(Esta é das tais imagens que não podem ser ignoradas. Podemos dizer que a diplomacia está cheia de hipocrisia. Sim, está. Mas quando sob os auspícios do Ministro dos Negócios Estrangeiros da China, representantes da Arábia Saudita e do Irão se reúnem para reatar relações diplomáticas bilaterais, depois de um longo período de forte agressividade bélica entre os dois Estados, representantes da profunda e conhecida divisão islâmica entre Sunitas e Xiitas, estamos perante um outro tempo da geopolítica internacional, sobretudo a oriente. Sabemos que o mundo da geopolítica tem horror ao vazio. Esse vazio foi criado pelo “pessanga” americano de já não ser o guardião do mundo por aquelas paragens, iniciado pelos tempos turbulentos de Trump e de certo modo continuados pela saída do Afeganistão, já promovida pela Administração Biden. A China aproveitou e posiciona-se em conformidade. Não sabemos se esta aproximação patrocinada pela diplomacia chinesa poderá conduzir ou não ao fim da brutalidade do cisma islâmico que vem de longe entre Sunitas e Xiitas e que os dois países têm protagonizado em diferentes contextos, com relevo para a devastação no Iémen. Mas que é simbólico de outros tempos na geopolítica internacional disso não tenho dúvidas. E imaginem só o que poderia representar o fim das hostilidades entre Sunitas e Xiitas. Ocidente, acautela-te!
A teocracia dos regimes islâmicos determina que as longas querelas tecidas em torno da reivindicação das origens de Maomé, com relevo para o choque entre Sunitas e Chiitas, se repercutam na conflitualidade bélica entre Estados, como conhecemos, por exemplo, da devastadora guerra Irão-Iraque e de outras projeções como a que conduziu o Iémen a um trágico estado de ingovernabilidade e insegurança.
A iniciativa diplomática da China de conseguir a aproximação entre a Arábia Saudita e o Irão, com uma reunião há dias entre os máximos responsáveis pela Segurança dos dois Estados, tem um alcance notável, anunciando a imprensa internacional (1) que dentro de poucos meses serão reabertas embaixadas recíprocas dos dois países, anunciando um outro panorama de relacionamento.
Obviamente que tudo isto não significa que a segurança no Médio Oriente não continue a contar com a influência americana. O que é novo é a tentativa deliberada chinesa de ter um papel diplomático na zona, anunciando talvez que a China pretende criar um ambiente favorável aos ganhos da sua influência económica e comercial, fazendo jus ao seu estatuto de grande parceiro comercial na zona.
Imagino que esta aproximação entre sauditas e iranianos não signifique o enterrar da divergência islâmica central em torno da proximidade ao legado e memória do Profeta. Mas que representa uma profunda viragem do ponto de vista da afirmação internacional destas teocracias é algo sobre a qual não podemos fingir que não interessa acompanhar.
Um Islão menos dividido é algo que mudaria profundamente o equilíbrio nesta zona do globo.
Para memória futura.
(1) Recorro sobretudo ao VOX para esta referência: https://www.vox.com/world-politics/2023/3/10/23634464/deal-saudi-arabia-iran-china-explained
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