sexta-feira, 31 de março de 2023

AINDA O INDICADOR DE COMPETITIVIDADE REGIONAL

Volto ao indicador de competitividade regional (RCI) europeia, que aqui tratei em post de 28 do corrente. Acima, e pour mémoire, o nacional na sua distribuição por sub-índices e respetivos pilares. Abaixo, e identicamente, os das regiões do Norte e Área Metropolitana de Lisboa (AML). Nestes casos, com a AML a apresentar sub-índices sempre acima dos 100% e uma valoração que é maior na inovação, intermédia na eficiência e menor no básico e com o Norte a apenas apresentar um sub-índice ligeiramente acima dos 100% (o de inovação) e mais significativamente debilitado na dimensão de eficiência. Duas curiosidades: apenas no pilar da Saúde surge o Norte em melhor posição do que a AML, o que me parece bastante paradoxal; dois pilares são de valoração comum (e, portanto, nacional), o macroeconómico e o da educação básica.


Estes e outros tópicos, bem patentes se observada a escolha dos indicadores incluídos no cálculo dos sucessivos índices, apontam claramente no sentido de que este trabalho careceria de melhorias e aprofundamentos determinantes (mesmo considerando as dificuldades estatísticas e a necessidade de comparações intereuropeias como dominante) para que pudesse merecer ser encarado como sério (ou, talvez melhor, razoavelmente rigoroso) e dele se pudessem extrair conclusões úteis e não distorcidas.



quinta-feira, 30 de março de 2023

JÁ NEM A SUÍÇA ESCAPA...

(Pierre Kroll, http://www.lesoir.be) 

Com algum atraso em relação ao tempo real, mas ainda a tempo de anunciar um outro tempo, uma pequena nota sinalizadora de novos elementos de mudança a acontecer no setor financeiro internacional.

 

No caso em concreto, e para além das consequências ainda por apurar em toda a sua extensão da desregulação reintroduzida por Trump nos EUA e das políticas expansionistas dos bancos centrais na última década, tivemos a banca suíça a abanar e a abalar a tradição de segurança e estabilidade que lhe estava (talvez) exageradamente associada. A primeira evidência visível de tais abano e abalo esteve no “casamento forçado” da UBS com o Credit Suisse, o primeiro mais sólido e dotado de uma estratégia de vida a mostrar-se muito pouco convencido com o passo matrimonial a que foi levado pelas autoridades, o segundo à beira do abismo e perdido no caminho a ser recuperado em cima da hora para que se tentassem evitar males maiores.

 

Uma história que, à primeira vista e para os mais otimistas, parecerá ter contribuído para interromper uma evolução tendencial no sentido de uma nova crise financeira internacional, mas mais seguramente apenas um episódio de uma história que estará bem longe de ter chegado ao seu duvidoso fim. Um assunto a seguir.

(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)

quarta-feira, 29 de março de 2023

ESTARÁ O SOFTWARE NO SEU MOMENTO GUTEMBERG?

 

                                                            (Paul Kedrosky &Eric Norlin) (1)

(Tenho-me esforçado na minha reduzida margem de intervenção por tentar mostrar que os jargões hoje generalizadamente utilizados de transformação ou transição digital estão muito longe de representar as mudanças em que o mundo está envolvido e, atendendo à nossa abertura e exposição globais, que nos vão tocar inevitavelmente à porta. A revolução tecnológica em curso tem-se manifestado por impulsos de que a robotização e a automação já foram os presumidos motores, mas que agora tem a inteligência artificial (IA) a liderar esse impulso. A IA é uma revolução excelente para explicar o meu ponto de compreensão necessária da relação existente entre mudança tecnológica, inovação organizacional e melhoria de qualificações/competências, que procuro descrever no esquema imediatamente abaixo, um pouco tosco, mas é artesanal. Além disso, o conhecimento dos rumos dos efeitos que iremos poder associar à IA estão nos primórdios do conhecimento. No post de hoje, trago o contributo de dois tecnólogos americanos que apontam um dos grandes efeitos surpresa da IA, nada mais nada menos do que os concretizados no interior do próprio mundo da tecnologia, afetando o seu coração, a indústria e os profissionais de software. Agarrem-se bem pois termos navegação altamente instável.)

 


A primeira nota prende-se com a razão pela qual os efeitos concretos da inteligência artificial estão ainda nos primórdios do conhecimento. Em meu entender, conhecemos mal, ainda, a relação entre a mudança tecnológica propriamente dita (a IA nas suas diversas manifestações) e as adaptações ou revoluções organizacionais com as quais tenderá a coevoluir. E, por isso, tenho defendido cautela e precaução no modo como se antecipam as mudanças de qualificações e de competências necessárias, já que será da relação IA-organização que decorrerão as principais alterações em matéria de postos de trabalho, de qualificações e de competências para os preencher.

Por isso, é natural que durante este percurso ainda fortemente indeterminado tenhamos que gerir e acomodar algumas surpresas, inesperadas ou não consoante o modo como acompanhamos ou estamos embrenhados nestas questões.

O contributo que trago para o post de hoje tem origem em dois quadros da SV Ventures (base em Singapura), Paul Kedrosky e Eric Norlin e falam de um momento Gutenberg para a indústria de software. O tema é sugestivo e coloca o software, neste caso a manifestação de IA  baseada nos Large Language Models (LLM) tipo ChatGPT, cuja aplicação e resultados tem inundado a imprensa internacional, no coração da sua própria disrupção. Por outras palavras, a IA prepara-se para arrasar os principais elementos de organização da indústria de software, programas, programadores e software houses. É como se dentro de um dado sistema se formasse um elemento cujo desenvolvimento tenderá a revolucionar o próprio sistema.

Entre outras minudências, os softwares tipo ChatGPT podem ser interrogados e fornecer códigos de programação, com impacto significativo nos profissionais de programação.

Dois elementos interessantes que os quadros da SVK (2) nos trazem.

Em primeiro lugar, os elementos conhecidos de relação entre avanço do conhecimento e redução dos custos de produção de software levam os autores a falar de uma transição irreversível entre tempos de ciclos de dimensão para outros em que tudo muda e a cada vez mais velocidade. O gráfico que abre este post anuncia que o próximo colapso de custos tecnológicos irá acontecer no universo do software.

Em segundo lugar, o gráfico abaixo tem uma representação simples de dois eixos em que as variáveis são a previsibilidade das mutações e a sua gramaticalidade, ou seja, neste último caso a existência de regras que possam comandar os processos de automatização e de aprendizagem inteligente que os ditos ChatGPT permitem concretizar. No quadrante de efeitos mais devastadores, os engenheiros de software estão em companhia de outros profissionais, tais como gente que trabalha no domínio da fiscalidade, dos call centres e dos contratos.

 


Ou seja, navegação instável e que recomenda alguma precaução no desenho de novas qualificações.

Para memória futura.

(1) https://skventures.substack.com/p/societys-technical-debt-and-softwares 

(2) https://opengovsg.com/corporate/202023658M

 

AFLORANDO UM TEMA MELINDROSO...

 

(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com) 

Circular pelas cidades de táxi, como atualmente também recorrendo a outras plataformas de transporte privado individual como a Uber, é reconhecidamente uma fonte interessante de acesso à informação sobre o que por aí vai ocorrendo ou sendo pensado e dito. Já aqui o referi e ilustrei em diversas ocasiões, sendo que ontem em Lisboa o pude novamente confirmar de viva voz.

 

Vale o que vale mas, a partir de uma amostra necessariamente não representativa mas eventualmente a merecer ser tida em conta, percebi claramente quanto é dominante a presença de imigrantes (brasileiros muitos, mas com um crescimento marcante em termos de comunidade indiana) ao volante de plataformas tipo Uber. Gente que se vai governando dessa forma (com um rendimento que rondará os 800 euros e em situações de habitabilidade nem sempre condignas) enquanto espera pela oportunidade de mandar vir o resto da família e explorar outras ambições (tudo lembrança remota dos nossos anos 60 em França...), que o mesmo é dizer pela obtenção do ansiado passaporte. Gente que afirma que se decidiu por Portugal pela maior facilidade em conseguir os documentos de autorização de residência e trabalho, não tanto (antes pelo contrário) pelas condições de vida e remuneração cá ao seu alcance (poor money, afirmam, enquanto se declaram desejosos de aceder a outros níveis de ganho por essa Europa). Gente que explica que ouviu falar do nosso país através de alguém que no seu lhe garantiu resultados de fixação europeia a troco de uns milhares de euros da sua pequena poupança pessoal e de algum contacto eficaz na embaixada ou em consulados. Gente maioritariamente pouco qualificada, alguma dela com incursões pontuais por outros países europeus próximos para obtenção de alguns acréscimos  marginais de rendimento em áreas de construção civil ou agricultura. Gente de bem e com esperança, certamente, mas também gente cujos atributos individuais e culturais nos deveriam exigir uma atenção estrategicamente cuidada embora sempre prioritariamente humanizante.

 

Em suma, retratos de vida delimitados mas reais e, sobretudo, bastante inquietadores quanto ao muito que por incúria e incompetência (para evitar referir conluios e aproveitamentos...) podemos estar a deixar de considerar na matéria, além de bem evidenciadores da centralidade do foco e interesse que nos deveria merecer a aceitação plena e o acolhimento concreto no quadro coletivo nacional de cidadãos como estes, tão ignorados quanto maioritariamente carregados de potencial.

terça-feira, 28 de março de 2023

VÁRIAS SOBRE A DERIVA RUSSA

 

                                                        (Bakhmut)

(O esforço que é necessário para acompanhar reflexivamente e com a informação o mais objetiva possível o risco da invasão russa poder transformar-se numa escala bélica mundial, de proporções inimagináveis, é brutal e implica uma atenção permanente pelo que vai sendo publicando por esse mundo fora. Como economista estou particularmente interessado em compreender em que medida a importância do económico vai impondo a sua lei, como por exemplo a possibilidade de, no centro de tanta agressividade, sob os auspícios das Nações Unidas, se ter conseguido renovar, é verdade que por pouco tempo, o acordo entre invasor e invadido para a exportação dos cereais ucranianos. Obviamente que não conheceremos provavelmente nos tempos mais próximos a razão para o relativo êxito desse acordo, talvez haja contrapartidas desconhecidas. O propósito deste post é o de tentar reunir mais alguma informação relevante para alinhar ideias e reflexões, já que do ponto de vista estritamente bélico, salvo alguma alteração disruptiva e imprevista, o conflito tenderá a arrastar-se e, nessa perigosa medida, ficar sujeito a uma maior probabilidade de algum acontecimento-rastilho poder observar-se e com isso assistirmos a uma verdadeira escalada do confronto.)

Do ponto de vista militar, a possibilidade de Bakhmut ser definitivamente tomada pelo invasor russo já se arrasta há tempo, que fico com a sensação de que algo nos escapa na informação a que temos acesso. O facto da operação invasora estar essencialmente concentrada numa força mercenária, o exército Wagner, e as informações que chegam (que podem ser contrainformação) de que o corpo de mercenários se queixa reiteradamente de falta de retaguarda e apoio das forças russas constitui uma das matérias mais intrigantes da informação que nos chega do teatro da frente. A brava resistência ucraniana pode explicar alguma dessa extensão de tempo, mas creio que não explicará tudo e que haverá naquele teatro de guerra tão localizado. A verdade é que não tenho encontrado na imprensa internacional explicação para esta interrogação, salvo descrições terríveis do estado em que se encontra aquele (hoje) fantasma de Cidade.

Na matéria mais económica, o conhecimento que se vai tendo sobre os efeitos reais das sanções, sucessivamente agravadas, é de molde a formar uma opinião relativamente fundamentada de que não será por aí que a invasão russa vai ser travada e invertida a sua marcha.

A Foreign Affairs (1) revista americana que reflete com alguma liberdade sobre a política externa americana, mas que deve ser sempre contextualizada como uma revista com essa origem, vai publicando sucessivas avaliações do instrumento sanções, que nos permitem concluir que os seus efeitos estão longe de corresponder ao que foi inicialmente anunciado. As sanções representaram sempre para a política externa americana a possibilidade de evitar investimentos de deslocamento massivo de tropas e equipamento militar. Rapidamente se compreendeu que uma coisa era poder infligir alguns danos no acesso a recursos financeiros e na política industrial russa, outra coisa bem diferente seria admitir que tais efeitos provocassem alterações decisivas na estratégia do invasor. O que os americanos designam de “economic warfare” é algo que entra na reação global do ocidente, mas que não poderá por si só influenciar decisivamente o curso da invasão. E não podemos ignorar que a Rússia está hoje do outro lado da bipolaridade mundial, colocando-se sob o manto protetor da China e do bloco de países que continua a não reconhecer aos EUA o estatuto de governação do mundo. Tenderia a defender, mas não tenho evidência rigorosa para o demonstrar, que a saída forçada dos talentos russos que se recusam a pactuar com o regime de Putin representarão a prazo um dano mais letal para o desenvolvimento a longo prazo da Rússia do que as sanções ocidentais.

A petroeconomia em que a Rússia se transformou, ao contrário das perdas estimadas de 10% ou mais associadas à sanções, ficou-se por uma queda do PIB em torno dos 2%, que é o melhor indicador de que o impacto estimado das sanções fi manifestamente exagerado. O artigo da Foreign Affairs não hesita em considerar que, embora o aparato inicial, as sanções praticadas não foram o que poderiam ter sido em termos de bens de consumo, deixaram alguns bancos russos ligados ao sistema internacional e não entraram pela via de tentar impedir a ajuda de terceiros à economia russa.

E mesmo se podemos imaginar danos económicos superiores à queda dos 2% de PIB atrás referidos, não podemos também subestimar a maior capacidade dos regimes ditatoriais para gerir e impor a penosidade económica. A revista é esclarecedora: “As sanções são um instrumento valioso de suporte, mas dificilmente poderão ser um marco mágico ou alterar radicalmente as decisões do cálculo da guerra pelo adversário a curto prazo.”

É por isso que interessa compreender o que era a Rússia quando a deriva imperialista de Putin se voltou de novo para a Ucrânia, procurando reescrever a história.

Nesse domínio, Noah Smith (2) publicou recentemente um pequeno artigo que desmonta o argumento ou narrativa da revitalização da economia russa que a autoridade de Putin teria operado. O artigo tem informação diversificada sobre alguns dos resultados conseguidos, embora com a transformação de uma economia industrial ineficiente em petroeconomia, graças à qual acumulou reservas em moeda estrangeira consideráveis e que utilizou em grande medida para o primeiro impacto das sanções.

 

Mas o gráfico acima com o rendimento percapita russo comparado à paridade de poder de compra com a de alguns países vizinhos e hoje adversários ilustra bem o caráter moderado dessa revitalização. E o que se sabe é que essa petroeconomia deu frutos sobretudo para os percentis mais elevados da economia russa, os famigerados oligarcas.

(1)

https://www.foreignaffairs.com/united-states/limits-economic-warfare?utm_medium=newsletters&utm_source=fatoday&utm_campaign=The%20Limits%20of%20Economic%20Warfare&utm_content=20230327&utm_term=FA%20Today%20-%20112017

(2) https://noahpinion.substack.com/p/putin-is-a-rest-stop-on-the-road?utm_source=post-email-title&publication_id=35345&post_id=111155479&isFreemail=false&utm_medium=email