sábado, 25 de março de 2023

SUSANA PERALTA ABRE E BEM O MELÃO

 

(A economista Susana Peralta veio trazer ao comentário político, económico e social uma frescura de que os jornais portugueses precisavam, estando a gente interessada em debates sérios e bem fundamentados cheia de aturar parlapatões que lhes custa dobrar a espinha ou cansar as meninges para estudar os problemas. Não terá sido por acaso que a economista encontrou estranha e internamente na Universidade Nova séria oposição, diria inveja, aos seus escritos para os jornais, numa Universidade em que os economistas encartados publicam que se fartam mas sem lograr contribuir ativa e criticamente para o debate público. Foi, por isso, com extrema curiosidade que esperava um escrito de Peralta sobre as famigeradas políticas de habitação que o Governo colocou em discussão pública e sobre as quais o Presidente da República tem zurzido alguns comentários pouco abonatórios para a Ministra da pasta e obviamente para António Costa. No que respeita à análise crítica de Peralta, sabe-se que, por ser regra geral bem fundamentada e com estudo sério dos problemas em debate, quando a crítica é demolidora ela é assassinamente demolidora, pois dificilmente lhe poderão ser imputadas segundas ou terceiras intenções de matriz política).

O texto de Susana Peralta publicado no Público com data de 24 de março de 2023 é simplesmente arrasador para a bondade do conjunto de políticas apresentado pela Ministra da Habitação e Primeiro-Ministro e para isso não precisou de usar os mais profundos truques da chicana política e ideológica utilizados pelos detratores mais agressivos do documento.

Como seria de antecipar, a frieza analítica de Peralta confronta-se com a debilidade de um documento que, aparentemente tem uma grande magnitude, mas que a economista da Nova refere que equivale a um simples texto word de 4 páginas. Para mais, Susana Peralta analisa com minúcia as escassas fundamentações do racional das medidas apresentadas como se tratasse de uma resposta mais imediata às carências habitacionais suscitadas pelo agravamento inflacionário e encontra imediatamente sérias incongruências no facto de nem todas as medidas anunciadas terem efeitos imediatos, antes pelo contrário. Esse é o caso, por exemplo, da reconversão de uso de imóveis para comércio e serviços em imóveis para habitação (conhecemos os meandros municipais para estas alterações de uso) e a disponibilização de solos e imóveis públicos para reconstrução, reconversão ou reabilitação, já que as boas almas sabem como é problemático o Estado ter um simples inventário do que possui.

Tal como já o referi neste espaço, existe evidência suficiente de que o Ministério da Habitação não pensou bem a exequibilidade do mecanismo do edificado devoluto, já que não lhe corresponde um quadro jurídico de fácil implementação. Para mais, alguns comentários realizados pela Ministra nos dias seguintes em tom marcadamente jacobino, que já há algum tempo não via em declarações de elementos do Partido Socialista, mais adensaram as interpretações de que o conjunto de medidas fora mal preparado e dotado de reduzida ou quase nula fundamentação.

E a finura analítica de Peralta apanha o Governo em contramão e desorientado, pois identifica a nebulosidade que existe entre os documentos estratégicos vigentes (Nova Geração de Políticas Habitacionais, Resolução do Conselho de Ministros de 2018 e Programa Nacional de Habitação de publicação mais recente) e este conjunto de medidas que aparentemente visaria respostas mais imediatas (o que não é plenamente verdadeiro), mas que também não se coíbe de referir que visa também o objetivo mais estrutural de reforçar a oferta habitacional (a great mess!)

Tal como Peralta subtilmente o refere, ou a Ministra é avessa a números (o que parece ter confirmado na sua resposta ao podcast de Daniel Oliveira), ou mais grave ainda não concedeu aos documentos estratégicos anteriormente publicados a atenção necessária para neles situar esta putativa intervenção de curto prazo. Peralta cita com argúcia a Ministra nessa resposta: “Nós nunca damos números e eu nunca gosto de dar números, precisamente porque o objetivo é chegar a toda a gente que precisa de uma resposta neste momento, e é difícil pôr isto num número. Se todos os instrumentos puderem contribuir para isso, eu diria que o instrumento não falha. Nós podemos ter uma expectativa de chegar a 1.000, 2.000, 3.000. Mas se eu chegar a 300, 400, 500, eu não diria que o instrumento falhou, porque tenho 300 famílias que estão abrangidas”. Ó Santa ingenuidade política!

Foi nesse sentido que li com toda a atenção a entrevista da Ministra da Habitação ao Expresso deste fim de semana, publicada no suplemento de Economia. A entrevista não acrescenta nada de novo ao que já sabíamos, sobretudo do ponto de vista de saber se o conjunto de medidas é afinal uma intervenção de curto prazo e só isso ou se pretende, além disso, reforçar objetivos estruturais constantes dos documentos estratégicos anteriormente publicados. Esclarece um pouco mais o que espera do arrendamento coercivo (pouco, muito pouco, o que conduz à pergunta, então porquê sacrificar a recetividade de todo o conjunto a uma medida da qual espera pouco?), diz alguma coisa sobre o último recurso do arrendamento forçado na lei desde 2014, mas continua a não ser convincente sobre as razões de integrar medidas cuja exequibilidade de implementação é lenta ou difícil num pacote que visa obter resultados no plano imediato.

Resumindo, a frieza analítica de Susana Peralta limita-se a confirmar a existência de uma espécie de três em um, de explicação estranha face a um governo que tinha condições para controlar a sua agenda e não submetê-la aos desígnios dos outros: (i) meter ao barulho medidas de lenta tramitação e de exequibilidade discutível num pacote apresentado para ser uma resposta com efeitos imediatos; (ii) meter os pés pelas mãos na articulação entre referenciais estratégicos anteriores e a resposta a curto prazo; (iii) pôr em alvoroço desnecessariamente o mercado. Tudo isto num contexto em que é cada vez mais difícil disfarçar e ignorar as carências. Veja-se o mesmo Expresso sobre números de pedidos de habitação social e não só sobretudo nas aglomerações metropolitanas. Ou seja, uma evidente externalidade negativa da concentração excessiva da população portuguesa nos territórios metropolitanos do sul e do norte.

Brilhante!

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