segunda-feira, 31 de julho de 2023

DA JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

 
(Luís Afonso, “Bartoon”, https://www.publico.pt) 

Véspera do arranque da “Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023”, um evento revelador desse Portugal que os nossos poderosos pretendem apresentar como moderno e europeu mas que é na realidade bem mais profundamente arcaico e terceiro-mundista do que outra coisa qualquer; contando, aliás, com o inteiro beneplácito de uma larga franja das nossas elites, económico-financeiras e culturais, que assim se constituem nas manifestações de excecionalidade que tanto lhes aproveitam a partir dos guetos que voluntariamente criam e tranquilamente reproduzem. Um evento que, como é apanágio lusitano, tem vindo a crescer em dimensão e expressão e assim ajuda a alimentar essa ideia peregrina de termos de ser sempre os primeiros em algo quando somos bem mais próximos de últimos no que verdadeiramente mais conta (o desenvolvimento e a sustentabilidade económico-social, para dizer depressa e sem minimizar o facto de estarmos perante uma realização em preponderante benefício de uma Igreja Católica rica dentro de um proclamado “Estado laico”). Um evento que ocupa todo o espaço público nacional, como se nada mais houvera a acontecer no mundo, e em que os responsáveis políticos tanto se esforçam e irão esforçar por colocar o seu brilho a grande altura, do muito pequeno Moedas ao incontinente Marcelo mas não esquecendo as sensaboronas prestações dos membros do Governo mais diretamente implicados (a entrevista de Ana Catarina Mendes ilustra-o nas sua tão apropriada pobreza franciscana). Um evento, finalmente, em que a cúpula nacional da Igreja Católica persiste em se manter alheada dos seus recorrentes erros e das enormidades por que é cúmplice objetiva, não fazendo o mínimo que se lhe exigiria em termos de contrição (palavras e mais palavras, essas leva-as o vento) e, acrescente-se também, sem a tal ser instada pela cúpula que a tutela a partir de Roma. Por tudo isto, e ainda porque os portugueses (sobretudo os lisboetas que trabalham e não fazem férias no exterior) precisam de algum descanso retemperador em agosto, os meus votos vão no sentido de que toda esta parafernália possa passar depressa e sem novas máculas.

MELONI OU A SEREIA VICIOSA

 


 (Já por repetidas vezes neste espaço trouxe para a reflexão a alteração substancial registada no xadrez democrático europeu com a chegada ao poder de forças políticas antidemocráticas, que não hesitam em explorar as malhas da democracia para a minar por dentro. O movimento em curso é perturbador. Com exceção de Portugal e Espanha, cujos eleitorados têm resistido a esse tipo de voto de protesto, contendo esse fenómeno nos limites do suportável, a União Europeia convive perigosamente com o despudorado avanço dessas forças. Na Itália e na Polónia elas já lá estão, com matizes diferenciados, invocação do legado de Mussolini em Itália e nacionalismo religioso tradicionalista na Polónia. Em França, o Rassemblement Nacional de Le Pen é uma ameaça permanente, nos Países Baixos a confusão está instalada e até um partido agrário populista de mau porte emergiu, na Áustria a extrema-direita tem estado sempre presente e anda pelas franjas do poder, na Alemanha o execrável Alternativa para a Alemanha morde os calcanhares do SPD e da CDU e na Escandinávia do apetecível modelo social, para nossa perplexidade, a extrema-direita põe as garras de fora. O que importa destacar nas diferentes formas de manifestação deste fenómeno é a peculiar maneira como algumas destas forças se posicionam e movimentam no seio das instituições europeias, protagonizando uma hábil estratégia de utilização desse posicionamento para suavizar a sua presença, mostrando ardilosamente ao eleitorado, do seu país e europeu em geral, como era exagerado o propósito dos cordões sanitários e impeditivos da sua proliferação.)

É relativamente a este último aspeto que a estratégia de Giorgia Meloni, uma fã de Mussolini, herança que a primeira-Ministra italiana se tem esforçado por apagar, embora sem grande convicção, deve suscitar uma reflexão à parte, porque é meu entender o exemplo mais conseguido dessa estratégia de normalização da extrema-direita, não deixando por isso de se perfilar entre os líderes europeus, estando muito longe de ser na prática uma liderança marginalizada. Basta estar atento às imagens que antecedem os Conselhos Europeus para compreender essa não marginalização.

A constituição do governo italiano com base numa coligação de forças de extrema-direita mostrou, desde logo, a capacidade desta última para compreender objetivamente que no triunvirato Meloni-Salvini-Berlusconi com as suas forças políticas de origem a personagem mais capaz para trazer a extrema-direita ao poder era Meloni. Estou mesmo convencido que essa escolha teve em ponderação saliente o posicionamento nas instituições europeias e, decididamente, nem Salvini nem Berlusconi teriam esse golpe de asa para dissimularem os seus projetos políticos no posicionamento europeu.

O que é importante assinalar é que, no caso da Itália de Meloni e por extensão do caso polaco, a guerra da Ucrânia e o posicionamento no seio das forças políticas e instituições europeias têm funcionado como a cereja no bolo para o projeto deliberado destas forças de extrema-direita normalizarem a sua chegada ao poder. Aquilo que por exemplo com Salvini seria extremamente problemático, dada a relação de fascínio que o político italiano sempre manteve com o autoritarismo de Putin, Meloni tem utilizado a sua permanente posição de apoio as opções de Von der Leyen em relação à Ucrânia para aparecer na linha da frente do apoio europeu e assim fazer esquecer a sua afeição de juventude às ideias de Mussolini, a sua ligação a movimentos neofascistas e a própria agressividade da sua retórica política. Essa posição de suporte às pretensões ucranianas tem servido a Meloni como um instrumento de passagem de algumas das sujas posições mais radicais relativamente ao acolhimento de imigrantes. Os equilíbrios europeus concretizam-se quase sempre em cima de contrapartidas complexas e a primeira-Ministra italiana tem evidenciado uma grande habilidade em assumir esse jogo. O mesmo se diga quanto à sua posição no fórum político do G7 e a próxima viagem a Washington para ser recebida por Biden culmina o branqueamento de uma figura de passado e ideias incómodos (o jornalista ensaísta David Broder do New York Times é particularmente hábil em projetar este tipo de normalização internacional de Meloni).

Claro que quando se desce à terra da política italiana, e essa nem sempre tem a divulgação internacional que dificultaria a referida normalização ou branqueamento, é possível confirmar que os tiques do autoritarismo não desapareceram e que o partido de Meloni prossegue a sua sanha de outro tipo de normalização, em linha com o seu conservadorismo retrógrado, xenófobo ou mesmo cruel do ponto de vista social, designadamente para com os imigrantes.

E, tal como na Polónia, de liberdade de expressão estamos aviados. A tentação controladora está lá, talvez menos expressiva do que a observada na Polónia ou na Hungria, mas sempre na procura de afastar os mais incómodos, os que não se deixam encantar pelo canto da sereia viciosa, da rádio à televisão, passando pelos jornais. Aliás, o que não é novidade nenhuma, pois Berlusconi construiu todo o seu poder eleitoral e de figura carismática apoiado num grupo televisivo que lavava a cabeça a baixo preço dos seus espectadores, preparando a sua ascensão.

Apetece dizer que quando comparamos a força e a inteligência desta sereia viciosa com o nosso Ventura daria para rir, mas os tempos não estão para graçolas.

Só queria destacar o efeito que esta normalização ou branqueamento, concretizado através do exercício do poder e da hábil utilização do posicionamento europeu, tem no adormecimento dos eleitorados.

Se em Portugal e Espanha os eleitorados parecem bem despertos e não dispostos a engolir esta normalização, isso, a par da proteção do anticiclone que nos vai garantindo alguma mitigação climática, não são mais do que contrapartidas, que alguns considerarão inglórias, da nossa reduzida influência europeia.

UM TOQUE MUITO PESSOAL

(Riki Blanco, https://elpais.com) 

Puxando pela dimensão mais racional da paternidade, diria que uma das melhores coisas que há nos filhos é a observação da sua evolução pessoal e, consequentemente, a de assistirmos à emergência de uma personalidade dotada de uma identidade muito própria, na qual vamos reconhecendo, não apenas nem principalmente no plano físico, pedaços de nós ou do outro ou de familiares próximos ou distantes; por vezes até com alguma irritação pela substancial diferença de reação e atitude que manifestam em relação a nós. Dei comigo às voltas com este pensamento durante a tarde de anteontem em que a minha filha Constança contraiu matrimónio com um ex-colega inglês e organizou um evento de celebração tão animado quanto cheio de detalhes exóticos, tão diverso quanto profundamente multicultural. Um casal que tem em comum não gostar necessariamente daquilo que agrada a todo o mundo, um casal que parte para uma nova vida com os seus valores firmemente estabilizados e convicto de que eles os ajudarão a serem cidadãos felizes num planeta mais consciente e potencialmente melhor. Faço figas para que assim seja, já que o resto está na canção interpretada por Doris Day e oscarizada em 1956 (“Que sera, sera / whatever will be, will be / the future is not ours to see”) com que abrimos a dança na sala do evento!

FINALMENTE LIVRES DO CAOS MEDIEVAL

 


(Eu sei que vão reconhecer alguns laivos de elitismo tinhoso nesta minha posição, mas não escondo que não morro de amores pelas Feiras Medievais que pululam pelas nossas cidades e vilas do Norte de Portugal. A iniciativa não deixa de ser simpática e atrai muitos populares. Sente-se a olho nu e com ouvido atento que os espanhóis dominam claramente o negócio, bastando sentir o tagarelar castelhano e galego que emerge das principais tendas. Assim, sem ter qualquer elemento de avaliação para antecipar o que de valor acrescentado permanecerá em território local, mas neste caso de Caminha, não é propriamente o evento que merece o meu juízo crítico, mas antes o enquadramento de espaço e de organização do mesmo. Ontem, último dia do certame e com uma afluência considerável de público, o que pude constar de uma breve passagem pelo centro de Caminha para comprar umas coisas de última hora, com amigos em casa, foi a ausência total de tentativa de ordenamento e organização do tráfego, estacionamento e indicações de orientação para mitigar os danos de estacionamento de viaturas em áreas sensíveis do espaço público. Guarda Republicana nem vê-la e vi apenas alguns bombeiros a organizar um espaço pago de estacionamento junto ao mercado em renovação. O que é manifestamente pouco para a intervenção de um Município que gosta de puxar pelos cartazes da feira como se fosse o grande evento anual. Sem querer ser mauzinho, não sei se o executivo municipal ainda está assombrado pelo tema do parque tecnológico que se esvaiu na ambição do antigo Presidente da Câmara. Ontem, perante aquele caos medieval, senti a ausência de uma intervenção mitigadora que o Município podia perfeitamente ter organizado, até do ponto de vista da pedagogia da ocupação do espaço público. Pois ver o caos medieval instalado, tudo bem as pessoas até podem gostar. Mas ver o espaço público totalmente desrespeitado isso já choca.)

O desabafo está efeito e cumpre-se o ritual anual de o fazer, mesmo com as férias a começar.

Mas a coisa passa. E hoje de manhã bem cedo, para uma curta visita ao banco para regularizar a passagem de testemunho de administração no nosso aprazível condomínio, a atmosfera já era outra. A leveza fresca da manhã devolvia-nos o prazer da convivialidade com pessoas quanto baste, o espaço público parecia regressado às condições de utilização regular, alguns protagonistas da feira acordavam nas suas caravanas, mas o ambiente já não era de “fake” medieval, mas com o tom de urbanidade que sempre nos atrai em Caminha.

Para o ano haverá mais e desculpem lá se possível com maior proatividade na mitigação dos efeitos do caos.

 

sábado, 29 de julho de 2023

MARCELO DESCOMPENSADO

 


(Não é minha intenção replicar o contundente e, em meu entender, definitivo artigo, que José Pacheco Pereira escreve hoje no Público sobre o caminho perigoso que o Presidente da República está a seguir, imiscuindo-se na autonomia de decisão do Governo e vetando o diploma sobre os professores com uma lógica política duvidosa. Perante a súbita consideração que as forças políticas da direita assumiram relativamente à luta dos professores, a posição de Marcelo revela sinais do que considero uma descompensação, que nada augura de bom para os últimos anos do seu mandato. Aliás, talvez pela primeira vez, a voz avisada de Pacheco Pereira, porque profundamente conhecedora da personalidade do Presidente, não esteve sozinha no seu juízo crítico. Isso só pode explicar-se pela evidência de que o caminho é perigoso e excede a meu ver os poderes presidenciais no semi-presidencialismo português. Não sendo minha intenção replicar, já que o original não tem réplica possível, invoco o tema apenas para criticar de cima a baixo o argumento de que o governo da República deveria alinhar a sua posição em relação ao tempo de serviço dos professores com as Regiões Autónomas. É por argumentos desta natureza que o meu entusiasmo pela regionalização em Portugal, não pelas autonomias regionais dos Açores e da Madeira, tem progressivamente arrefecido. Este argumento que Marcelo invoca fornece-me evidência que predomina em Portugal um conceito de autonomia regional que é totalmente incompatível com a ideia de autonomia. Explicar-me-ei.)

O meu argumento é simples. Os governos das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, em estreita relação com os seus Parlamentos regionais, estiveram total e plenamente no exercício da sua autonomia ao decidirem que o tempo de serviço dos professores, congelado por circunstâncias diversas, entre as quais o ajustamento orçamental da crise das dívidas soberanas, deveria ser recuperado a 100%. É a esses governos regionais, e só a eles, que cabe avaliar a sustentabilidade orçamental de tal medida, no quadro do seu modelo de financiamento. A medida foi tomada nas condições e no tempo político que a autonomia regional lhes concede, assumindo total responsabilidade política pela decisão tomada. Estranharia, por isso, que por qualquer motivo que me escape, os governos regionais viessem pedir ajuda ao Governo da República para honrar os seus compromissos perante os professores que trabalham nas regiões autónomas.

Outra coisa bem diferente é o argumento peregrino de que o Governo da República tem obrigatoriamente que seguir a decisão dos Governos Regionais, cobrindo a parada regional. Este é, em meu entender, uma interpretação viciada da autonomia regional. Mesmo que Portugal estivesse regionalizado, se as regiões pressupostamente em vigor tivessem competências para o fazer, as regiões portuguesas não estariam obrigadas a seguir escrupulosamente o que as regiões autónomas dos Açores e da Madeira decidissem politicamente fazer. No quadro das autonomias regionais, são as regiões que definem os seus compromissos orçamentais futuros. Assim sendo, em meu entender, o governo da República não está obrigado a seguir mimeticamente o que as autonomias regionais decidiram consagrar. O princípio da equidade com autonomias regionais não obriga a que todas as regiões tivessem que homogeneizar as suas políticas de remuneração relativamente aos professores. E, aliás, o governo de António Costa teve maioria absoluta em escrutínio livre e democrático não prometendo aos portugueses e aos professores em particular que o seu tempo de serviço iria ser totalmente recuperado a curto prazo.

Marcelo como constitucionalista deveria saber melhor do que ninguém desta matéria. Mas Marcelo é, simultaneamente, um adversário histórico da regionalização e pena é que nunca tivéssemos tido um Ricardo Araújo Pereira para o ridicularizar como aconteceu com o célebre diálogo sobre o aborto. Por isso, Marcelo não hesita em utilizar a arma viciada da autonomia regional para atrapalhar Costa e animar as hostes da educação e da saúde para profundas revisões salariais. Sobretudo, porque Marcelo lançaria os foguetes e Costa seria obrigado a apanhar as canas da reação normal de outros grupos profissionais perante a discriminação positiva dos médicos e professores.

Atenção que este meu juízo não significa ignorar a prioridade de revisão da situação remuneratória de médicos e professores e evitar quer a destruição lenta do SNS afastando os melhores, quer a entrega da educação dos nossos filhos e netos aos menos capazes e com menor vocação. Mas essa discriminação positiva tem de ser submetida ao eleitorado português, não pode ser uma inclinação de circunstância do Presidente a determiná-la. Estarei na primeira linha a apoiar os que tiverem vontade política para propor ao eleitorado essa decisão e assim ganhar consistência governativa futura. Sem isso, o taticismo de Marcelo não me merece qualquer consideração. O suporte democrático da posição de António Costa é mais sólido. Nunca o Presidente Marcelo ganhou a presidência com essa ideia. Por isso, de folclore político estou eu cheio e, por favor, Senhor Presidente não adultere o conceito de autonomia regional para fundamentar o seu taticismo. Não é honesto da sua parte.

Pacheco Pereira tem carradas de razão quando escreve que o caminho seguido por Marcelo é perigoso. Mais do que perigoso é danoso.

 

sexta-feira, 28 de julho de 2023

PERDI-LHE O JEITO?

 


(Cheiro a férias, a azáfama do costume com trabalhos para acabar, sempre em corrida contra o tempo, o cansaço de quem está prestes … mas ainda falta esgalhar os últimos obstáculos, consequentemente falta de energia e concentração para as reflexões do blogue e daí esta branca de quatro dias. No meio disto tudo, o desaparecimento de alguém muito boa praça, o Sérgio Hora Lopes, que encontrávamos sempre disponível para uma boa discussão, ultimamente sobre as questões climáticas e da água, tema da sua atividade profissional. Nestas brancas de alguns dias, chego a pensar que lhe perdi o jeito, que é desta vez que chega ao fim esta atividade incessante de reflexão e escrita, mas não, ainda não é desta, há que enfrentar o écran em branco, inventar temas ou então esperar simplesmente que a realidade nos inspire …)

Além das reflexões que a morte de alguém próximo sempre me desperta, não é fácil agitar a realidade destes últimos dias e nela procurar uma fonte de inspiração.

No rescaldo das eleições em Espanha, divido-me profundamente entre lamentar as condições de ingovernalidade que estão criadas (se Sánchez conseguir domesticar o Puigdemont das franjinhas terá direito a uma estátua na Plaza Cibelles) e rebentar de gozo com a tristeza feita revolta que grassa nas hostes do Observador. Inclino-me para o aspeto lúdico deste último gozo. A nossa direita mais agressiva e ideológica continua a debater-se com uma sociedade que os não compreende e que resiste a ser cobaia da experimentação social que os liberais ressabiados pretendem realizar. A sociedade espanhola não esteve disponível para patrocinar o retrocesso civilizacional que a chegada ao poder do VOX representaria e praticamente em simultâneo com esse banho de realidade as mentes iluminadas do Observador levaram no lombo com uma sondagem de opinião (CESOP – Universidade Católica) em que se torna claro que os militantes do PSD não olham de modo similar para a extrema esquerda (Bloco e PCP) e para o Chega, mas também a sociedade portuguesa em geral que confirma a sua sabedoria, não colocando no mesmo saco a extrema-esquerda e a extrema-direita. É a história, meus caros, ignorá-la conduz a passos em falso e todos prosseguirão com as suas mezinhas para encontrar uma força política que os compreenda e promova a experimentação social que tanto desejam. E sem Troika…

O PSD transforma-se assim num partido em que o pensamento de alguns dos seus iluminados dirigentes não compagina com o sentimento profundo do seu eleitorado e daí o seu comportamento errático. O PSD está transformado num sniper ou atirador furtivo contra o governo, aproveitando regra geral munições acionadas por outros e, claro está, o sistemático ceder de flanco de um Governo que não aferiu bem a qualidade das suas hostes e sobretudo os rabos de palha que os passados de alguns dos seus personagens teimam em fazer aparecer. Creio que o cansaço do eleitorado com esse comportamento errático algum dia há de revelar-se e Costa reserva as suas munições para uma entrada fulgurante em 2024 (Medina já levantou a ponta do véu).

Para mal das coisas, creio que o comportamento também errático de Marcelo anuncia um fim de mandato de desorientação. Veremos se não me engano. Mas o que se pressente não é lá muito promissor.

Para terminar a reflexão de reencontro com as páginas em branco, quedo-me com uma referência a uma imagem poderosa que percorreu mundo e as redes sociais nos últimos dias. Num hotel de luxo de S. Petersburgo, sua propriedade, o líder do Wagner Prighozin, em pose de homem de Estado, recebe e encontra-se com líderes africanos, países em que as forças mercenárias organizam a extração de rendas protegendo monopólios de Estado e a pouca vergonha de algumas lideranças. Se dúvidas houvesse quanto à dependência que Putin apresenta face ao poder do líder da força mercenária, a sua transformação em diplomata por força das armas mostra como o affair Prighozin está muito para lá da questão Ucrânia. Creio não haver certezas da autenticidade da imagem, mas independentemente disso o seu valor é simbólico. E esse é bem pesado.

Nota final:

Entretanto, já em Seixas, o anticiclone continua a proteger-nos e uma neblina fina e bastante húmida, diria que chove pacificamente, faz-nos esquecer os dramas de outros, esses bem mais graves.