terça-feira, 18 de julho de 2023

AMBIÇÕES AO DESAFIO NA COMISSÃO

 


Em Bruxelas, os bastidores já estão ao rubro na preparação do próximo ciclo de poder. Com os principais protagonistas, aqueles que têm maiores ambições, a colocarem-se no terreno, entre procura de alianças e esforços para denegrir os reais ou potenciais adversários. Já lá vamos, porque antes de mais importará trazer à luz do dia uma peça relacionada (subordinada ao título acima reproduzido: “Escândalo Na Comissão Europeia Uma Americana em Bruxelas”), assinada pelo conhecido e bem informado jornalista do “Libération” e especialista de temas europeus Jean Quatremer.

 

De que se trata? Da surpreendente nomeação para Chief Competition Economist (CCE) da poderosa Direção-Geral da Concorrência (DG Comp) da cidadã americana Fiona Scott Morton (professora em Yale e membro do CEPR), ratificada no último “colégio” (ao que refere Quatremer, de modo pouco transparente ― um alto funcionário fala em “truque” e chega a afirmar que “pensávamos todos que ela era irlandesa”). Desde logo, porque, ao contrário do que é habitual, o appel d’offre para o lugar (que datava de fevereiro) não incluía a exigência de uma das nacionalidades europeias (o que suscita agora reações no sentido de uma decisão “contrária à ética e à nossa soberania económica” ou ainda mais populistas como as de Marine Le Pen ou Mélenchon). Depois, porque a dita senhora é tida por muito ligada aos GAFAM (acrónimo para os cinco gigantes americanos da Web, Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft), tendo sido consultora bem remunerada (1 a 2 milhões de dólares em alguns casos) de várias dessas empresas (tendo aquela DG uma missão determinante em sede de regulamentos recentes como os do Digital Market Act ou do Digital Services Act, ambos tendencialmente enquadradores de interesses marcantes daqueles “gigantes”). Em seguida, porque o posto em causa é muito relevante na medida em que, e citando um diplomata experiente, o CCE “participa no processo decisional, tem acesso a informações classificadas e influencia fortemente os debates”. Por fim, porque parecem existir razões para associar esta designação a interesses pessoais no interior da Comissão e é aqui que as duas questões parecem convergir.

 

Ao que se diz, a primeira voz que se ergueu contra a hipótese que ainda o era foi, por dever de ofício, a do comissário austríaco Johannes Hahn. Mas tão-logo a notícia começou a espalhar-se foi essencialmente todo o mundo francês, de qualquer espetro partidário ou envolvido em qualquer tipo de responsabilidades comunitárias (parlamentares ou diplomatas), que veio a terreiro (dites-nous que ce n’est pas vrai) e se começou a desdobrar em esforços para mostrar um desagrado coletivo e solicitar à Comissão uma revogação da sua decisão.

 

E como se situam os analistas em termos de especulações quanto à razão de ser de tudo isto? Uns dizem que Ursula Von der Leyen e o seu poderoso chefe de gabinete (Bjoern Seibert) “quiseram oferecer este presente a Washington” por “ambições otanianas” da primeira (aspiração a substituir o norueguês Jens Stoltenberg) e enviesamento americanófilo do segundo; referindo outros que a dinamarquesa Margrethe Vestager se terá sentido forçada a contemporizar por expressão de reconhecimento associada a estar de saída para a presidência do BEI. Mas, em sentido algo contrário, há também quem sublinhe que Ursula preferirá ficar na presidência da Comissão e que o ruído instalado é originado e amplificado pelo seu principal rival a esse lugar, o francês Thierry Breton ― o que adiciona mistério ao tema, por deixar em claro quem foi o autor-mor do “golpe” (apenas Seibert?).

 

Tudo indica que ainda estamos muito longe de uma conversa acabada, apesar de uma porta-voz da Comissão ter vindo declarar que “não há motivo para reconsiderar”. Não sem acrescentar, algo estranhamente, que Fiona não irá ocupar-se durante dois anos de assuntos relacionados com as empresas para as quais trabalhou ― mais uma especificidade europeia, esta contratação de alguém “que não poderá fazer uma parte do trabalho para o qual foi recrutada” ilustra bem a perspetiva dominante na Comissão sobre o tão apregoado tema dos conflitos de interesses...


(cartoons de Patrick Blower, https://www.telegraph.co.uk https://www.politico.eu)

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