sexta-feira, 7 de julho de 2023

CHINA E ALTÁSIA

 

(Como já escrevi noutras ocasiões, o olhar do Ocidente sobre a China alterou-se profundamente a partir do momento em que as relações sino-americanas se tornaram mais crispadas e, à vista de todos, o reordenamento da geopolítica mundial se intensificou em busca de novos blocos de interesses e de padrões de relacionamento comercial e de direcionamento de capitais. Seguir a economia chinesa com um mínimo de objetividade, dedicando o tempo e análises pertinentes para apreender a sua evolução estrutural, independentemente do autoritarismo do seu modelo, não é tarefa fácil, no seio de tanta desinformação. Entre os bloggers americanos, Noah Smith destaca-se, em meu entender especialmente devido à diversidade de informação que mobiliza. É o caso da sua última review sobre a matéria, na qual Smith analisa o que pode vir a ser o futuro da economia chinesa, agora que atingiu praticamente um pico da sua longa evolução e aparecimento na economia mundial.)

Segundo os valores coligidos por Smith, a China parece ter entrado numa nova era de crescimento económico, não se alcandorando aos picos que atingiu no passado. Essa nova era é marcada por duas ideias centrais: primeiro, o chamado “export-led growth”, crescimento puxado pelas exportações, medidas em percentagem do PIB, dificilmente representará a alavanca de continuidade para o seu crescimento (a dimensão do mercado interno, das infraestruturas e do imobiliário entrarão em cena); segundo, tal como também aqui o referimos, a chegada do envelhecimento e do declínio demográfico à sociedade chinesa tenderá inevitavelmente a pressionar descendentemente do produto potencial da economia chinesa, mesmo que o regime politico consiga níveis de vinculação da população que as sociedades democráticas só em grandes momentos de envolvimento popular como na economia de guerra conseguem atingir (recordemos o notável esforço logístico dos EUA que precedeu a sua entrada na 2ª Guerra mundial).

Do ponto de vista destas duas grandes mudanças estruturais, o Japão precedeu bem cedo a China: em 1986, o chamado Acordo Plaza de Nova Iorque realizado entre as 5 principais economias do mundo alterou as paridades entre as principais moedas, começando o Japão a partir daí a ver o peso das suas exportações no PIB a perder gás; e, em matéria de declínio demográfico, muito antes da China enveredar pelas suas controversas políticas demográficas, já o Japão era visto no mundo como uma economia envelhecida.

Smith entende que o facto de se falar de um pico de evolução estrutural na China não significa que progressos observados em matéria de automação industrial, na revolução elétrica e sabe-se lá como os Chineses estão a trabalhar em matéria de inteligência artificial não prolonguem a onda de prosperidade entretanto observada e que lhes permita equacionar a dimensão do mercado interno (mesmo com população em declínio) como nova alavanca de crescimento.

A ansiedade ocidental em encontrar na dinâmica de crescimento asiático alguma ordem e alianças tem levado à descoberta da importância de um universo geográfico de países, que o Economist designa de Altásia, cujo mapa aparece representado na imagem que abre este post. Mas agregar informação de um conjunto de países é fácil, e aqui neste caso o objetivo é demonstrar que existe dinâmica e potencial asiáticos além da China. Outra coisa bem diferente é avaliar se esses agregados representam alguma coisa mais do que um simples agregado estatístico. Tenho sinceras dúvidas que a Altásia represente já um conjunto político e económico com significado e peso próprios. Para já, o relacionamento da China com estes países de proximidade asiática está por fazer. O que sabemos é que pelo menos os de menor nível de desenvolvimento económico como, por exemplo, a Indonésia, o Vietname e o Bangladesh tenderão a beneficiar por via dos custos salariais que poderão oferecer face ao crescimento salarial na China. Mas isso não significa que, beneficiando da sua evolução estrutural, a China não possa fornecer esses países de tecnologia chinesa, substituindo a pretensão americana de marcar presença naquela zona dinâmica do continente asiático.

Por isso, talvez esteja menos otimista do que a reflexão de Noah Smith nos sugere. Em meu entender, é cedo para compreender e plenamente antecipar o que a Altásia irá representar no novo jogo geopolítico da economia mundial.

 

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