadamente, refere-o como alguém que fez o Brexit e que agora plans to reinvent politics, o que quer que isso possa significar ao certo. O tema é fascinante e desafiante – normalmente, quanto mais a incerteza reina mais assim é –, merecendo um tratamento de informação e uma reflexão em torno que pressupõem condições e tempo bastante para tal; a ele procurarei voltar.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

MULHERES EM DESTAQUE

(Pierre Kroll, http://www.lesoir.be)


Soube-se há dias que o parlamento grego escolheu uma mulher e magistrada – Ekaterini Sakellaropoulou – para ser a Presidente da República da Grécia a partir de meados de março. Uma verdadeira première, designadamente por vir de onde vem, mesmo pesando o facto de as funções presidenciais serem bastante circunscritas no país em causa.

Já o mesmo se não pode dizer em termos de poder executivo no tocante à Finlândia, onde uma mulher de 34 anos – Sanna Marin – é primeira-ministra (ao que parece, a mais jovem do mundo) e onde o governo é resultado de uma coligação de cinco partidos cuja direção é invariavelmente comandada por uma pessoa do sexo feminino (sendo que quatro dessas líderes têm idade igual ou inferior a 34 anos). Uma situação verdadeiramente merecedora da devida nota!

Em síntese: estaremos seguramente ainda perante meros casos excecionais à escala global, mas estaremos também certamente perante sinais relevantes de um promissor driver no sentido de uma mudança que conta e que já não mais poderá ser infletida.



REGRESSO À FEP


(O evento da Escola de Inverno inserido no 3º Encontro da Associação Portuguesa de Economia Política, cujo programa se distribui pelo dia de amanhã na Universidade Católica -Porto, projetou-me num regresso à FEP, ao auditório das pós-graduações ainda de boa memória. A Pilar González e o Luís Carvalho, protagonizando eles próprios duas gerações diferentes com as quais mantenho alguma proximidade organizaram uma bem interessante sessão sobre a relação economia-inovação-território. Um dia bem passado.)

A ainda em curso obra de renovação do belo edifício da FEP, de autoria do Arquiteto Viana de Lima, e a época de exames em que a Escola se encontra, impediram que pudesse reconstituir, em pleno, deambulações do meu quotidiano de outros tempos por aqueles espaços. Mas foi bom rever amigos, cavaquear e regressar a temas com os quais na altura em que abandonei as funções docentes mantinha uma relação de forte empatia e trabalho intenso. O tema economia-inovação-território foi depois prolongado enquanto avaliador de políticas públicas que me foi permitindo acompanhar relativamente de perto a evolução da investigação nesta matéria. Mas uma das limitações da consultoria, mesmo quando exercida na função nobre (com exigência de maior reconhecimento dessa nobreza e valor social para a melhoria da decisão pública) da avaliação de políticas públicas é não permitir, por razões de economia de projetos e muitas vezes ausências de massas críticas de pensamento, desenvolver o debate científico e a interação com outras disciplinas e abordagens. Embora não me possa queixar dado o interesse e diversidade de trabalhos que me vão passando pelas mãos, esta dimensão da ausência de debate é das que mais suscita constantes revisitações do passado académico.

O Luís e a Pilar organizaram com muita sensibilidade a sessão de hoje. Pediram-me a mim uma abordagem mais inspirada na economia da inovação, com incorporação de elementos evolucionistas e institucionalistas, discorrendo sobre a difícil maturação do conceito de Sistema Regional de Inovação em Portugal como suporte das políticas públicas de inovação e como é que nessa evolução se situam as estratégias regionais de especialização inteligente. À Teresa Sá Marques pediram uma reflexão do ponto de vista da geografia relacional e da geografia dos lugares, a partir da qual é possível perceber a enorme importância dos exercícios de “networking analysis”, com adaptação ao sistema científico, ao sistema de inovação e a algumas tipologias de organizações como os hospitais e de setores económicos como a têxtil. Ao José Madureira Pinto, que continua a espantar-nos com o seu rigor de análise, pediram uma reflexão sociológica que ele organizou admiravelmente em torno de três dimensões analíticas, o espaço-lugar, o espaço-território e o espaço-representação, que ele cruzou com dois níveis de análise que designou de intensidade 1 e de intensidade 2. Com o nível de intensidade 2, a análise do Madureira Pinto transporta-nos para a dimensão das relações sociais de produção e, fiel à sua “ortogonalidade” e aos seus incomparáveis quadros analíticos e foi bom regressar ao reconhecimento do rigor e atenção do trabalho de terreno, revisitando a sua Fonte de Arcada no vale do Sousa e a outras incursões pelo setor da construção civil. Finalmente, ao Professor Hughes Jannerat da universidade de Neuchatel (que já não consegui ouvir) solicitaram uma reflexão mais económica sobre a relevância dos processos de criação de valor na inovação regional.

Uma sessão muito rica, mostrando que a fertilização cruzada e o diálogo aberto entre disciplinas deveriam ocupar uma percentagem bem mais significativa do nosso tempo passado em seminários e outros eventos de interação de ideias.

Pela minha parte, deixo-vos a estrutura da minha intervenção:

  •  Economia-inovação-território: era uma vez
  • A lenta e titubeante emergência da abordagem “Sistemas Regionais de Inovação” (SRI) em Portugal: razões, irritantes e tendências pesadas
  • Contextualização e significado da chegada (exógena) da abordagem RIS 3 às políticas de inovação (já em movimento
  • Aprendizagens decorrentes da implementação no atual período de programação
  • Os grandes temas em aberto à luz da economia do desenvolvimento e da inovação.

DECLARAÇÕES NÃO MUITO INTELIGÍVEIS


Surpreendente a insinuação de Luís Nazaré (LN) quanto à sua própria crença em relação a que Fernando Teixeira dos Santos (FTS) tenha tido “todas as cautelas enquanto responsável do banco [o EuroBic, de que Isabel dos Santos é/era a maior acionista e de que FTS é presidente desde 2016]”. Acrescentando ainda que “qualquer pessoa ligada à atividade económica sabia o que se passava em Angola”, LN deixou ou quis deixar no ar – em entrevista ao “Dinheiro Vivo” – alguma tónica de mistério que, responsavelmente, importaria clarificar.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

A VER O QUE DÁ CHICÃO!

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)



Foram relativamente animadas estas semanas de luta interna no CDS. Que culminaram com uma vitória das bases e do chamado “partido profundo” contra os que se consideram os herdeiros de Portas e os donos do “partido autêntico” (incrível, especialmente, a enorme assobiadela com que António Pires de Lima foi brindado quando subiu ao palco convencido de que lá ia dar as suas provocatórias instruções). A cara dessa vitória foi Francisco Rodrigues dos Santos, vulgo “Chicão”, sobre quem as opiniões se dividem entre os que o perspetivam como um jovem esforçado e conservadoramente convicto que poderá conseguir afirmar-se no seio do partido e, principalmente, fazê-lo ganhar espaço no seio de uma direita portuguesa muito espartilhada (face, sobretudo, aos desafios do “Chega” e do “Iniciativa Liberal) e os que o encaram como um imberbe algo ultramontano e sem dotes de competência política que lhe permitam reunir condições para tal. Não tenho um conhecimento por dentro que me permita formular uma opinião fundamentada, mas assim a cheiro tendo a ir mais pela segunda hipótese e a admitir, portanto, que este congresso poderá ter sido o do estertor de um partido que, tendo feito um caminho de décadas na democracia portuguesa, será a primeira vítima de uma recomposição inevitável das forças políticas tradicionais em Portugal.

SALVINI: O ESTATELANÇO PERFEITO



Quando se temia o pior, eis senão quando um movimento (“Sardinhas”) iniciado nas redes sociais há apenas três meses acabou por contribuir decisivamente para a clara vitória de Stefano Bonaccini, o reeleito presidente da segunda região mais rica de Itália (Emilia-Romanha), e para a derrota da candidata de Matteo Salvini (Lucia Borgonzoni). Assim, o líder da “Lega” vê-se objetivamente impedido de proclamar a deslegitimação do frágil governo de coligação entre o “Partido Democrático” (de Nicola Zingaretti) e o “Movimento 5 Estrelas” (em mudança de mãos após a demissão de Luigi Di Maio) com vista a iniciar uma prometida marcha sobre Roma a partir de Bolonha. Em suma: apesar das implicações nacionais favoráveis destas eleições regionais, os equilíbrios políticos italianos permanecem periclitantes e a dúvida está instalada quanto ao modo como vão evoluir as dissensões internas a um PD agora largamente hegemónico no seio do poder mas não é menos certo que se vai continuar a poder respirar uma aragem democrática no país da bota.

(Mauro Biani, http://maurobiani.it)


(Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)

(Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)

(Alfio Krancic, https://www.alfiokrancic.com)

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

UMA ZONA EURO PRISIONEIRA DOS SEUS FANTASMAS

(a partir de http://lemonde.fr)

Um conjunto interessante de dados recolhidos pelo “Le Monde” para evidenciar quanto a Zona Euro continua dominada por uma fechada ortodoxia que recusa largamente recorrer à dimensão orçamental como instrumento de política económica capaz de contrabalançar o excesso de utilização e o esgotamento de outros, aliás em manifesto contraste com a situação dos Estados Unidos e em claro desfavor do crescimento e do investimento. Marginalmente curiosas são também as referências a Portugal, quer em termos de ausência de estímulo orçamental quer em termos de muito baixo nível de investimento público.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

DIREITICES E INQUIETAÇÕES



(Pouco tempo por questões de trabalho para acompanhar a situação política interna, do congresso de um CDS em apuros aos estragos que a ação de um hacker, Rui Pinto, vai em meu entender provocar, sobretudo à justiça portuguesa, enredada na velha questão dos dois pesos, duas medidas e entre os fogos do não recomendável futebol e o possível abalo sistémico do sistema bancário e financeiro, tão competentes que eles são. Mesmo assim, tempo para o essencial desta vaga de espuma.)

A inefável Cristas, deusa passada das danças da chuva e mui devota, deixou a direita CDS em transe e em aflição, órfã não se sabe bem de quê e anunciava facas afiadas para o congresso. Vários artistas se perfilaram para o embate, quase todos conhecidos apenas dos seus círculos de amigos mais restritos, mas quase todos de verbo fácil, empolgado e muitos deles tendo por certo integrado as equipas de jovens assessores que acompanhavam a ex-ministra Cristas que então se destacavam por não estarem calados e quietos nessas sessões.

Nos ambientes que marcaram a preparação para o congresso e a contagem de espingardas que regra geral acompanham estes eventos partidários pressentia-se o esqueleto mental de Manuel Monteiro a pairar por algumas cenas, menos o de Paulo Portas hoje mais interessado em seguir e beneficiar do rumo que ele próprio deu à chamada diplomacia económica do que inspirar confrontos internos. A imagem do Ventura do Chega também pairava por ali, por mais que a malta disfarçasse. Foi curioso ver o alinhamento de algumas das grandes personalidades do partido, integrando os que se limitaram a influenciar de fora o ambiente e os que tiveram a coragem de ir a terreiro em sítio próprio, sujeitando-se a alguns desamores da turba mais jovem (Pires de Lima como grande evidência).

Estive atento ao posicionamento de Bagão Félix e de António Lobo Xavier, que apoiaram Francisco Rodrigues dos Santos, e intuí por essa via que estava encontrado o vencedor e não me enganei. Esta gente sabe muito, sobretudo o segundo, e aquele sinal pareceu-me premonitório.

Mas há que ter em conta algo que a perspicácia política de um amigo meu me ajudou a relativizar. O CDS é aquele partido em que a gente jovem sempre parece que é pelo menos 10 anos mais velho (que bela e inspiradora imagem) e, por isso, ao contrário do que poderia esperar-se logo pressenti que a mudança com lastro de juventude não equivaleria ao refrescamento necessário.

E assim foi Francisco Rodrigues dos Santos, Chicão para os amigos lá ganhou confirmando a minha intuição, com discurso empolgado e, embora ausente do Parlamento por não ser deputado, antecipo alguns diálogos de espelhos mais com o Ventura do que com a Iniciativa Liberal e o populismo lá vai engrossando as hostes a candidatos.

Os analistas lá foram detetando as inflexões mais reacionárias do que conservadoras do seu discurso e outros talvez mal-intencionados sublinharam também que mulheres praticamente nem vê-las entre as caras chamadas ao palco.

Alguém nas redes sociais e desculpem lá esta cedência dizia com piada que, sim senhora, poucas mulheres mas a verdade é que para o Chicão alguém tem que ficar em casa a cuidar dos Manuéis Maria, dos Afonsos Maria e de outros Maria.


A segunda reflexão vem ainda na sequência do estrilho dos Luanda Leaks e da agora assumida posição pelos advogados de Rui Pinto de que ele é o denunciante que tornou possível o acesso ao material explosivo por parte do Consórcio Internacional de Jornalistas. Imagino que o presidente do meu clube esteja por estes momentos aflitinho da vida antecipando coisas ruins acerca do tratamento equitativo dos vários tipos de leaks agilizados pelo hacker do Norte. Estou a marimbar-me sinceramente para essa matéria e uns saneamentos virtuosos fariam bem ao futebol, doa a quem doer.

O que me preocupa neste caso é uma outra matéria, essa de bem maior alcance.

A questão dos leaks viabilizados por denunciantes, infiltrados ou qualquer outro estatuto, quando acompanhados de pirataria informática, é uma estranha metáfora do estado em que a ganância (greed) e outras derivas do capitalismo que se têm agravado colocaram a democracia mais ou menos liberal. É que chegar à conclusão que as tramóias e outras fraudes e espoliações do dinheiro público só são identificadas e perseguidas pela justiça e por reguladores que queiram regular com a ajuda e interpelados por processos ilícitos e criminosos preocupa qualquer um de espírito aberto. É claro que ainda existem algumas pingas honoráveis de jornalismo de investigação, mas ele próprio colhe alguns resultados quando combinado com tais processos.

Não me digam que isto não é preocupante e um sinal inquietante dos tempos que vivemos.

E por mais estranho que isso pareça, acho que a Ana Gomes vai continuar a ter carradas de razão.