quarta-feira, 12 de julho de 2023

WIMBLEDON

 


(Há três excentricidades que gostaria de poder ainda concretizar nesta vida já longa. Passar uns dias pelo Festival de Música de Lugano com Martha Argerich e o seu grupo de músicos amigos, cujas edições anuais compro religiosamente em CD, assistir ao Concerto do Novo Ano em Viena e ver alguns jogos do torneio de Wimbledon. Três excentricidades caras para burro, cujos sucedâneos em CD, streaming ou televisão estão disponíveis, das quais o fundamental são as atmosferas que as envolvem e essas, meus caros, são insuscetíveis de réplica. O torneio de Wimbledon deste ano tem além das atmosferas conhecidas que só os britânicos conseguem construir uma característica sobre a qual gostaria de organizar a minha reflexão de hoje. Quanto às atmosferas irreplicáveis, alguém próximo alertou-me para uma verdadeira preciosidade, a instituição da fila. Ao contrário do que seria de esperar, a massa de bilhetes disponíveis para o torneio não fica desde logo plenamente esgotada. A organização mantém religiosamente a prática de reservar uma massa de bilhetes para cada dia, institucionalizando assim a fila para a sua compra, fila essa rigorosamente monitorizada, permitindo que o comprador de última hora saiba que tem de esperar cinco ou mais horas e por aí antecipar a probabilidade de ser bem-sucedido ou optar pela fila do dia seguinte. Os britânicos são frequentemente irritantes, mas apenas eles seriam capazes de democraticamente institucionalizar a fila.)

A cobertura televisiva do evento de Wimbledon pela SPORT TV, por vezes com três canais disponíveis, é ampla, mas obviamente só muito parcelarmente permite cobrir as atmosferas das duas semanas de competição. O evento acaba por ser fortemente hierarquizado, pois existe uma diferença abissal entre os privilegiados que conseguem jogar no court central e no court nº 1 e os desgraçados que são obrigados a jogar, com hordas de espectadores a deslocarem-se e a prejudicarem a sua concentração. Singulares masculinos, singulares femininos, pares masculinos, pares femininos, pares mistos e outros constituem uma azáfama permanente que, obviamente, só com presença viva, se conseguirá compreender todos os matizes daquela competição.

Olhando para o que tem sido registado este ano, emerge para já uma flagrante diferença de intensidade e de atmosferas exteriores ao que se passa nos courts entre a competição feminina e a masculina. Sem qualquer preconceito de género, o torneio feminino tem sido uma completa sensaboria. É verdade que surgiu uma nova estrela russa de 16 anos, Mirra Andreeva, que chegou a dar impressão de poder chegar às meias-finais e entusiasmou os media, mas a irrequietude da sua juventude e falta de maturidade caíram com estrondo face à americana Madison Keys. É um facto também que a ucraniana Elina Svitolina, regressada à competição depois da maternidade, entusiasmou ontem o público com a sua vitória face à atual nº 1 do mundo, a polaca Iga Swiatek, cavalgando também a onda política ucraniana e trazendo ao torneio alguma animação. Mas pelo que tenho visto, a sensaboria tem predominado e isso deve-se ao estilo das atletas que estão hoje no topo. Jovens como Rybakina, Jabeur ou Sabalenka são poderosas e talentosas, mas no court estão longe da atração que atletas como Navratilova, Chris Evert, Steffi Graff ou mesmo Arantxa Sánchez provocavam. Há dias, no Público, um comovente e longo artigo sobre a amizade nos courts e fora deles entre Martina Navratilova e Chris Evert, ambas tocadas pelo cancro, fez-me relembrar esses tempos dourados do ténis feminino.

Pelo contrário, o ambiente no torneio masculino está ao rubro e nunca como hoje a competição apresentou elementos tão variados de interesse. Entre os homens, temos três conjuntos de atletas e dessa diversidade tem resultado um torneio de uma notável intensidade.

No grupo dos veteranos, Novak Djokovic e Andy Murray destacam-se e que desempenho notável ambos têm apresentado. A capacidade de resistência à pressão de Djokovic é impressionante (ontem depois de despachar Andrey Rublev e ter resistido a não sei quantos pontos de break, Djokovic respondeu na entrevista final com a pressão no centro da questão “I love it”, está tudo dito. Mesmo derrotado por Tsitsipas, o último jogo de Murray foi um monumento à resistência física e honra a história de Wimbledon.

Há depois um grupo intermédio de atletas, na escala dos vinte e tal, em que podemos falar do russo Andrey Rublev, do búlgaro Dimitrov, do americano tardio Christopher Eubanks que tem encantado o público, o polaco Hubert Hurcasz que tem dado ao torneio uma onda de seriedade e profissionalismo, com destaque para o entusiasmante Rublev que submeteu Djokovic a rudes tarefas de resistência.

E, por fim, temos o sangue novo, que assumirá muito rapidamente o pódio da classificação mundial: o espanhol Carlos Alcaraz, o italiano Jannik Sinner e o dinamarquês Holger Rune.

São precisamente estes três de sangue na guelra que preencherão as meias-finais com Novak Djokovic. Que melhor atmosfera poderíamos ter para o fim de festa de Wimbledon? Nunca como hoje se jogou com tão elevado desempenho físico, com um ritmo e agressividade de pancadas que nos deixam boquiabertos.

Irá Djokovic resistir ao sangue na guelra e impor-se de novo?

Será que, como em Roland Garros. a impetuosidade dos jovens como Alcaraz cederá copiosamente numa cãibra muscular generalizada que começou certamente na cabeça do jovem espanhol? Penso que desta vez irá haver luta e da forte.

E não esqueçam, para os mais destemidos, há sempre uma fila institucional organizada e monitorizada para permitir um bilhete de última hora.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário